Gilmar, a mosca azul do líder da oposição, por Roberto Amaral

Enviado por José Carlos Lima Spin

Da Carta Maior

A oposição está muito bem representada por um ministro que com a proteção da toga faz do STF seu próprio palanque politico.
Roberto Amaral
Ao sentar-se em cima do processo e impedir conclusão do julgamento quando a decisão era conhecida, Gilmar Mendes conspirava contra os esforços do TSE e do STF de zelar pela ética na política

Finalmente, teve fim a chicana imposta ao Supremo Tribunal Federal pelo líder da oposição naquela Corte, o ministro Gilmar Mendes.

Relembro.

Com o recurso do ‘pedido de vista’, o inefável ministro reteve por nada menos que um ano e cinco meses (posto que desde 2 de abril de 2014) os autos do julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) interposta pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil-OAB contra dispositivos da legislação eleitoral ordinária permissivos do financiamento empresarial das eleições.
Mas não se tratava, este, de um ‘pedido de vista’ qualquer. Se era e é injustificável o tempo durante o qual o julgamento ficou sobrestado, mais inexplicável é o fato de ser apresentado quando o julgamento estava objetivamente concluído, a saber, quando, em colégio de onze ministros, a votação da ADI contava 6 a 1 (seis votos a favor da decretação da inconstitucionalidade do financiamento privado da política), ou seja, quando já estava definida a causa.

Por que então o pedido de vista?

Explique-se o ministro, e explique porque reteve por um ano e cinco meses o processo em seu gabinete, impedindo, assim, a proclamação do direito.

Ao sentar-se em cima do processo e assim – de forma autoritária e desrespeitosa (e também covarde, porque deixa sem ação o pensamento oponente) – impedir a conclusão do julgamento quando a decisão era conhecida, ou seja, mais precisamente impedir a proclamação do resultado, o ministro inefável conspirava contra os esforços do TSE e do próprio STF de zelar pela ética na política, pois, reconheça-se, os dois tribunais superiores de há muito tentam – e vêm tentando mesmo o Legislativo – senão impedir, pelo menos reduzir a perniciosa participação do poder econômico no processo eleitoral, fonte de grande parte das misérias que hoje atacam a combalida democracia representativa brasileira.

Explica-se a manobra simples e rasteira do ministro. Com o pedido de vista, o líder oposicionista: 1) deixava a matéria indefinidamente ‘sub judice’ e 2), dava tempo ao baixo clero do Congresso para tentar aprovar emenda à Constituição (defendida ainda agora pelo conhecido deputado Eduardo Cunha) de sorte a amparar o império do poder econômico sobre o processo eleitoral brasileiro.

Tudo isso, deixando o país e sua dignidade sem recurso.

‘Pedir vistas’ significa sustar o julgamento para que o juiz ainda sem convicção firmada sobre o feito disponha de mais tempo, um tempo razoável não definido em norma específica, para estudar a causa e pronunciar seu voto. Não se condena esse instrumento. Ocorre que, sem qualquer limite de tempo, a medida pode transformar-se em instrumento de prevaricação (não se diz que seja o caso vertente), como tem ocorrido, aliás e consabidamente, com a concessão abusiva de liminares nos juízos de primeira instância.

Separemos as duas hipóteses. Uma é aquela da tese, a eventualidade de um juiz pedir vistas de um processo em apreciação para assim melhor poder conhecê-lo e assim melhor decidir. Outra é a alternativa de que tratamos, ou seja, quando o pedido de vista tem escandaloso propósito protelatório (quando o processo deve perseguir a celeridade), e quando o pronunciamento do Tribunal (isto é, a decisão da causa) já é conhecido, sem possibilidade de reversão, no momento do pedido.

Perguntar-se-á, pergunta a OAB, pergunta a sociedade, por quanto tempo pode o juiz sentar-se sobre a causa, amparado no instituto do pedido de vista, impedindo um julgamento? E qual a justificativa jurídica e ética para um pedido de vista em julgamento já definido, o caso de que tratamos, quando era e é evidente que o móvel é simplesmente impedir que o direito se realize? Em benefício de quem? Da Justiça não pode ser.

