O Ministério Público em 1964

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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Enviado por Huck Finn

Revista Consultor Jurídico, 19 de janeiro de 2005

Os arquivos da ditadura guardam segredos incômodos para o MP

Por José Saulo Pereira Ramos

Neste abre ou não abre os arquivos do governo militar, as entrevistas dos governantes atuais advertindo que os perseguidos, isto é, as vítimas, serão mais comprometidas do que os perseguidores, esquerdistas dedos-duros, a decisão de um tribunal convocando reunião de ministros e comandantes militares para indicarem onde estão os corpos de guerrilheiros assassinados pelo batalhão Heróis do Jenipapo, pessoas pedindo transparência, militares achando que começou o revanchismo, a Lei da Anistia foi para os dois lados, gente pedindo paz, deixa disso, já passou, somos irmãos -em toda essa fervura ninguém toca, ninguém fala, ninguém diz nem uma palavra sobre o que de mais terrível tivemos naqueles anos de chumbo, segundo a definição de um historiador: o Ministério Público.

Quietinho, hoje mais ou menos herói nacional, sem jenipapo, com reais serviços prestados à sociedade e à lei, o Ministério Público não deve desejar que remexam no passado, porque, mais que os militares, seus membros, em grande parte, foram na época inquisidores fanáticos, arbitrários, subservientes, submissos à ditadura, terríveis.

Os militares abriam o IPM (Inquérito Policial Militar) e faziam barbaridades sustentadas pelo respaldo jurídico do respectivo Ministério Público. Depois, as peças do IPM eram remetidas à Justiça Comum (quando acabaram as auditorias de guerra) e caíam na mão do Ministério Público estadual, devidamente orientado e instruído pelo militar da área. Denúncias por ter assistido a filme da Checoslováquia, por ter lido um livro de conotações esquerdistas, por ser amigo de um primo de um sujeito que era parente de um comunista.

Criaram a doutrina do medo, que até hoje existe de certa forma: ameaçavam os juízes com cassação sem aposentadoria. Atualmente não existe mais a cassação, mas os juízes, por tradição, conservaram o medo. Sobretudo os federais. Sempre ressalvadas as honrosas exceções.

No caso do assassinato de Vladimir Herzog, nas masmorras do Doi-Codi, o Ministério Público sustentou a tese do suicídio com o maior cinismo. E fez mais: quando foi datilografada a sentença na ação proposta pela viúva, sra. Clarice Herzog, o Ministério Publico requereu mandado de segurança contra o juiz para impedi-lo de ler a sentença no dia marcado. No Tribunal Federal de Recursos, um ministro deu a liminar e me contou, depois, “ou a liminar ou a cassação”. A liminar foi mantida até a aposentadoria do juiz, um mês depois. O procurador da República envolvido ficou uma fera, porque o juiz substituto prolatou a sentença em favor de dona Clarice. Não teve medo nenhum.

No caso da Panair, o Ministério Público executou a intervenção decretada pelos militares e acabou com a companhia. Praticou todas as ilegalidades possíveis. Quando era muito acintoso o ato contrário à lei vigente, providenciava para que fosse feita outra e os militares baixavam decreto-lei atendendo ao pedido do fiscal da ordem jurídica.

Quando a Panair, em processo de falência, demonstrou que seus ativos eram maiores que o passivo, requereu concordata suspensiva para evitar a dilapidação de seu patrimônio entregue ao Ministério Público. A pedido da nobre instituição, o governo baixou o decreto-lei nº 669, de 3 de julho de 1969, dispondo que “não podem impetrar concordata as empresas que, pelos seus atos constitutivos, tenham por objeto, exclusivamente ou não, a exploração de serviços aéreos de qualquer natureza ou infra-estrutura aeronáutica”. Na medida exata.

Felizmente a nova geração do Ministério Público, tanto do federal, como dos estaduais, melhorou muito, aprendeu um pouco de democracia, acabou entendendo o que é Estado de Direito, tem se conduzido com austeridade no combate ao crime. Mas ainda cai em tentação política quando abusa de suas competências em ações civis públicas, e alguns — poucos, é verdade — servem a interesses que nada têm que ver com a defesa da lei. O arquivamento dos casos de abusos de policiais militares, noticiado pela Folha, faz, de certa forma, lembrar os velhos tempos. Pode ser que sim, pode ser que não.

