Primeiro prende, depois denuncia?, por Paulo Lemos

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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do Justificando

Primeiro prende, depois denuncia?

por Paulo Lemos

Alguns juízes deveriam voltar-se para a literatura, não só jurídica, como de Rui Barbosa, sobre o cárcere, a liberdade e os habeas corpus, e, sim, também à geral, lendo “O Alienista” de Machado de Assis, para refletir mais e melhor sobre a adoção das excepcionais prisões cautelares como regra no interregno da sensível fase inquisitiva da persecução penal, ou seja, da investigação.

Não é segredo para ninguém do ramo do Direito que o artigo 312 do Código de Processo Penal hodiernamente foi deturpado e banalizado, ante a conversão da natureza cautelar das prisões temporárias e preventivas – para garantia da ordem pública e econômica, incolumidade da instrução criminal e assegurar a aplicação da lei penal -, em antecipatória de mérito e instrumento atípico de forjamento de provas, antes mesmo do eventual oferecimento da denúncia e do incerto recebimento dela, tampouco da condenação criminal dos ainda sequer indiciados.

Assim sendo, diferente do que alguns alegam, não se trata de uma releitura do garantismo penal; trata-se da negação dele e da fomentação do direito penal do inimigo e do populismo penal. Nada menos eficiente, efetivo e eficaz do que essa visão estreita e reducionista da realidade. Costuma ser hipócrita ela e ter efeitos colaterais piores do que a “doença tratada”.

Sou favorável à prevenção e ao combate à corrupção, aliás, a grosso modo, todos somos. Só não é quem se beneficia dela. Entretanto, não são raros os casos de pessoas que somente se indignam com os erros dos outros, não com os seus próprios. Como se vivêssemos em um plano híbrido e maniqueísta, físico e metafísico, de anjos e demônios.

Entretanto, a luta contra a corrupção deve se dar de acordo com os parâmetros constitucionais – do devido processo legal, contraditório e ampla defesa -, para não se perder a chance de ver feita justiça ao final. Porquanto, caso contrário, todo o trabalho pode ser fulminado por nulidades irremediáveis.

Os moradores das periferias do Brasil afora, sentem na pele o resultado deletério dessa versão medieval da política criminal repristinada nos dias atuais, mediante invasões domiciliares sem mandados judiciais, revistas vexatórias, tortura, e, não raras vezes, execuções sumárias, por milícias, com a condescendência ou até autoria direta das autoridades que deveriam nos proteger; e o domínio do território, pelo complexo e lucrativo mundo do tráfico de drogas, impulsionado em muito pela política proibicionista que promove por via oblíqua o financiamento do crime organizado.

Temos hoje uma das maiores populações carcerárias do planeta Terra, bem como um crime organizado, dentro e fora de Brasília/DF, de dar inveja as seculares máfias do “Mundo Velho”.

Nunca se prendeu tanto no Brasil, no mesmo compasso em que não se teve índices de criminalidade e corrupção tão alarmantes.

Será esse o caminho? A conta só fecha se admitirmos que a política de segurança pública está errada.

Existem meios mais adequados e eficazes do que o direito penal do inimigo e populismo penal, a exemplo do uso da inteligência e da criação de redes e sistemas para evitar a malversação dos recursos públicos ou reaver àqueles que supostamente foram desviados, ao revés do excesso de força para fazer espetáculo e saciar os instintos mais primitivos do ser humano, sem resultados satisfatórios de médio e longo prazo.

Outro problema grave aferido no festival contemporâneo de prisões e conduções coercitivas é o tratamento diferenciado dado para determinados grupos políticos, sendo ele rigoroso para alguns, enquanto benevolente para outros. Isso põe não só as decisões sob suspeição, como coloca em cheque até as intenções do coração.

Justiça arbitrária e seletiva é injustiça qualificada, tão prejudicial ao tecido social quanto os supostos crimes alheios ditos como enfrentados por ela. Só se faz justiça com o equilíbrio e a equidade da balança que não permite o abuso de poder e de autoridade, assim como com a impessoalidade e imparcialidade das vendas nos olhos para não distinguir os amigos dos inimigos.

A melhor política criminal é a justiça social e a conscientização política da população, sem distinção pela cor dos olhos e manipulação de informações e versões, bem como sem justiça arbitrária e seletiva.

Paulo Lemos é advogado em Mato Grosso, especialista em Direito Político, presidente da Comissão de Defesa dos Direitos Humanos e da Cidadania da 14a Subsecção da OAB/MT, ex-ouvidor-geral da Defensoria Pública do Estado de Mato Grosso e ex-presidente do Colégio de Ouvidorias das Defensorias Públicas do Brasil.

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

4 Comentários

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  1. primeiro….

    Entre tantos exemplos de cidadania que aprendemos de nossos vizinhos, por quem nutrimos um preconceito de serem mais atrasados que nós, e não são, está a Bolivia no caso da prisão de torcedores brasileiros. Não foram presos antes da chegada de um Representante do Ministério Público. Aqui, o cidadão pode ser preso e ser notificado ao Poder Judiciário, quase 2 semanas depois. 2/3 dos nossos presidiários estão presos preventivamente. Mais da metade sairão absolvidos do julgamento. Atraso, tortura, barbárie. Com a palavra corruptos, omissos, incompetentes, ditatoriais, corporativistas OAB, Ministério Público, Poder Judiciário, Governos e Entidades Civis de Direitos Humanos brasileiros. Nada como um dia após o outro. A verdade aparece.

  2. O caminho óbviamente não é

    O caminho óbviamente não é esse. Prioritáriamente teríamos que eliminar juízes e advogados, os principais responsáveis pelo caos instalado. Primeiramente os que gostam de holofotes e de escrever sôbre suas próprias mérdas, numa tentativa de jogar aos ares suas autorias e portanto suas culpas. Abaixo a ditadura e que todos os  golpistas paguem pelos crimes que estão praticando! E que essa ditadura de 2016 não fique isenta de punições como a de 1964! Que a transição para a democracia não seja negociada com anistias e isenções a militares e civis golpistas ditadores de 1964! A justiça tem que ser feita, tanto com os autores, mentores e patrocinadores, assim como com os operacionais, a exemplo do juiz moro que aplica tortura psicológica, assim como outros seus pares de sua laia Brasil afora.

  3. Texto absolutamente correto,

    Texto absolutamente correto, mas absolutamente ingênuo em relação à realidade. Perdoe a comparação, mas parece uma criança, em um campo de concentração nazista,  lendo um conto de fadas.  

  4. Primeiro prende, depois

    Primeiro prende, depois denuncia.

    Às vezes, esquece.

    Às vezes, confunde Ah Chow com Ah Cho*.

    Em algumas ocasiões, quando lembra, já era.

    Acha apenas mais um decapitado na estatística.

    Por uma melhor Política criminal?

    No país da política criminosa?

     

     

    *http://obigodedopoe.blogspot.com.br/2013/05/conto-por-conto-1-o-chinago-jack-london.html

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