Uma Lava Jato da Lava Jato, por Fábio de Oliveira Ribeiro

No auge da Lava Jato Moro atuava tanto como juiz quanto como editor/jornalista das três principais empresas de comunicação do país.

Foto de Lula Marques

Uma Lava Jato da Lava Jato

por Fábio de Oliveira Ribeiro

Aqui mesmo no GGN publiquei vários textos criticando o método empregado pelo juiz da Lava Jato. De herói nacional com poderes extraordinários para ameaçar Ministros do STF, exigir a aprovação de Projetos de Lei no Congresso Nacional e celebrar acordos internacionais nos EUA usurpando a competência do Itamaraty, Sérgio Moro começou a se transformar em vilão no momento em assumiu o Ministério da Justiça. Mas a imagem dele ainda sofreria três golpes mortais: a revelação do escândalo da Vaza Jato; o reconhecimento da parcialidade dele no caso do Triplex e; a decisão do Comitê de Direitos Humanos da ONU que consolidou o entendimento de que Lula foi vítima de uma perseguição judicial ilegal promovida por um magistrado sem a necessária imparcialidade requerida pelos padrões internacionais.

Volto ao tema por causa de um desdobramento inédito que ele teve.

Recentemente, representando um grupo de parlamentares e cidadãos, juristas de renome nacional e internacional protocolaram uma Ação Popular para obrigar Sérgio Moro e reparar os danos que causou ao erário público e à economia brasileira. Ao tomar conhecimento desse fato, pedi a uma colega que faz parte do grupo de advogados cópia da petição inicial daquele processo. 

Fruto de um trabalho primoroso, referida Ação Popular expõe didaticamente os caminhos percorridos pela Lava Jato para, mediante abusos judiciais e ilegalidades escabrosas, devastar empresas nacionais e interferir na política para consolidar o Impeachment de Dilma Roussef e impedir Lula de disputar as eleições de 2018. A operação comandada por Sérgio Moro (réu naquela ação) abriu caminho para o “novo regime” desnacionalizar a exploração do Pré-Sal e adotar políticas neoliberais que causaram uma verdadeira hecatombe nacional. 

Amparados no trabalho espetacular do DIEESE, os advogados que manejaram a Ação Popular comentada conseguem desfazer o mito de que a Lava Jato deu lucro ao Brasil. Na verdade, aquela operação deu um prejuízo enorme ao país provocar um encolhimento na economia que resultou na brutal queda de arrecadação fiscal. 

Após analisar com cuidado a inicial comentada eu notei uma falha e me senti obrigado a noticia-los nos autos. Não vou adentrar muito nessa questão (o leitor terá oportunidade de ler tanto minha manifestação como amicus curiae quanto a inicial da Ação Popular). Mesmo assim, devo registrar que os advogados dos autores esqueceram um detalhe crucial. Sérgio Moro não agiu sozinho. 

No auge da Lava Jato ele atuava tanto como juiz quanto como editor/jornalista das três principais empresas de comunicação do país. Foram essas empresas que construíram a imagem pública da Lava Jato legitimando-a de maneira a outorgar ao juiz de primeira instância um poder que nenhum outro magistrado de qualquer instância jamais teve em nossa história. Não só isso, ao proferir um Acórdão o TRF-4 deu carta branca a Sérgio Moro. Nada disso minimiza a responsabilidade do réu. Todavia, ele não deveria figurar sozinho no polo passivo. Foi isso que eu disse ao juiz da causa (e aos advogados dos autores, pois eles ainda podem emendar a inicial).

O que eu quero fazer aqui, porém, é uma reflexão em relação aos limites políticos do processo. Ações judiciais são a única maneira que os cidadãos, empresas e órgãos estatais tem para resolver suas disputas. Através delas é possível reparar danos, impor punições, desfazer ou restabelecer relações jurídicas rompidas, etc… Mas as ações judiciais são limitadas quando tem objetivos políticos ou incidem (ou pretendem incidir) na arena pública de maneira a desencadear ou reparar processos históricos. 

As falhas evidentes cometidas durante a Lava Jato poderiam ter sido evitadas. O que devemos fazer para impedir que elas ocorram novamente? Nenhum processo será capaz de fornecer a resposta a essa pergunta. 

