Wander Piroli e a dificuldade de ser contista no Brasil, por Sebastião Nunes

Colagem sobre capa de livro e foto antiga

Wander Piroli e a dificuldade de ser contista no Brasil, por Sebastião Nunes

Doze anos depois de sua morte, em 2006, Wander Piroli ganhou uma excelente biografia escrita por Fabrício Marques. É um livro dinâmico e sensível, recheado de casos, obras e acontecimentos sobre uma vida extremamente movimentada.

“Wander Piroli, uma manada de búfalos dentro do peito” saiu este ano, com 256 páginas, pela Conceito Editorial.

Para escrevê-lo, Fabrício recorreu a todas as fontes imagináveis e conseguiu a proeza de costurar jornalismo, literatura e depoimentos, resultando numa obra poderosa e coerente, em que os capítulos dão conta de praticamente toda a vida social, política, literária e jornalística da Belo Horizonte do período entre 1931 (quando Wander nasceu) e 2006, quando era um nome de prestígio nacional aos 75 anos.

Neto de italianos, Wander Piroli fez do bairro Lagoinha, em BH, o centro de seu mundo, um mundo de despossuídos, marginais e desvalidos. Dali extraiu a rica matéria-prima de seus contos, líricos, duros e profundos, escritos com a certeza de que a vida poderia ser melhor e mais rica, mas não é.

“Certa vez enumerou num pedaço de papel o que mais apreciava”, relata Fabrício no livro, “Sítio. Arroz, feijão e carne moída. Capeletti. Futebol, sinuca, baralho (pôquer). Ficar de calção e descalço. Voltar de viagem. Boemia. Não trabalhar. Ler (sem obrigação). Briga de galo.” Faltou enumerar pescaria, outra de suas paixões.

Um cara simples, apesar da corpulência. Um sujeito que frequentei pouco, que vi raras vezes, o que lamento até hoje, pois sua literatura está no patamar mais alto entre nossos contistas.

Claro que eu poderia escrever uma resenha ampla e farta, historiando sua luta pelo jornalismo independente e de alto nível, sua luta diária para ganhar a vida num meio acanhado e provinciano como o belo-horizontino, mas não. É melhor que o próprio Wander se revele a si mesmo.

Conta Fabrício: “Entre os inéditos deixados por Wander Piroli está o livro de entrevistas ‘Todo Amor é Marginal’. Ele não gostava de concedê-las, mas aproveitava os lançamentos dos livros para divulgá-las. Aqui, 30 amostras do que o escritor pensava e sentia.” Copio algumas dessas amostras, resumidas, concedidas em diversos momentos a diversos interlocutores.

 

WANDER PIROLI POR ELE MESMO

“1. Pescar é mais importante do que escrever. Escrever faz mal para a saúde. Não conheço uma só pessoa que tenha se tornado melhor com a literatura; geralmente, piora.” (Ao Suplemento Literário de Minas Gerais, 1987)

“5. Escrever, para mim, era algo vergonhoso, assim como praticar o ato sexual em público. Só consegui escrever na frente dos outros com o jornalismo.” (A Paulinho Assunção, SLMG, 1984)

“11. O Hemingway tinha um texto muito ajustado e isso chamava muito a minha atenção. Ele me lembrava aqui no Brasil o Graciliano Ramos, que é o melhor português do Brasil, disparadamente. Ele devia ser obrigatório nas escolas de jornalismo.” (A Guilherme Minassa e Aloísio Moraes, Pauta, 1991)

“13. A invenção é muito importante para o escritor, inventar o que existe.” Ao Felicíssimo, 1995)

“18. Eu fui treinado a não abrir mão da esperança. A nossa geração, que foi uma geração que não deu certo politicamente, nós não abrimos mão da esperança. Eu não abro mão, acredito numa sociedade melhor, para mais gente, eu acredito nisso, e creio que tem muita gente com a mesma fé, a mesma esperança.” (A Afonso Borges, Jornal da Savassi, 1984)

“20. Eu tenho vergonha de ficar triste, porque a vida me ofereceu coisas demais.” (Ao DDDDicas, 1983)

“24. Eu estou vivendo no meu tempo. Eu não sei, eu gostaria de alguma maneira de expressar o tempo em que vivo, as aflições que estão acontecendo, os problemas que estão acontecendo. Eu vivo meu tempo. Eu sou regido pelo meu tempo, reajo dentro do meu tempo e procuro escrever dentro do meu tempo.” (Ao Jornal de Domingo, 1984)

 

WANDER POR FABRÍCIO

Depois dessa parte introdutória, que o biógrafo chamou de “Iluminações”, começa o livro propriamente dito, com o capítulo “O rio de dentro”:

“Wander Piroli é o nome todo. É com essa divisa que ele se apresentava, em orelhas de livros e textos de divulgação para a imprensa: um nome tão curto para uma vida tão intensa, que marcou profundamente Belo Horizonte entre os anos 1960 e 1980. E amparada na certeza de que houve muitos Pirolis diferentes no corpanzil que comportava, entre tantos, o escritor, o jornalista, o boêmio, o homem de família. Wander Piroli é o nome todo, tão minimalista e sintético quanto seus contos, escritos com a urgência de quem um dia reconheceu: ‘Nunca tive vocação artística. Quando comecei a escrever eu era apenas um rapaz da Lagoinha. Escrevo porque gostaria que algumas coisas não morressem, não acabassem. Talvez por causa disso escrevo, só por causa disso’.”

Então, crescendo em densidade, seguem-se os capítulos de um livro capaz de retratar, por inteiro, o homem complexo que se tornou um dos maiores contistas brasileiros de todos os tempos, escrevendo para adultos ou para crianças, em livros que revolucionaram nossa linguagem e nossa literatura.

Para ir mais fundo, duas sugestões: a leitura do livro de Fabrício Marques e dos livros de Wander Piroli. Todos estão dando sopa por aí.

Sebastiao Nunes

0 Comentário

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador