Andre Motta Araujo
Advogado, foi dirigente do Sindicato Nacional da Indústria Elétrica, presidente da Emplasa-Empresa de Planejamento Urbano do Estado de S. Paulo
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O ativismo imperial do departamento de justiça norte-americano, por Andre Motta Araujo

A Petrobras tecnicamente é um entidade sob controle de um Estado e pode invocar imunidade funcional e não aceitar jurisdição estrangeira

O ativismo imperial do departamento de justiça norte-americano

por Andre Motta Araujo

De todos os setores do lamentável Governo Obama nenhum é mais criticado do que a gestão atual do Departamento de Justiça (DofJ), hoje dominado por cruzadeiros que querem reformar os EUA e o mundo. Infiltrado por cabeças ideológicas fora do “mainstream” clássico da sociedade americana, o DofJ está nos movimentos anti-conservadores com raiva do mundo, do capitalismo, da sociedade tradicional. São aquilo que os americanos chamam de “liberais”, gente que não gosta dos EUA tal qual ele funciona e querem reformá-lo de qualquer maneira e no processo também reformar o mundo, desconhecendo fronteiras e diferenças culturas.

Um novo Presidente Republicano vai virar de alto a baixo o DofJ, mas o que hoje interessa ao Brasil é a ousadia do Departamento de Justiça dos Estados Unidos de estender sua jurisdição do Foreing Corrupt Practices Act (FCPA) para todo o planeta.

Essa lei de 1973 foi criada em função de um rol de casos de propinas pagas pela fabricante de aviões militares Lockheed, que chegaram em três anos a 673 milhões de dólares, basicamente, na Arabia Saudita. Mas os casos que viraram escândalo foram na Alemanha e na Holanda. Na primeira, foi subornado o Ministro da Defesa Franz Strauss, e na última o Principe Bernhard, marido da Rainha.

O alvo da FCPA são empresas americanas ou com base nos EUA que pagam suborno no exterior. A pretensão de processar a Petrobras é absurda porque o caso não se enquadra na letra e no espírito da FCPA. A Petrobras não é pagadora de propina no exterior, ela foi usada por um grupo de executivos e fornecedores para gerarem situações de propina, mas a pessoa jurídica não pagou propina, outros pagaram propina a alguns de seus executivos.

Além de processar a Petrobras o DofJ pretende também processar todas as empreiteiras brasileiras envolvidas na Lava Jato, mesmo aquelas que não tem negócios ou ações nos EUA, violando a própria letra da FCPA que diz que serão réus empresas que tenham ou sede ou seu centro principal de negócios nos EUA, o que não deveria atingir empreiteiras brasileiras, a maioria das quais só têm negócios no Brasil.

Mas o pior é o DofJ pretender estender a jurisdição americana a uma empresa estatal estrangeira por delitos que ela não cometeu e sua matriz está sob jurisdição das leis brasileiras e não americanas. Os advogados do “sistema” brasileiros, que tem ligações com os EUA, acham normal. Já os advogados americanos acham justíssimo o que é uma aberração.

A Petrobras tecnicamente é um entidade sob controle de um Estado e pode invocar imunidade funcional e não aceitar jurisdição estrangeira. Estados não são negócios privados, tem outra armadura, assim como oficiais de um Estado não são pessoas comuns em matéria de jurisdição.

Em Novembro de 2007 um comité de direitos humanos pretendeu processar na França o Secretario da Defesa dos EUA Donald Rumsfeld por crimes praticados no Iraque. A Corte francesa não aceitou o processo alegando que um Ministro estrangeiro tem imunidade processual fora de seu país.

Uma agência do governo dos EUA, a National Intelligence Agency praticou espionagem contra chefes de estado estrangeiros em tempos de paz, inclusive do Brasil. Nenhum Estado tentou processar essa agência, que sendo um ente estatal, goza de imunidade funcional mas é evidente que praticou delitos e poderia ser processada.

Os EUA são absolutamente refratários a jurisdição estrangeira contra seus cidadãos, empresas e entes estatais, mas tem a pretensão de impor sua jurisdição no caso reverso. É uma doutrina interessante e sem base logica.

O problema agora é que os advogados da Petrobras no DofJ, o escritório Clearly, Gottlieb, um dos maiores dos EUA, trabalham dentro do sistema, eles nunca irão contestar a legitimidade do processo. O máximo que irão conseguir é uma redução da multa por negociação, enquanto isso faturam seus honorários, que não serão menos de 40 milhões de dólares.

Já o caso da SEC-Securities and Exchange Commission é diferente. Nesse caso a Petrobras, ao listar suas ações na Bolsa de Nova York, assinou um termo onde aceita a legislação americana sobre mercado de capitais. Portanto, agora a Petrobras terá que se defender juridicamente porque a jurisdição está correta.

A questão das leis americanas, que eles pretendem ser extraterritoriais é controvérsia antiga. O principio é a superioridade moral, os EUA que se julgam moralmente superiores a determinados países e, por isso, acreditam que suas leis devem prevalecer internacionalmente, descartando soberanias. Isso acontece desde a Guerra contra a Espanha em 1898.

A mais indecente demonstração deste princípio é a prisão sem processo de cidadãos estrangeiros na base de Guantanamo, uma violação dos mais elementares pontos estabelecidos na Declaração Universal de Direitos Humanos dos quais os EUA são signtários. A base ideologica do direito americano é a superioridade moral sobre povos corruptos, mas a aplicação desse principio é bem seletiva. Aceitam sem qualquer restrição situações de deboche legal completo em reinos do Oriente Medio, em países sem muita devoção a sistemas legais organizados como os do sudoeste asiatico, lá o DofJ nem aparece.

Mas na America Latina é diferente, até porque neste continente são apoiados de dentro dos países por seus parceiros internos que os há às pencas.

Na foto acima Leslie Caldwell, procuradora chefe da Divisão Criminal do DofJ, onde está o processo contra a Petrobras.

Andre Motta Araujo

Advogado, foi dirigente do Sindicato Nacional da Indústria Elétrica, presidente da Emplasa-Empresa de Planejamento Urbano do Estado de S. Paulo

7 Comentários

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  1. Os últimos governos dos EUA utilizaram seu Departamento de Justiça não só como arma de defesa de suas empresas e de seus mercados mas de ataque contra as enpresas concorrentes de outros países. Trata-se de uma mescla de Guerra Comercial e Corporativa associada às estratégias geopolíticas de seu complexo industrial militar. Não é só o caso da Petrobras e do Brasil, ou da PDVSA Venezuelans. Veja o caso da França com sua toda poderosa Alstom, ou da China com sua Haweii. Essa estratégia foi se consolidando a partir do momento que os falcões americanos foram se dando conta que seu projeto de globalização dos anos 90 tinha produzido outro vencedor inesperado, a China. Acontecerá com os EUA o que passou com a Grã Bretanha na virada do seculo XIV para o XX. Certamente o processo não será igual mas o resultado será uma nova nação Imperial. Parece impossível, né? mas lembram do que se dizia sobre o domínio Inglês?

  2. André Araújo,

    Esse mesmo sistema foi usado para a GE comprar a Alston Energia, comprometendo a soberania francesa sobre a energia nuclear, incluindo peças de reposição para o Porta aviões Charles de Gaulle.

    O DoJ prendeu 4 executivos da Alston enquanto a GE chantageou o CEO da Alston a vender em troca da liberdade e uma aposentadoria com para-quedas dourado.

    A Europa também luta inutilmente contra as garras americanas. Por isso o UK quer fugir da UE e sua burocracia paralisante.

  3. Engraçado é que as empresas americanas tem lei que permite o pagamento de propinas a políticos.

    Totalmente legalizado pra justamente os políticos americanos beneficiar as multinacionais Estadunidense em todo o mundo, seja corrompendo políticos ou através de golpes e guerras

  4. “A Petrobras tecnicamente é um entidade sob controle de um Estado e pode invocar imunidade funcional e não aceitar jurisdição estrangeira”

    Não existe a Petrobras, existe gente que compõe essa empresa, como diretor ou como trabalhador. Trabalhadores não apitam nada exceto se unidos. E os atuais diretores acreditam que o certo é ceder ao imperialismo, por razões pessoais, perspectiva de se dar bem ou pelo menos livrar a própria cara, nunca pensando sinceramente em coletividades como país ou empresa. Assim nenhum dos atuais diretores da Petrobras, que é quem realmente poderia provocar o Ministério da Justiça – Sérgio Moro, lembra? – e a diplomacia do Brasil – sabe quem? – para invocar imunidade funcional, não o farão.

