Cármen Lúcia e o gozo da autoridade suprema

Jornal GGN – “Eu era muito mais feliz como advogada”, disse a vice-presidente do Supremo Tribunal Federal, ministra Cármen Lúcia, ao contar sobre a dificuldade da função que cumpre, durante um workshop realizado em São Paulo, nesta segunda-feira (25).

“Não é cômodo o papel de juiz. Nem estou dizendo que sou infeliz, até porque o dia que chegar o meu limite, eu vou embora. Mas continuo acreditando que eu estou fazendo uma coisa que, de alguma forma é a minha vocação, e que eu quero ajudar com este cargo. Mas a liberdade que um advogado tem, escreve como quer. Eu tenho que pensar cada vírgula. Se eu disser: eu não o liberto, ele está condenado. Se eu disser: eu não, o liberto, ele está solto. Uma vírgula muda a vida de uma pessoa. Amanhã, na hora que eu julgar 18 Habeas Corpus, alguém vai sair, alguém vai ficar na prisão. Isto não é uma função fácil. Isto é um ônus enorme”, contou.

Nascida em Montes Claros, mas criada na pequena cidade mineira Espinosa, Cármen Lúcia formou-se em Direito pela PUC-MG em 1977, ano em que, naquele estado, estudantes se reuniram para enfrentar a dura repressão militar, tentando reconstruir a UNE (União Nacional dos Estudantes), dissolvida quase dez anos antes pelo então regime. Escolheu, cinco anos depois, como ela mesmo disse, a especialidade mais complicada para o período: mestrado em Direito Constitucional.

E à essa luta, que se diz contínua, a ministra compara a intolerância e a falta de participação democrática da sociedade atual.

“Na década passada introduziram essa coisa, que eu tenho pavor, que se chama ‘politicamente correto’. Com todo respeito pelos que acham que é bom, eu acho que essa ideia de pensamento único é não ser livre. Todo mundo não é igual. A intolerância tem gerado uma frustração, essa frustração gera a ira, a ira se transforma em fúria e está indo para a praça pública”, disse Cármen Lúcia.

“Na minha juventude, nós estávamos aceitando tudo, desde que fosse a favor da liberdade, é proibido proibir, e a gente queria um Brasil livre. Eu continuo querendo o Brasil livre, até porque eu não consigo viver sem isso. No meu caso, pela minha história de vida. Agora, como é que nós chegamos a isso: falta educação cívica. Nós brigamos para poder escolher os o diretório acadêmico, não podia, tinha o decreto 477 que proibia”, lembrou. “Os meus alunos reclamam que na campanha para os candidatos do diretório os colegas não querem votar. Gente, eu voto até para síndico do condomínio. Eu saio de Brasília e vou a BH, e xingo, olho as contas, e falo, e reclamo. Porque foi muito difícil chegar a isso aqui. Então, não é possível que agora a gente abra a mão”, completou.

Durante o encontro, a ministra fez um paralelo entre a luta de antes e de agora, fazendo um balanço de como analisa as modificações daqui para frente e criticando a intolerância de reivindicações imediatas: “parece que eu estou vivendo um período de destrutivismo, se quer botar tudo abaixo”.

“Nós pedimos e corremos de polícia na rua, mas eram direitos políticos que, com a penada, o presidente da República dava. Nós queríamos Diretas Já, votar para presidente, queríamos Anistia Já, e aquilo se resolvia por um decreto lei ou por uma decisão do Congresso de 1 minuto, e mudava tudo. O que se pede hoje são direitos fundamentais sociais: saúde, educação, que precisa de ser implantado com urgência, mas leva tempo para cobrir 200 milhões de pessoas. Não é mais com uma penada que se resolve”, argumentou.

Sobre o impacto da repercussão de decisões da justiça brasileira no exterior, Cármen Lúcia disse que não tem alternativa além de seguir a Constituição. “É isso ou o caos”. Cita o exemplo da recente decisão dos Estados Unidos para a economia argentina: “o juiz de primeira instância dá uma ordem para a Argentina parar e pagar o que vai ficar devendo em 10 anos, e ninguém fala nada”. Afirma que, independente disso, não se preocupa como juíza do STF. “O dia que eu me preocupar, eu tenho que ir embora”.

Entre centenas de decisões a cada mês, a ministra da Suprema Corte contou, com certo paradoxo, o seu cotidiano de maneira informal. “Outro dia eu falei com um juiz do trabalho, que disse: ministra, mas a senhora não acha… Primeiro, eu não acho, eu voto, eu decido. Ele disse: eu estava falando para florear, para a senhora não ficar de mandona. Não, meu filho, eu obedeci a Madre Superior, minha mãe, meu pai, namorado, professor, agora eu mando. Adoro mandar. Eu mandei, cumpra. Mulheres, depois que passa dos 50, a gente gosta mesmo é do sim senhora, não é do eu te amo. Se tiver o eu te amo junto, aí isso é um Deus. Sim senhora e eu te amo, aí é realização total”, brincou.

