Vive-se no Brasil uma confusão entre conservadorismo e obscurantismo, por Fábio Canton

Cintia Alves
Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.
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Por Fábio Romeu Canton Filho

No Conjur

Avanços civilizatórios não têm bandeira, mas há quem os veja como peças de proselitismo ideológico. Laicidade do Estado, presunção de inocência, direito de defesa a todos, respeito às diferenças de gênero, raça e credo e liberdade de imprensa são conquistas da humanidade, mesmo que identificadas como estandartes da esquerda. No caso brasileiro, tal impressão não será desconstruída enquanto os representantes de uma dita direita não pararem de negá-las e até de combatê-las.

O presidente da República é um político de direita, e esse enquadramento no espectro ideológico, a princípio, não o desabona. A ser levada em conta a conceituação contemporânea de direita e esquerda, muito bem descrita por Norberto Bobbio, o político de direita é aquele que enxerga o indivíduo como construtor do seu próprio futuro, atrelado à realidade do mercado e livre das mãos do Estado. Segundo Bobbio, de outra parte, o político de esquerda vê na desigualdade o mais grave dos males da nação, o qual não será superado sem uma forte atuação estatal contra injustiças sociais.

Poder-se-ia encontrar outras terminologias que substituíssem “direita” e “esquerda” na diferenciação dos dois conjuntos de pensamento, mas o mundo inteiro, principalmente a Europa, continua a usá-las para classificar os políticos conforme suas prioridades.

Em sua obra, o filósofo italiano não julga um lado melhor ou pior que outro — diferencia-os apenas, destacando que ideólogos de um e de outro buscam, cada um à sua maneira, um mundo melhor. Esse debate, contudo, dá-se no campo da razão, da lógica, muito longe do fundamentalismo que parece prevalecer no governo do presidente Jair Bolsonaro e fora dele.

Combater e eliminar vícios de governos anteriores não pode significar destruir avanços cujos responsáveis não são políticos corruptos de esquerda ou direita, mas representantes da sociedade brasileira em toda sua diversidade, que escreveram a Constituição de 1988 — o mais importante marco civilizatório da história do Brasil.

O que se vê nos primeiros dias do atual governo, confirmando a retórica de campanha, são atos e manifestações que não raro representam, muito mais que anti-esquerdismo, atentado contra conquistas irrenunciáveis.

Para onde caminha um país cujo ministro das Relações Exteriores nega o aquecimento global, atribuindo a relevância conferida ao tema a uma “conspiração comunista”? Se as declarações do chanceler chocam pelo grau de desconexão com a realidade, o que dizer das palavras da ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, para quem “menino veste azul, menina veste rosa”?

Vive-se no Brasil uma confusão entre conservadorismo, nem sempre deletério, e obscurantismo, este oposto à evolução humana. Ao longo da história, vimos brilhar por estas terras personalidades identificadas com o conservadorismo, mas nem por isso próximas das trevas.

Lamentavelmente, os conservadores do século XXI parecem ter como inimigo qualquer tipo de sofisticação intelectual na busca de solução para os nossos problemas: se a criminalidade campeia, que o povo se arme; se a Constituição tem falhas, que seja ignorada; se manifestações populares por vezes descambam para o vandalismo, que sejam proibidas (e classificadas como terrorismo); se um ministério, como o do Trabalho, desviou-se de sua finalidade, que seja simplesmente extinto.

É verdade que não nos desenvolvemos conforme queríamos, fomos engolidos pela corrupção, o fisiologismo, o clientelismo. O Estado brasileiro tornou-se instrumento a serviço de grandes conglomerados privados, porém nossa face trágica não pode obnubilar boas experiências nascidas aqui, e a Justiça do Trabalho, contemplada no artigo 92 da Constituição Federal, é uma delas.

A posição anunciada pelo presidente da República quanto ao tema confirma na pessoa dele o desprezo pela racionalidade e o exercício intelectual: se a legislação trabalhista é protecionista em excesso, se há litígios demais nesse campo, extinga-se a Justiça do Trabalho (e cite-se como modelo os Estados Unidos, onde tal instância não existe. Só rindo!). Não importa que a área trabalhista exija conhecimentos específicos de advogados e magistrados, e importa tanto menos que a história das relações de trabalho no Brasil justifique a existência de tribunais especializados.