    Mas não se pode culpá-los, são frutos da campanha publicitária comercial e ideológica dos EUA, que soube tripudiar sobre a falha, o aleijão moral que temos, brasileiros, que nos leva a depreciar o que é nosso. São pessoas que não tiveram opção, desde pequenas, exceto deixarem-se virarem cucas-mongas apátridas e submissos, meros capitães-do-mato de estrangeiros.

  5. “A Petrobras tecnicamente é um entidade sob controle de um Estado e pode invocar imunidade funcional e não aceitar jurisdição estrangeira”

    Não existe a Petrobras, existe gente que compõe essa empresa, como diretor ou como trabalhador. Trabalhadores não apitam nada exceto se unidos. E os atuais diretores acreditam que o certo é ceder ao imperialismo, por razões pessoais, perspectiva de se dar bem ou pelo menos livrar a própria cara, nunca pensando sinceramente em coletividades como país ou empresa. Assim nenhum dos atuais diretores da Petrobras, que é quem realmente poderia provocar o Ministério da Justiça – Sérgio Moro, lembra? – e a diplomacia do Brasil – sabe quem? – para invocar imunidade funcional, não o farão.

    Mas não se pode culpá-los, são frutos da campanha publicitária comercial e ideológica dos EUA, que soube tripudiar sobre a falha, o aleijão moral que temos, brasileiros, que nos leva a depreciar o que é nosso. São pessoas que não tiveram opção, desde pequenas, exceto deixarem-se virarem cucas-mongas apátridas e submissos, meros capitães-do-mato de estrangeiros.

    Enfim a responsabilidade não é das pessoas que compõem o ministério estadunidense da Justiça, o tal departamento, mas sim dos cucas-mongas locais que dirigem a Petrobras e muitas outras empresas.

  6. Não é de hoje que os gringos defendem a tese de que sua legislação opera efeitos extraterritoriais para alcançar disputas fora dos EUA.

    No início da década de 1990, por ocasião da guerra das patentes, os gringos vieram com essa conversa. Em seu depoimento sobre aquele conflito diplomático entre o Brasil e os EUA, o diplomata Paulo Tarso Flexa de Lima, afirmou que:

    “Foi um dos bons casos de contencioso porque ensejou esse panel no GATT. O Brasil teve um ato de coragem de questionar a abrangência do trade bill americano. Foi na época, inclusive, que começaram aquelas interpretações exdruxulas do Willian Barr, que agora á attorney general, de que a legislação americana tinha irradiações extraterritoriais para permitir alcançar o seu eventual infrator fora da jurisdição estritamente territorial dos EUA.” (A Guerra das Patentes, Maria Helena Tachinardi, Paz e Terra, São Paulo, 1993, p. 229)

    Naquela oportunidade o Brasil rejeitou essa interpretação. A jurisdição é uma função da soberania. Ela não pode ser exercida em outro território. É uma afronta que um Estado queira tentar impor suas decisões jurídicas dentro de outro, sem respeitar os limites territoriais de sua própria jurisdição.

    Todavia, foi justamente aquela tese esdruxula que prevaleceu no caso da Petrobras. E isso ocorreu com a conivência das autoridades brasileiras.

    Que os gringos queiram impor seus interesses e/ou decisões em todos os lugares o tempo todo não chega a ser novidade. Todos os impérios foram seduzidos pelo exercício de um poder extraterritorial.

    O problema no caso brasileiro foi a facilidade com que o Lavajatismo submeteu o país ao império da legislação norte-americana, a ponto de Sérgio Moro a invocar numa decisão (coisa que não lhe competia fazer e que deveria resultar na nulidade da decisão e na punição do juiz).

    Ao declinar de sua soberania, nosso país abriu as portas para a colonização que está em marcha. Agora somente a ocorrência de um fato muito excepcional será capaz de fazer o Brasil voltar a ser dos brasileiros.

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