Estadão faz sensacionalismo e governo Lula erra na postura defensiva, diz advogada que pediu reunião no MJ

Em entrevista exclusiva ao GGN, a advogada diz que imprensa criminaliza familiares de presos

Janira Rocha, advogada criminalista, ativista pelos direitos humanos no sistema carcerário e ex-deputada do PSOL do RJ. Foto: reprodução/redes sociais
Janira Rocha, advogada criminalista, ativista pelos direitos humanos no sistema carcerário e ex-deputada do PSOL do RJ. Foto: reprodução/redes sociais

É “sensacionalismo” o que o Estadão está fazendo com a história da suposta “integrante do Comando Vermelho” do Amazonas que foi recebida ao menos duas vezes por assessores do ministro Flávio Dino no Ministério da Justiça. Os jornais que repercutem e ampliam o enredo numa cobertura desequilibrada, na ânsia de que cabeças rolem no MJ, também contribuem com violações de presunção de inocência. E o governo Lula, infelizmente, cai na armadilha dos jornalões e erra ao adotar uma postura defensiva.

A avaliação é da advogada criminalista Janira Rocha, a verdadeira pivô do escarcéu criado pelo Estadão. Janira – que é ex-deputada, dirigente da ANACRIM do Rio de Janeiro e ativista por direitos humanos no sistema carcerário – falou com exclusividade ao jornalista Luis Nassif, para o canal TVGGN, na noite de segunda (13) – dia em que o Estadão saiu com a reportagem que cria uma “conexão fantasiosa” entre o Ministério da Justiça e fações criminosas. [Leia mais aqui]

Na entrevista ao GGN, Janira confirmou que foi a responsável por solicitar as agendas junto ao governo federal. Ela explicou por que Luciane Farias, esposa de um líder do Comando Vermelho em Manaus, esteve presente nos encontros. Janira negou que a mulher seja integrante da facção criminosa, ao contrário do que publicou o Estadão.

Ela também confirmou que o governo federal não sabia que ela era esposa do líder do CV, e ressaltou que familiares de presos são recebidos por diversas autoridades o tempo todo – o ex-presidente Jair Bolsonaro, por exemplo, recebeu a mãe do Marcinho VP e a irmã de Fernandinho Beira-Mar, numa reunião intermediada por Cabo Daciolo. Na oportunidade, os familiares dos presos pediram a flexibilização dos presídios após a remissão da pandemia.

Na visão de Janira, a imprensa está manipulando fatos para atacar o governo Lula, ao mesmo passo em que criminaliza o trabalho social de familiares de presos juntos às instituições da República – ontem o GGN mostrou que Luciane Farias esteve recentemente em audiências na Câmara dos Deputados, em Brasília, e também foi recebida por secretária do governo do Amazonas, mas apenas as visitas ao Ministério da Justiça são atacadas pelo Estadão, que tenta balançar a cadeira de Flávio Dino.

“Na nossa avaliação, esse sensacionalismo corresponde a um ataque da direita que tenta usar o movimento para atacar o governo Lula e o ministro Dino, na disputa fraticida não só ideológica como eleitoral. Infelizmente, eles pegaram uma causa justa e sensível para fazer esse auê todo. Não criminalizaram só a Luciane: criminalizaram o movimento todo. E, infelizmente para nós, esse governo que tem uma tradição [democrática] reagiu muito mal a isso, de forma muito defensiva, ficou nas cordas, e a gente lamenta essa posição do governo”, disse Janira.

Os encontros no MJ

Na grande mídia, Luciane Farias está sendo tratada como “chaveirinho” de Janira Rocha, que teria a levado aos encontros no MJ sem avisar de sua filiação com um preso. No Estadão, Luciane foi tratada como a dama de ferro do tráfico do Amazonas, com base na opinião do Ministério Público, que conseguiu uma condenação em segunda instância por associação criminosa – em primeira instância, Luciane havia sido absolvida – e agora a mulher recorre em liberdade.

Janira, Luciane e outras familiares de presos estiveram em março passado com Elias Vaz, secretário nacional de Assuntos Legislativos do MJ. Sua pasta não era competente para acolher as demandas do movimento e, por isso, elas foram encaminhadas para Rafael Velasco, chefe da Secretaria Nacional de Políticas Penais (Senappen), com quem se encontraram em maio. Elas também estiveram na Ouvidora Nacional de Serviços Penais (Onasp), que teria proposto a realização de um seminário para discutir violações de direitos humanos nos presídios.

Segundo Janira, o fato de Luciane ser “esposa de uma pessoa que está no sistema não significa que ela também seja pessoa criminosa. Ela, sim, responde a um processo por associação. Se fizermos uma pesquisa hoje, a maioria dos familiares de presos, principalmente mulheres, são criminalizadas. Muitas respondem a processos vazios simplesmente por serem esposas. Ela responde a um processo e foi absolvida em primeira instância. O MP fez recurso, e neste ela foi condenada em segunda instância, e está recursando em liberdade nas outras instâncias. Pelas leis brasileiras, vige o princípio da presunção de inocência”, afirmou a advogada.

Ela ainda fez um paralelo entre o tratamento que a grande mídia tem dado à familiar do preso e ao que fizeram com o presidente Lula na Lava Jato. “Já nominaram ela de ‘dama do crime’, já a condenaram [no tribunal da grande mídia], ou seja, a presunção de inocência dela foi jogada fora. Antes de qualquer coisa, ela já tem um carimbo, que foi o que fizeram com o presidente Lula.”

Luciane participou dos encontros no MJ porque ela dirige o Instituto para Liberdade do Amazonas, que faz parte da ANFAP (Articulação Nacional de Familiares de Presos). O fato de ela ser esposa de um faccionado em Manaus não mencionado porque, segundo Janira, “não era pertinente”, considerando que inúmeros familiares de presos fazem parte dessa articulação.

O movimento, segundo Janira, luta para garantir direitos fundamentais nos presídios. “Significa não ter tortura, que os presos possam comer – hoje, pessoas perdem 40 kg porque não têm acesso à refeição dentro do sistema, ou têm acesso a uma refeição por dia, podre, suja, incomível. Direitos fundamentais significa ter acesso a médicos, remédios, a um conjunto de coisas necessárias para sobreviver.”

Janira asseverou que o movimento não apoia facções criminosas. “Se a pessoa delinquiu, se errou, burlou a lei, foi a julgamento e foi condenada, ela tem que cumprir sua pena. Agora, o que nos separa do comportamento monstruoso que determinados bandidos têm, é a prática civilizatória, é a prática dentro da lei. Essas entidades de familiares de presos estão brigando há anos para que o o sistema prisional dê a dignidade que essas pessoas precisam ter”, pontuou.

“E, infelizmente, o governo que temos hoje tem que sair dessa defensiva e entender que o correto é não se somar àqueles que transformam as pessoas em bandidos antes do trânsito em julgado”, disse Janira.

Ela ainda criticou a portaria que o Ministério da Justiça lançou com novos critérios para receber pessoas. “Será que agora as pessoas do MST, que criminalizadas no campo, serão recebidas? Porque não apenas os familiares de presos: quem luta neste país é criminalizado”, finalizou.

Assista a entrevista abaixo:

Redação

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