De fato, o tempo do inefável ministro no julgamento dessa ação era o necessário para que o presidente da Câmara dos Deputados, de quem o ministro se fez aliado fático, manobrasse, com o autoritarismo peculiar e o recurso a chicanas regimentais, para, numa reforma política que não passa de uma contrarreforma, aprovar o financiamento empresarial de campanha, de candidatos e de partidos. A saber, o financiamento corruptor de legisladores e governantes, fonte de escândalos políticos que transitaram das páginas nobres dos jornais para a seção policial.

Só assim e só então, ou seja, depois de vencida a matéria na Câmara dos Deputados, com a aprovação, no dia 9 de setembro, do Projeto de Lei legalizador da corrupção (PL nº 5.735-F), é que o inefável ministro, no dia seguinte, anunciou seu voto vencido, liberando o pleno do STF para concluir a votação interrompida desde 2 de abril de 2014, como vimos.

O dispositivo aguarda o veto presidencial.

Na sessão do STF do dia 17, o ministro Mendes leva ao Tribunal o seu voto conhecido e antecipadamente vencido, prolatado, porém, mediante exaustivo discurso de cinco horas, algaravia que pôs em xeque a paciência civilizada de seus ouvintes compulsórios.

Tratava-se, como de hábito, de voto sem substância, cheio de remoques, pleno de recalques, idiossincrasias e partidarismo primário. E assim, e só assim, passados um ano e cinco meses, a Suprema Corte pôde retomar o julgamento intempestiva e injustificadamente interrompido, para, como esperado, decretar (8 votos a 3) a inconstitucionalidade do financiamento de campanhas eleitorais por empresas.

Mas o ministro, boquirroto e sempre em palanque, depois de ofender a Justiça com seus 565 dias sentado em cima de um julgamento de alto interesse político para o país e seu futuro, ofende a inteligência de quantos tiveram de ouvi-lo, ao afirmar em alto e bom som, com direito aos bordões de praxe – e, acredite o leitor, sem corar ou tremer a voz – que a proibição do imoral financiamento empresarial das campanhas eleitorais era tão-só uma tentativa do PT de sufocar a oposição, oposição que, acrescento, no Supremo, está, pelo ministro Mendes, muito melhor representada do que no Senado por Aécio Neves.

E ainda mais, diz o ministro em seu lamentável comício que o Conselho Federal da Ordem os Advogados do Brasil – a quem tanto deve a democracia brasileira – entrava na história pura e simplesmente como serviçal de manobra do PT. O voto está gravado e pode ser lido e ouvido, e ficará guardado nos Anais do STF.

O que dirão STF de hoje os leitores do futuro!

Eis como o ministro Mendes ofende o direito, a Constituição Federal e a OAB, no resumo trazido pela FSP, edição desse dia 17 de setembro:

“Segundo Mendes, o PT manobrou a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), autora da ação que questiona a legalidade das doações privadas, interessado em impedir a alternância de poder no país. Com fortes ataques ao PT, o ministro sugeriu que o partido é contra as doações de empresas porque foi mentor do esquema de corrupção da Petrobras, beneficiando-se dos desvios na estatal e, com isso, teria dinheiro para financiar campanhas até 2038”.

Em qual país do mundo essa diatribe pode ser aceita como argumento constitucional, e é admissível na boca de um ministro de sua mais alta Corte? Isso é tudo menos raciocínio jurídico, e ainda menos linguajar digno de um Tribunal superior.

Pronunciado sob a proteção da toga mal vestida é – verdadeiro discurso de ponta de rua – absurdamente incompatível com o decoro que a sociedade deve esperar de um ministro do Supremo. De fato, o ministro não está votando, pois seu discurso procura outras plagas, na tentativa de oferecer-se como alternativa eleitoral à direita em 2018. Com a proteção da toga que lhe queima as costas faz do STF seu o palanque politico.