Mas, se abrirem os arquivos da ditadura, a surpresa maior, para os historiadores e famílias das vítimas, será a atuação dos procuradores da República e dos promotores públicos.

Os militares, sobretudo os antigos e velhos, são aquilo que nós conhecemos. Gostavam de golpe legal, chamavam juristas para fundamentar seus atos de arbítrio, acreditavam piamente estar defendendo a pátria contra os comunistas e subversivos, que era ético matar a liberdade em nome da segurança contra a ameaça soviética, tinham a cabeça feita pelos Estados Unidos e queriam que tudo fosse praticado dentro da lei, inclusive a tortura e as mortes, embora não tivéssemos lei que as autorizasse.

O Ministério Público interpretava a lei de acordo com esse desejo, para que a consciência da ditadura dormisse em paz. Se abrirem os arquivos, todos vão ter surpresas, menos nós, os velhos advogados.

José Saulo Pereira Ramos é advogado e foi consultor-geral da República e ministro da Justiça (governo Sarney)

Revista Consultor Jurídico, 19 de janeiro de 2005

 

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

7 Comentários

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  1. pior disso
    a

    pior disso

    a perpetuacao,,,

    novos ingressos sao com ” varias fases”, sendo so a 1º objetiva, demais é avaliacao de uma banca dos antigos, destes dito no artigo, logo,,,,,

  2. DOI-CODI da Democracia
    O MP é extremamente seletivo nas investigações de figuras políticas; não defende os pobres da opressão dos agentes de segurança (polícia militar) que ostentam o título de matadores em séirie; protagonizou a AP-470 e seus abusos; aparelha o governo de SP (o resto não tenho informação); engavetou o caso Siemens/Alston etc.. Exatamente por estes fatos e outros, que no conversa afiada de PHA, o MP ganhou o singelo apelido de Doi-Codi da democracia.

  3. Saulo Ramos não é o único que

    Saulo Ramos não é o único que sabe de tudo que aconteceu neste período, outros também sabem, mas a covardia impede que suas vozes sejam pronunciadas…

  4. E a mídia “estuprou” a

    E a mídia “estuprou” a consciência dos jovens nas passeatas do ano passado pela PEC 37!

    É um jogo de xadrez que está sendo jogado há muito tempo e agora está agudizando!

    Basta ver como o tema já DOMINA OS BLOGS sujos.

    Nesse momento quanto mais claro forem as matérias, elucidadoras, melhor será, ainda que comentários venham por parte de quem trabalha para a crise!

  5. Sem contar que pelo Brasil

    Sem contar que pelo Brasil todo os ditos promotores viraram professores de OSPB (sim, do Brasil belo e glorioso: ou cadeia ou castigo). Fui um dos que tive de aguentar a conserva fiada de um promotor que, quando foi transferido, deixou dívidas pra todos os lados da cidade. Belo exemplo de civilidade.

  6. Lembre-se que os concursos

    Lembre-se que os concursos para ingresso no MP e magistratura eram de mentirinha. Eram selecionados os filhos e amigos dos mesmos. Era porteira fechada e ninguém que não fosse recomendado passaria. Só nos últimos – e ponha último nisso – tempos é que isso mudou. Parece-me que o MP paulista, pela maneira que ele age, é MUITO dependente do Executivo Estadual. Não sei como é feita a seleção por lá. Deve ser ainda como antes, por indicação.

  7. “Felizmente a nova geração do

    “Felizmente a nova geração do Ministério Público, tanto do federal, como dos estaduais, melhorou muito, aprendeu um pouco de democracia, acabou entendendo o que é Estado de Direito, tem se conduzido com austeridade no combate ao crime. Mas ainda cai em tentação política quando abusa de suas competências em ações civis públicas, e alguns — poucos, é verdade — servem a interesses que nada têm que ver com a defesa da lei. O arquivamento dos casos de abusos de policiais militares, noticiado pela Folha, faz, de certa forma, lembrar os velhos tempos. Pode ser que sim, pode ser que não.”

     

    Fatalmente, este parágrafo, soa vencido ou inverídico!

     

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