Não conheço o autor desta frase, popular e atual, mas merece aplauso: “Para todo problema que parece complexo, há uma solução simples. Que não funciona”.

Fábio Romeu Canton Filho é advogado, professor, doutor e mestre em Direito pela Universidade de São Paulo (USP). Foi vice-presidente da OAB-SP e presidente da Caixa de Assistência dos Advogados de São Paulo (Caasp).

Cintia Alves

Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.

5 Comentários

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  1. Não há nenhuma confusão, apenas uma tentativa de lavar as mãos

    O texto me parece uma tentativa desesperada de se desvencilhar  do que até então é unha e carne.  A citação de Bobbio, é tratar Bobbio de forma rudimentar e é mentirosa esta falsa compreensão acusando o Brasil de estar confuso. O espectro político conservador fez sua opção e não  está  confuso. O golpismo estabeleceu sua grande meta, desacreditar tudo que foi feito pelo que definiram como inimigo. Valeu tudo, e sobretudo agiram na superestrutura. Fizeram uma campanha assustadora de assassinato moral do país. Transformaram todas as políticas publicas, ou de investimento ou de desenvolvimento em crime. E para isto tiveram que acusar os outros pelos  próprios atos e formas de atuação , isto é ,  o próprio esquema que montaram há mais de século. E não tiveram nenhum pejo em amplificar as questões morais e religiosas para conseguir o intento de destruir inimigo e tomar posse do poder para  liberalizar totalmente a economia. Manipulando os conflitos morais e religiosos focaram nas pautas identitárias e no fundamentalismo. E claramente definiram o que pertencia ao inimigo e de que lado estavam.  E agora continuam,  confiando que o obscurantismo vai pavimentar o caminho para que o liberalismo de  Paulo Guedes faça  as privatizações etc.., e reformas. 

    Portanto não há nenhuma confusão o liberalismo neste país esta umbilicalmente unido ao obscurantismo e os tais conservadores de sangue nobre trabalharam duro para chegar onde chegaram .

    Transformaram todos os meios de comunicação em paginas policiais, cevaram o medo e o caos na mente de todos. O país foi se transformando num  cenário de Esgoto da Lava jato  ou por notícias de crimes e balas perdidas.  Criaram processos e condenaram pessoas sem provas,usando sobretudo a manipulação dos fatos. Isto é obscurantismo.  Não se incomodaram em fortalecer o lado mais obscuro da sociedade, criando em cada cidadão a descrença no seu vizinho.  Criaram as palavras de ordem  em defesa da violação dos direitos humanos. Mas focaram sobretudo em um certo grupo social. Mais do que isto criaram  grupos, pagaram suas ações  os estimularam sempre pensando que os controlavam. A própria mídia fez questão absoluta de amplificar o obscurantismo, recriando o mito do comunismo, que se iniciou naquela célebre frase: será que o populismo está com dias contados.  E a Venezuela de populista passou a ser comunista, esta palavra desconhecida pela grande maioria.  Esta em prosa e verso o apoio que deram a grupos como o MBL e assemelhados, que contrariamente ao que diz Canton, pregam abertamente que  o liberalismo economico  está unida à  filosofia de Olavo de Carvalho, que obviamente não é nenhum iluminista.

      Me parece que os conservadores não estão confusos, me parece que eles acreditam de fato que ser conservador é defender uma pauta fanática e obscurantista. Uma parte da mídia  divulgou  e continua divulgando  cada palavra  obscurantista sem nenhuma crítica. Estão naturalizando o obscurantismo junto com um discurso de que as reformas são necessárias. Pois ser contras as reformas em breve será coisa do demônio. E ainda existe a mídia religiosa dos templos de dinheiro que prega que ser liberal é estar com Deus.

    O comunismo de significado desconhecido para a grande maioria, foi sendo associado a tudo que há pior. Manipulando a parcela religiosa, a mídia jamais defendeu a escola ou as universidades, e  propagou a idéia que gerou a Escola sem Partido. Tentando não sujar as mãos uma parte da mídia apenas ecoava  e a outra parte pregava. Mas os conservadores sofisticados, nunca acham que Edir Macedo, Malafaia  e outros estão entre os seus.