O sofrimento experimentado pelas pessoas que ficaram desempregadas e que eventualmente passaram fome porque a operação conduzida por Sérgio Moro destruiu construtoras e estaleiros pode ser reparado através de uma ação judicial? A resposta é “sim” e “não”. Sim porque quem sofreu o prejuízo pode até tentar ser reparado. Não porque dificilmente uma ação de indenização como essa resultaria algum benefício imediato ou futuro. A solução para a tragédia imposta individualmente à milhares de trabalhadores  somente poderia ser dada no âmbito da Política e mesmo assim com as limitações impostas pelos princípios da moralidade e da impessoalidade.

Pessoalmente, eu ficaria muito satisfeito ao ver Sérgio Moro e seus parceiros condenados na Ação Popular subscrita pelo grupo de juristas. Isso ajudaria a restaurar um pouco a dignidade da Justiça. Não sei se isso ocorrerá. Mas estou convencido de que essa Lava Jato da Lava Jato é uma prova eloquente do fracasso da Política em nosso país. Sérgio Moro não deveria ter conseguido fazer o estrago que fez. O sucesso dele equivale ao fracasso de todas as instituições brasileiras.

A imprensa fracassou em virtude de apoiar de maneira acrítica, incentivar e até obter lucro comercial em razão das ilegalidades cometidas pelo juiz da Lava Jato, operação que seduziu o público e vendeu jornais e valorizou espaços de propaganda. O TRF-4 fracassou ao dar carta branca para Sérgio Moro continuar empregando métodos ilegais. 

O tempo da Política é o aqui e o agora. A Política olha para o futuro. O tempo da Justiça é diferente e mais longo. A Justiça só pode olhar para o passado e resolver as disputas obedecendo as regras processuais. Quando a Justiça substitui a Política ocorre um fenômeno interessante: a linha do tempo da administração pública é rompida, pois o presente e o futuro políticos passam a ser objeto de considerações daqueles que deveriam se voltar apenas para o passado. O resultado desse anacronismo é uma amplificação da crise e não a solução dela. O efeito colateral desse rompimento da linha temporal administrativa da política pelos juizes é a destruição da credibilidade do Poder Judiciário.

Quem reparará o dano que a Lava Jato causou à imagem do Poder Judiciário? Quais serão as consequências futuras do comprometimento da credibilidade do próprio Direito como método de administração dos conflitos e de pacificação da sociedade? Essas são questões que emergem da Ação Popular comentada, mas que não podem ser resolvidas através dela. 

De qualquer maneira, recomendo ao leitor a leitura do documento em anexo. Ele contém tanto minha manifestação quanto a petição inicial da Ação Popular. Os fatos referidos nesses documentos são muito importantes. Os dados pessoais das pessoas envolvidas foram suprimidos. 

Fábio de Oliveira Ribeiro, 22/11/1964, advogado desde 1990. Inimigo do fascismo e do fundamentalismo religioso. Defensor das causas perdidas. Estudioso incansável de tudo aquilo que nos transforma em seres realmente humanos.

O texto não representa necessariamente a opinião do Jornal GGN. Concorda ou tem ponto de vista diferente? Mande seu artigo para [email protected].

Fábio de Oliveira Ribeiro

2 Comentários

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  1. O TRF4 não fracassou, pois ele foi o maior parceiro, digo,cúmplice de Sérgio Moro. Sem o TRF4, o mote de Sérgio Moro não teria efeito na imprensa:Lula condenado em instancia superior, com pena majorada. Parece que o TRF4 “acertou” a condenação dos três desembargadores com mesmo tempo de sentença: anos, meses e dias, caso único no judiciário brasileiro, a fim de que Lula não pudesse recorrer e começasse a cumprir a pena imediatamente… Com STF, com tudo.

  2. Finalmente, uma luz no fim do túnel… pessoalmente eu não acreditava que a ONU tivesse autonomia suficiente para tomar essa decisão que ficou congelada por mais de 5anos. Como a ONU tem sido um braço diplomático dos americanos do norte jamais acreditei nesse desfecho. De qualquer forma, parabéns aos advogados de Lula e advogado australiano que conseguiram essa exponencial vitória junto ao Império e seus “paus mandados” Imprensa Brasileira.

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