Como vice-presidente do Supremo Tribunal Federal, expôs o que pensa um ministro após os votos e decisões: “Estou brigando a minha vida inteira, exercendo um cargo público muito difícil, porque só – ainda mais com o meu temperamento – quem está lá é que sabe a dificuldade, o sofrimento que é, noites e noites sem dormir, ‘será que eu fiz certo mesmo, era isso?’. A gente cumpre com a ilusão de que está contribuindo de algum jeito.”.

“Canso de dizer, eu não quero mudar do Brasil, eu quero mudar o Brasil”, concluiu.

Patricia Faermann

Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.

Patricia Faermann

Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.

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  • Será que é pedir muito um
    Será que é pedir muito um juiz do STF que cuide exclusivamente da Constituição?

    É função do STF ficar dando habeas corpus por aí?
    Mas...advogados, sabem como é, não abrem mão de qualquer poder jamais. Não largam o osso...
    O raça!

    • Achei que advogado não abria

      Achei que advogado não abria mão da competência Constitucional que lhe foi dirigida, quando o texto afirma que o Advogado é indispensável na administração da Justiça.

      No entanto, até entendo que a as vezes a paixão políticas de alguns torna a Constituição um OSSO, no qual só os animais que lhe agradam podem roer.

       

  • A ministra está em crise

    A ministra está em crise existencial? Oh! Vida, Oh! Dor. Até parece que obrigaram a Vossa Excelência a ser ministra.

    Desce da cadeira do STF, da cadeira de autoridade pra ver o que é bom, ministra. Ou melhor fica lá Papuda com o José Dirceu, o Genoino. Condenações que a ministra parace não ter tido qualquer crise em avalisar em cima de uma teoria exótica que atendia mais a midia e aos conservadores do que ao Direito.

  • Legal, gostei desse post.

    Legal, gostei desse post. Tinha uma impressão completamente diferente da Ministra Carmen Lucia. De fato, esse papo de politicamente correto, além de ser um tédio, impede que as pessoas percebam as diferenças entre situações parecidas e, acabam colocando tudo no mesmo saco. O resultado é uma padronização fictícia, angustiante e muitas vezes, injusta.

    De resto é isso aí mesmo; é sim senhora e se sobrar um eu te amo, beleza. Pena que é só depois dos 50, até lá... nem eu te amo e nem sim senhora mas tudo bem...

    Athos, creio que o post seja mais pra dar uma geral do perfil da ministra que será, a partir do dia 10/09, a nova vice-presidenta do STF. Como ela é mais na dela, não custa dar uma força e; tb é bom pra gente saber onde tá pisando. Já avisou que é mandona, portanto...

    • Já cansei de explicar isso aqui.

      A expressão "politicamente (in)correto" foi criada pela DIREITA dos Estados Unidos, e divulgada pela mídia (e daí pelas redes sociais). A expressão foi criada e usada por essa DIREITA para atacar as reivindicações de minorias ou maiorias oprimidas e discriminadas, e ações afirmativas que as favorecem. Assim, essa DIREITA que inventou o "politicamente in(correto)" pode posar de coitadinha porque se acha censurada por não poder ofender negros, índios, imigrantes, mulheres, gays, pobres, deficientes físicos, etc... Você não encontra essa expressão na boca e nos textos dessas minorias e maiorias empenhadas. Capiche?

      • (Correcao historica, Jair: 

        (Correcao historica, Jair:  as "redes sociais" ainda nao existiam entao.  A expressao foi espalhada pela midia direitosa dos EUA para proveito proprio.)

      • Jair,
        Minha filha, que como

        Jair,

        Minha filha, que como voce, e muito preocpada com os problemas que enfrentam as minorias, costuma nos dizer que: "ser politicamente correto  eh uma questao de civilidade", quem questiona isso, eh quem quer continuar agredindo os mais frageis.

    • Você deve ter perdido os

      Você deve ter perdido os discursos moralistas dessa senhora contra os réus do mensalão. Não só condenou, mas fez questão de fazer discurso político; o mesmo que fez o Celso de Melo.

      • Não perdi, não, Jaime. Na

        Não perdi, não, Jaime. Na verdade, até postei aqui, que achei os dela, GM e decano, os piores e mais agressivos. Com relação ao post, acho, apenas que foi um levantamento do perfil da nova vice-presidente. O que aconteceu na AP 470, não tem perdão e não tem desculpa; vamos ficar na cola deles até que resolvam o problema que criaram. Mas, nesse post não me pareceu nada além de um " cartão de visita" da ministra.

        • a ministra é uma mineira mto simpatica...

          ... mas o que produziu na AP470 foi o fim.

          Ali ela - que foi uma esperança qdo Pres Lula a indicou, mostrou ao que veio. Serviçal da #Midiabandida/Cachô.

          Fim de linha, pois.

  • Grande Ministra

    Séria Ministra. Competente e exemplo de mulher pública.