O fato de um partido qualquer ser contra as doações privadas não desqualifica esse combate, nem muito menos pode ser apresentado como argumentação jurídica justificadora da manutenção dessas doações. Ademais, sabe o ministro que o fim das doações privadas é reivindicação que envolve vários partidos e a sociedade civil, incluídas a OAB e a CNBB, e envolve mesmo o Poder Judiciário, de que é eloquente testemunho a própria votação da ADI.

O Judiciário precisa cuidar-se. Não deve permitir que à sua inércia judicante – que tantos e irrecuperáveis danos causa diariamente ao país e ao nosso povo – se some procedimento desse jaez, que nada fica a dever à elegância parlamentar da Câmara Municipal de Duque de Caxias.

Posta de lado qualquer apreciação ética relativamente ao comportamento do inefável Mendes, é de serra acima que a sociedade, via STF, não disponha de condições de evitar manipulação processual tão condenável.

No caso, tratava-se de pleito acerca de questão eminentemente política, e, por isso mesmo, aparentemente livre de qualquer suspeita de envolvimento econômico. Mas, em outras hipóteses, e são quase todas, envolvendo interesses patrimoniais, poderia o STF aguardar por mais de um ano – sem razão de mérito – por mera manobra processual a que podem recorrer as partes por seus advogados, a protelação de um julgamento de desfecho já conhecido, com o objetivo puro e simples de evitar a eficácia da sentença inevitável?

Esta, a questão: se o resultado fosse uma condenação pecuniária de que resultasse um pagamento de importância vultosa, quanto teria lucrado a parte vencida, beneficiada por quase dois anos sem o peso da condenação certa mas adiada?

Lamentavelmente, a grave crise política em que estamos envolvidos, de par com a crise de legitimidade do Legislativo, uma agravante no quadro geral, impede uma discussão séria sobre a reforma do Estado, e nela, do Poder Judiciário, e nele do Supremo, que não pode permanecer como poder monárquico, protegidos seus ministro pelo privilégio antirrepublicano da vitaliciedade, sujeitos seus membros a processos de responsabilidade. O Poder Judiciário, em todas as suas instâncias, precisa, como os demais poderes, de ser objeto de fiscalização externa, ofício que não pode ser exercido por órgão corporativo.

Evandro Lins e Silva, advogado de um tempo em que se exigia dos ministros dos tribunais superiores mais do que se cobra hoje, em termos de formação jurídica, postura política e decoro, profligava – ele que fôra ministro dos mais eminentes –, o que chamava de ‘promiscuidade de Brasília’, o trânsito fácil entre partes e julgadores, o convívio nos jantares da capital, retirando do juiz aquele distanciamento que emprestava ainda mais dignidade ao ofício excelso.

Aos jovens estudantes e jovens advogados, e aos futuros juízes, é preciso dizer que nem sempre foi como é hoje. No Supremo já fulguraram as mais altas expressões do direito brasileiro e figuras moralmente ilibadas – no passado recente lembremos, além de Evandro, Nelson Hungria, Orozimbo Nonato e Vitor Nunes Leal – e lá já se destacou a bravura de estadistas como Adauto Lúcio Cardoso, Ribeiro da Costa e Gonçalves de Oliveira.

Esses nomes, desconhecidos hoje dos jovens advogados, precisam ser lembrados, mas de per si, longe de comparações contemporâneas, para que não se apequene ainda mais a nossa mais alta Corte.
Redação

Redação

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  • "Por que então o pedido de

    "Por que então o pedido de vista?":

    Pelo prazer da chicana.  E gilmar mentes nao deixou duvida em seu chilique rococoh de "voto" que ate mesmo o "vista" do "pedido de vista" tinha sido mentira pois nao usou UM unico argumento tirado dos autos.  Pelo contrario, ele fez um "discurso" chiliquento e rococoh que nao tinha nada a ver com o assunto em pauta.  Porque nao tinha "visto" nada.

    Portanto, foi pelo prazer da chicana mesmo.

  • O que o PT e a OAB tem que fazer é começar a processá-lo...