    O obscurantismo é também bater palma e fortalecer os que usando o judiciário violaram as leis e a constituição cidadã. È obscurantismo dizer que para derrotar meu inimigo, vale tudo.  A mídia bateu palmas quando um justiceiro de Toga  violou a constituição para prender um cidadão e jogá-lo numa masmorra. Canton é um professor de direito e não tem o direito de sabendo das barbaridades de um processo legal, achar que o obscurantismo é apenas o palavrório religioso e moralista. Nenhum agente do direito deveria se calar quando há uma violação profunda da ética e das leis. Os autos do processo contra Lula, são uma quase confissão de arbítrio.  E não me refiro a interpretações, mas sim às palavras que constam nos autos onde o juiz  confessa condenar sem provas. 

    Canton sabe bem que o noticiário policial de balas perdidas que toma conta do país, como se no país nada fosse feito a não ser fugir de bandidos e policiais, foi gerado apenas para justificar a continua violação da constituição.  Isto é obscurantismo, e não se pode dissociar isto de quem trabalhou para o golpe e para a eleição deste que está aí. E quem fez isto defende ardentemente que está defendendo o liberalismo economico.

    O supremo e os intelectuais conservadores, fizeram discursos apoiando o obscurantismo judicial.  E  Canton não tem o direito de falar em confusão do Brasileiro, me parece que isto desfila todos os dias na frente do brasileiro.

    No momento, não sabemos contra o que, ou contra quem votaram os brasileiros, pois  nas últimas pesquisas o número de fundamentalistas continua sendo bem menor do que os eleitores deste governo que aí está.  Canton diz que há uma confusão entre conservadorismo e obscurantismo. E eu digo que Canton ou se ilude ou mente, pois no momento   conservadores e obscurantistas, formam um par indistinguível.

    O herói do conservadorismo econômico, Guedes  é o cerne deste governo, e escolhe para o presidente do Banco do Brasil uma das figuras misóginas, mais desqualificadas e obscurantistas do ponto de vista da educação cultura e civilidade, como se pode atestar pelos seus posts e twitters  na rede, que não diferem nada dos  membros do clã. Não vi nenhum conservador, falar nada contra a tal Ministra Evangélica,  o Chanceler Messiânico ou o Ministro da Educação.  E vejo cotidianamente surgirem decretos contra a educação, a cultura e arte, e contra os direitos dos cidadãos. Os conservadores envergonhados  tratam tudo como pequenos deslizes. Mas apenas sorriem condescendentemente. 

    Portanto não há confusão no Brasil    conservadorismo e obscurantismo, são irmãos siameses.

  2. Citação

    Não conheço o autor desta frase, popular e atual, mas merece aplauso: “Para todo problema que parece complexo, há uma solução simples. Que não funciona”.

    É uma das muitas variantes em circulação desta frase de H. L. Mencken:

    Explanations exist; they have existed for all time; there is always a well-known solution to every human problem—neat, plausible, and wrong.

    Uma discussão da frase e sua autoria pode ser achada no Quote Investigator, um site recomendável para evitar falsas atribuições.

    Aliás, algumas citações de Mencken vêm bem a propósito da situação que estamos vivendo hoje no Brasil:

    Whenever you hear a man speak of his love for his country, it is a sign that he expects to be paid for it.

    Puritanism. The haunting fear that someone, somewhere, may be happy.

    An idealist is one who, on noticing that roses smell better than a cabbage, concludes that it will also make better soup.

    Immorality: the morality of those who are having a better time.

    The worst government is often the most moral. One composed of cynics is often very tolerant and humane. But when fanatics are on top there is no limit to oppression.

    A judge is a law student who marks his own examination papers.

    A newspaper is a device for making the ignorant more ignorant and the crazy crazier.

    On some great and glorious day the plain folks of the land will reach their heart’s desire at last, and the White House will be adorned by a downright moron.

    The whole aim of practical politics is to keep the populace alarmed (and hence clamorous to be led to safety) by menacing it with an endless series of hobgoblins, all of them imaginary.

  3. Aquecimento global
    Uma correção: assim como o ministro, uma grande parte da comunidade científica não nega o aquecimento, mas sim as suas causas. O aumento quantidade de dióxido de carbono na atmosfera é apontado como o vetor do aquecimento por alguns, porém negado por outros, pois se trata de uma das teorias entre várias. Por isso uma sonda foi enviada recentemente ao sol, pois os ciclos solares são muito mais importantes de serem estudados.

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