    E a situação no STF, diante das pressões de todos os lados, suspeita-se, não deve ser  das mais fáceis. A angústia deve fazer parte do dia-a-dia daqueles que  " guardam a CR/88".

    Analisando o que sua excelência disse: ( 1ª parte)

    " O que se pede hoje são direitos fundamentais sociais: saúde, educação, que precisa de ser implantado com urgência,(...)  

    Até aqui perfeito!

    Todavia a partir daqui: ( 2ª parte)

    (...) mas leva tempo para cobrir 200 milhões de pessoas. Não é mais com uma penada que se resolve”, argumentou." 

    Não posso concordar com essa 2ª parte. Ora, o tempo vem passando. O Brasil vem crescendo. Dinheiro existe.  Ocorre que  se formos analisar com cautela o orçamento público veremos que não há mérito que justifica a ABSURDA  concentração de renda brasileira. É tão abusrda que se  já tivéssemos recebido aquela parte do bolo do Delfin, certamente, já teríamos implementado toda ou quase toda a 1ª parte da fala de sua excelência. E se Jango tivesse implementando a reforma agrária, isto é, acabar com as capitanias hereditárias de sempre?

    Devemos pensar no equilíbrio entre contrários para justificar o longo prazo?

    Dizer agora que não é mais com uma penada que se resolve é desconsiderar o passado brasileiro. Alías, de que adianta ficar votando, elegendo A, B ou C se o que interessa não muda e não vai mudar nem com uma nem com duas nem com mil penadas!

     

  • Vai candidatar-se a algum

    Vai candidatar-se a algum cargo político?  Ser indicada para o STF foi a glória, vão de gabinete em gabinete para serem indicado(a)s, agora vem com esse papo de sacrificio . Outro erro do Lula e do PT. Ser republicano e dar espaço ao sexo oposto, é mais do que válido, mas tem juristas mulheres com mais capacidade, que a ministra Carmen.

     

  • Desolador

    Eu acho desconcertante o que diz a Ministra sobre sua posição no Supremo Tribunal Federal. Dizer ao colega juiz - diz de forma deselegante - que ela "não acha, manda" ?  Isso sugere arcaismo,justamente vai na contramão do que conta a juiza sobre seus tempos de estudante e lutas. E até, para os que não se dão conta, demonstra falta de segurança.  A partir de um "estou mandando" não ha discussão, não ha necessidade de argumentação, logo, o direito perde toda sua condição propria de ser, que é a fundamentação de seu juizo. 

    Infelizmente, fico novamente com a impressão de que a maioria do atuais ministros não esta à altura do cargo que ocupa. Errar num julgamento é possivel. Mas deixar-se conduzir a um fim por temores outros que não sua propria consciência do caso, é inadimissivel nesse ponto em que estão de suas carreiras. 

     

    • "Eu acho desconcertante o que

      "Eu acho desconcertante o que diz a Ministra sobre sua posição no Supremo Tribunal Federal. Dizer ao colega juiz - diz de forma deselegante - que ela "não acha, manda" ?  Isso sugere arcaismo":

      !!!!!

      Nao, ML.  Eh verdade.  Juiz nao acha.  Juiz produz sentencas.  Ou seja, manda.  Essa eh razao da importancia cosmica que a direita da ao corrompimento do judiciario, alias.

      Tem uma licaozinha, procurando.  Achei:  olhe o que se segue ao "isso eh sua opiniao, juiza":

      [video:https://www.youtube.com/watch?v=Zp035LSi3bc%5D

      "Nao, essa eh minha sentenca, amiguinho.  E xou te falar uma coisa, Senhor Estudante da Universidade de Miami.  Eu dei aulas na UM por muitos e muitos anos e voce nos esta embarassando agora"...  etc... um esporro so!

      • Ainda bem que não foi comigo :)

        Essa foi boa, né, Ivan. Bem ilustrativa. Mas uma coisa é uma juiza de primeira instância dar uma aula em um advogado (acho que ela perdeu as estribeiras), outra coisa... é a resposta vulgar da ministra Carmem Lucia a um colega seu, juiz também. 

        Abraços. 

    • (ich, vou parecer implicante,

      (ich, vou parecer implicante, nao fui:  eh linguagem tecnica, esse era o ponto, Maria Luiza.)

  •  Caro Nassif, na década de

     Caro Nassif, na década de setenta o senador Luis Cavalcante, ex-governador das Alagoas, dizia que o céu na terra era o senado. Ele não conhecia o supremo. Quanto ao post, só posso dizer que essa senhorinha participou e apoiou uma das maiores farsas do nosso tempo, um julgamento de exceção, o vulgar "mensalão", e por onde passeou foi aplaudida como justiçeira. Credibilidade é um negócio sério.

  • Ora , senhora ministra , é

    Ora , senhora ministra , é fácil ser juiz do STF . Basta fazer o que a literatura jurídica lhe permitir ...

  • Mimimi, platitudes,

    Mimimi, platitudes, ignorância e linguagem abaixo da crítica. Nem vou entrar no mérito do que gente como ela faz no Supremo.

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