O conceito de autoritarismo

Por Jns

O HOMEM CORDIAL

“Cada individuo afirma-se ante os seus semelhantes indiferente à lei geral, onde esta lei contrarie suas afinidades emotivas e, atento ao que o distingue dos demais, do resto do mundo”.
Raízes do Brasil / Sergio Buarque de Holanda

Dialética do Autoritarismo Burocrático
Jean Pierre Chauvin (*)

Em nosso país, o mandonismo tanto gerou o coronel latifundiário quanto o chefe espaçoso e autoritário das corporações: este, um fã (quase nunca confesso) do poderio que manipula e veicula, com o amparo de sua própria voz – proclamada invariavelmente nas alturas – e sempre com o respaldo do emaranhado pseudo-legal em que baseia a maior parte de suas arbitrariedades e contradições.
[…]

Historicamente, afirma-se que o autoritarismo é um termo algo recente. O conceito implicava, no início do século XX, a estreita vinculação de alguns líderes e seus asseclas a regimes francamente totalitários, que primavam por manter o poder pelo exercício da dominação em todos os níveis e esferas, ao alcance do ser “superior”.

De fato, se levarmos em conta as contribuições de Sigmund Freud e dos pensadores da Escola de Frankfurt – Theodor Adorno e Herbert Marcuse, em especial – depararemos com três características fundamentais do ser autoritário: 1) narcisismo/megalomania (pessoa); 2) caráter falacioso (discurso); 3) indistinção entre as esferas pública e privada (atuação).

O mito de Narciso (figura mitológica em que o amor-próprio é maior que o amor dos/pelos outros), na leitura de Freud, implica a recusa por parte do indivíduo em seu amadurecimento. O seu “Eu-ideal” é internalizado e não se transfere ao “ideal objetal” – processo comum nos adultos. Absolutamente subjugado à aparência exterior, que julga transmitir aos demais, o indivíduo narcisista vivencia uma forte contradição inerente à sua personalidade: “O desenvolvimento do Eu consiste em um processo de distanciamento do narcisismo primário e produz um intenso anseio de recuperá-lo. Esse distanciamento ocorre por meio de um deslocamento da libido em direção a um ideal-de-Eu que foi imposto a partir de fora, e a satisfação é obtida agora pela realização desse ideal.”

O narcisista, portanto, combina “delírio de grandeza”, bem como o “desligamento de seu interesse pelo mundo exterior (pessoas e coisas)”. No universo corporativo-burocrático, é muito comum encontrarmos figuras exemplares da personalidade autoritária-narcisista.

Ela se manifesta em reuniões com determinado coletivo, quando – após ter conduzido o encontro durante a absoluta e maior parte do tempo – uma voz dissonante ousa discordar de sua postura ou orientação. Imediatamente, o líder tirânico reafirmará o gosto pelas fórmulas discursivas que exprimem seu poder inabalável, como: “passo-lhe a palavra” ou “entendi sua posição, mas isso é o melhor que posso fazer” etc.

Mas, além de defender sua imagem a todo instante e custo, o indivíduo autoritário revela muito frequentemente o desejo de se auto promover, sempre que a ocasião, por mais inadequada ou mínima, permite.

De modo geral, o ser autoritário faz uso de um discurso que revela, ao mesmo tempo, uma falsa modéstia com trejeito de ensaio performático (“eu não teria feito tudo isso sem contar com a ajuda/o apoio de vocês”) e seu desejo de auto afirmação, muito mal disfarçado (“sem dúvida, esta gestão trouxe bons resultados, como o grupo claramente percebe”).

Sua postura se liga ao âmbito geral, refletindo o elevado pragmatismo do coletivo social em que está inserido. Conforme assinala Theodor Adorno: “Aquilo que dilacera a sociedade de maneira antagônica, o princípio da dominação, é o mesmo que, espiritualizado, atualiza a diferença entre o conceito e aquilo que lhe é submetido. Essa diferença, porém, assume a forma lógica da contradição porque tudo aquilo que não se submete à unidade do princípio de dominação, segundo a medida desse princípio, não aparece como algo diverso que lhe é indiferente, mas como violação da lógica..”

Citações:
FREUD, S. À guisa de introdução ao narcisismo. In: Escritos sobre a psicologia do inconsciente. Tradução: Luiz Alberto Hanns. Rio de Janeiro: Ed. Imago, 2004.
ADORNO, T. W.Dialética negativa. Tradução: Marco Antonio Casanova. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2009.

(*) da União Brasileira de Escritores

 

Luis Nassif

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