Políticos não resolvem crise carcerária porque assim ganham eleições

Cintia Alves
Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.
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Jornal GGN – Para o professor da USP Conrado Hübner Mendes, a única explicação para políticos ignorarem os dados e estudos que apontam soluções para o caos penitenciário é o fato de eles ganharem eleições explorando o sentimento de insegurança da sociedade. “A barbárie prisional é um projeto político rentável. À medida que mais mata e causa pânico, mais dá votos e elege políticos da estirpe dos que hoje conduzem a crise”, disparou Mendes, em entrevista ao Conjur.

Por Marcelo Galli

No Conjur

Barbárie prisional é projeto político rentável, diz professor da USP

A barbárie prisional, cujo exemplo mais claro são chacinas como as ocorridas em presídios no Norte do país recentemente e que provocaram a morte de mais de 90 detentos nos primeiros dias deste ano, é um projeto político rentável, avalia Conrado Hübner Mendes, professor da Universidade de São Paulo. Para ele, a violação de direitos dos presos e problemas como as péssimas condições dos estabelecimentos, a superlotação e o encarceramento em massa não são resolvidos pelos governantes porque podem ser capitalizados para ganhar confiança do eleitorado e conseguir mais votos nas urnas.

“A barbárie prisional é um projeto político rentável. À medida que mais mata e causa pânico, mais dá votos e elege políticos da estirpe dos que hoje conduzem a crise. Estamos presos nesse círculo vicioso há décadas. É por isso que os representantes políticos permanecem surdos a argumentos, evidências e estudos. É óbvio que não querem solucionar nada, nem aplicar uma política pública que enfrente o problema da violência”, disse à ConJur nesta terça-feira (10/1).

Prova do que Mendes afirma foi o plano de segurança que o governo Michel Temer anunciou dias após o massacre que aconteceu no Amazonas e em Roraima. O ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, disse que o objetivo do plano será reduzir o número de homicídios dolosos (com intenção) e feminicídios (crime de ódio contra mulheres), combater o tráfico de drogas e armas e modernizar os presídios.

Moraes ainda anunciou a liberação do dinheiro do Fundo Penitenciário (Funpen) para que os estados construam mais presídios. Segundo o ministro, esse dinheiro vai resultar na criação de “aproximadamente 25 mil vagas”. Ele também anunciou a construção de um presídio federal em cada estado. Especialistas ouvidos pela ConJur criticaram as medidas que serão adotadas pelo governo. Afirmam que, além de o plano não trazer novidades, não traz nenhuma medida efetiva para o sistema prisional brasileiro.

Mendes classificou o plano de Temer e Moraes de “capenga” e cheio de “generalidades inócuas”. “Temos um presidente cuja primeira manifestação é a proposta de construir mais presídios e um ministro da Justiça que, além de querer mais presídios, quer, ironicamente, retirar recursos do fundo para investimento em presídios para investir em armamentos”, critica o jurista.

Ele ainda aponta a indiferença de Temer ao tema prisional. Diz que o presidente tem uma crise humanitária sob seu nariz e não faz mais do que reproduzir o senso comum “mais vulgar”. “Depois de cometer a exuberante gafe ao dizer que o massacre foi um acidente pavoroso, não teve a dignidade de retratar-se. Seu narcisismo linguístico é tamanho que se preocupou em ir ao Twitter e colocar sinônimos da palavra ‘acidente’. Até numa hora dessas o tom é professoral, emocionalmente vazio, tecnicamente medíocre.”

O Psol já questionou no Supremo Tribunal Federal a medida provisória que permitiu o uso do Funpen em questões de segurança pública alheias ao sistema prisional. De acordo com a MP, agora é possível usar o dinheiro do fundo para atividades de caráter policial, como “políticas de redução da criminalidade” e “inteligência policial”, que não têm ligação com o sistema carcerário. Além disso, a fonte de receita do fundo foi reduzida.

Mendes criticou também o aprofundamento no combate às drogas, a maior causa de superlotação de presídios por “práticas banais criminalizadas”, segundo ele. Conjugada com a ineficiência estatal, tudo indica que as execuções ocorridas na Penitenciária Agrícola Monte Cristo, em Boa Vista, e no Complexo Penitenciário Anísio Jobim, em Manaus, resultaram de conflitos entre as facções rivais que controlam paralelamente os presídios. Mas esses assassinatos em penitenciárias só continuam ocorrendo pela insistência na chamada guerra às drogas, que sobrecarrega o sistema carcerário, fortalece as organizações criminosas e não reduz o uso de entorpecentes, de acordo com especialistas.

Para o professor, o problema de superlotação nos presídios é agravado pela postura de parte do Judiciário, que “quase” desconhece pena que não seja a de prisão, apesar de um repertório bem mais amplo estar previsto na legislação brasileira. Ele afirma que os poucos juízes que procuram cumprir a lei e pluralizar as penas são perseguidos pela própria corporação e pelo Ministério Público. “É um beco sem saída, um ciclo de cinismo que não conseguimos quebrar. Permanecemos sequestrados por autoridades primitivas. No campo prisional e da segurança, a Constituição nunca teve mínima eficácia”, acrescentou.

Cintia Alves

Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.

1 Comentário

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  1. Construir prisão não dá voto

    Como dizia a velha canção da Blitz, todo o mundo quer ir para o céu, mas ninguém quer morrer.

    Construir prisão não dá voto, por isso os políticos não se mexem. Mas no dia que o eleitorado se cansar de vez da violência, vai eleger o primeiro fascistazinho que prometer baixar o pau na bandidagem.

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