    O que o PT e a OAB tem que fazer é começar a processá-lo. Ele se sente no direito de agredir e sair atirando para todos os lados como uma metralhadora giratória porque ninguém faz nada. Assim -  quem sabe? -  ele começa a se portar como gente.

    Talvez ele não tenha notado, mas os seus showzinhos tem isolado-o no STF. Só um ministro cultiva alguma admiração pelo Gilmar Mendes, no caso o Dias Toffoli.

  • Mas existe um tempo para as vistas

    Segundo já li seria de algumas poucas sessões (3, salvo engano). Mas não existe nenhuma penalidade para o tempo excedido.

    O que eu gostaria de saber mesmo é por que o Gilmar devolveu o processo somente agora, que tipo de manobra ocorreu nos bastidores que o fez desistir da posição e enfrentar o restante da votação.

  • Só falta "impeachar"

    Gilmar está apanhando mais do que cachorro louco, e merecidamente. Só está a faltar o impeachment.

  • GM tá tirando essa onda pq

    GM tá tirando essa onda pq está na Corte representando os interesses dod grupos de comunicação. Sem a grana das empresas de onde virão os milhões para a veiculação dos programas no horário obrigatório " gratuito"? O explode as campanhas é a TV;  Aliás é o que detona o país...

     

  • O LADO POSITIVO DISSO TUDO,É

    O LADO POSITIVO DISSO TUDO,É QUE TODOS

    MOSTRARAM QUEM SÃO E O POVO TEM TIDO

    ALGUM GRAU DE PERCEPÇÃO DO QUE OCORRE

    MANIPULADOS OU NÃO,"OS RATOS FINALMENTE

    SAIRAM DO BURACO!!!"

  • GM ambiciona assumir liderança da direita na política nacional.

    Ciente de que há um vazio de lideranças de peso na política nacional no intervalo entre a centro-direita e a extrema-direita do espectro político, e que as lideranças da centro-direita e extrema-direita são muito frágeis e pulverizadas, ele ambiciona tornar-se uma opção de liderança unindo todo o intervalo da direita.

    Isto ocorreria caso houvesse um colapso do Governo Federal, ou por incompetência do governo em viabilizar uma nova maioria parlamentar ou por efeito da operação lava-jato atingindo Dilma, Michel Temer, Cunha, Renan Calheiros, Lula, mas, também, parlamentares da oposição como Aécio e Serra.

    Neste cenário apocalíptico, ele se colocaria como uma opção política da direita, nas eleições que terão que ser realizadas, num prazo de 90 dias, pós impedimento de Dilma, credenciando-se como um magistrado que irá conduzir a transição do país até as eleições de 2018.

    Entronizado no cargo, ele dará um jeitinho, como Pinochet, para manter-se na Presidência da República até 2038.

    Os donos do poder econômico no Brasil e os norte-americanos iriam adorar.

    Esses são os pensamentos que giram em velocidade 4G na cabeça do nosso Pinochet de araque.

     

  • O incrivel mundo de Gilmar Mendes

    O artigo de Roberto Amaral acerta em todas as esferas em que se observa o caso Gilmar Mendes em particular e do Judiciario no geral. E lamentavelmente não temos nomes que possam hoje encampar um debate publico, nos amplos setores sociais, muito além do dominio da imprensa, sobre qual Pais queremos ter e quais as reformas que devemos empreender, para que o Brasil passe, definitivamente, de um Pais de mentalidade infantil para um Pais adulto, ciente de ses direitos e, muito importante, de seus deveres.

  • Penso que a comunidade

    Penso que a comunidade juridica deve se precaver com a bandeira levantada por este ministro. Pois, penso que é perigoso, um juiz declinar o seu voto. E Gilmar Dantas Mendes é demotucano. Penso que já caberia um procedimento de impeachmente dele.

  • E..........................

    O que mais espanta, e ele poder sentar em cima do processo por quase dois anos e não haver nenhuma clausula, que impeça.

    Quanto ao artigo, excelente, mas acrescentaria- falar de GM e ética, é colocar a ética em degrau menor !!!! 

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