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Como financiar a transição climática, por Feijo, Teixeira & Feil

O objetivo desta nota é recuperar algumas experiências de fundos vinculados à exploração de recursos naturais voltadas ao desenvolvimento.

Reprodução Jornal de Negócios

Blog: Democracia e Economia  – Desenvolvimento, Finanças e Política

Como financiar a transição climática:  fundos associados à commodities e o BNDES na berlinda

por Carmem Feijo, Fernando Amorim Teixeira e Fernanda Feil

Há duas semanas, criou-se uma celeuma dentro do governo federal a respeito da existência ou não de fundos oriundos de recursos de exploração de óleo e gás para financiar a transição climática. Segundo noticiou o jornal Folha de São Paulo em 31 de março de 2024, a Secretária de Mudança do Clima, Ana Toni, afirmou que ainda não havia visto plano no Brasil para Petróleo bancar a transição, citando o Fundo Soberano da Noruega como um exemplo de experiência internacional bem-sucedida. No dia seguinte, o Ministro de Minas e Energia, Alexandre Silvera, também por meio da imprensa, afirmou que o Fundo Social do Pré-sal poderia ser esse exemplo, aproveitando para tentar associar seu potencial crescimento à exploração de petróleo na Foz do Amazonas.

Independente da razão (ou da falta de) de parte a parte, é certo que a transição climática depende de vultosos investimentos produtivos em diversas áreas e atividades, e para tanto, uma arquitetura financeira que viabilize a execução dos investimentos se faz necessária.

A economia brasileira, por sua vez, vive um ciclo de baixo investimento, o que torna o compromisso com o atingimento das metas de descarbonização e preservação do meio ambiente mais distantes. A transição climática implica uma mudança na estrutura produtiva o que dificilmente será alcançado sem uma política pública que articule instituições públicas, dentre elas os bancos de desenvolvimento, para a retomada dos investimentos.

O objetivo desta nota é recuperar algumas experiências de fundos vinculados à exploração de recursos naturais voltadas ao desenvolvimento. As duas principais são o Fundo Clima e o próprio Fundo Social do Pré-sal.

O Fundo Nacional sobre Mudança do Clima (FNMC), ou simplesmente Fundo Clima tem seus recursos advindos da parcela de até 60% da Participação Especial que se destina ao Ministério do Meio Ambiente (MMA) e é dividido em duas modalidades: reembolsável, operada pelo BNDES, e não reembolsável, sob gestão do MMA. Criado pela Lei 12.114 em 09/12/2009, regulamentado pelo Decreto 7.343 de 2010, e atualmente regido pelo Decreto 10.143, de 28/11/2019, a parte gerida pelo BNDES tem como objetivo aplicar recursos em empreendimentos que visem a mitigação das mudanças climáticas. Dentre os potenciais projetos, estão aqueles relacionados à mobilidade urbana, cidades sustentáveis, máquinas e equipamentos eficientes, energias renováveis, resíduos sólidos, carvão vegetal, florestas nativas, gestão e serviços de carbono e projetos inovadores.

Em termos concretos, porém, os recursos disponibilizados ao longo de mais de uma década de atuação do fundo se mostraram bastante aquém das necessidades do país. Em 2011, na ocasião do lançamento do fundo, estimava-se limite de captação do Fundo Clima de aproximadamente R$ 750 milhões por ano. Onze anos mais tarde, o banco trouxe um panorama da atuação do FNMC, sendo o montante R$ 880 milhões financiados desde então, gerando cerca de R$ 2 bilhões em investimento. Ademais, segundo o Plano Anual de Aplicação de Recursos (PAAR) 2022, o orçamento de financiamentos para o ano era de pouco mais de R$ 440 milhões. Tais números deixam em evidência que a iniciativa, ainda que relevante do ponto de vista do ideal, tem se mantido de sobremaneira tímida para o atual contexto de mudanças climáticas.

Uma outra fonte de recursos existente e que tem apresentado poucos resultados por conta de políticas equivocadas é o chamado Fundo Social do Pré-sal (FSPS). Criado em 2010 pela Lei nº 12.351, o fundo foi estabelecido para receber os recursos provenientes da exploração de petróleo da camada do pré-sal e destiná-los a investimentos em áreas prioritárias como educação, saúde e meio ambiente. De acordo com a lei, o Fundo Social teria como finalidade ser uma poupança de longo prazo, visando a promoção do desenvolvimento econômico e social do país. A gestão desse fundo deveria ser realizada por um Comitê de Investimento, composto por representantes dos Ministérios da Fazenda, do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão, e de Minas e Energia, responsável por definir a política de investimentos e a obtenção de rentabilidade e segurança nas aplicações dos recursos.

Dentre as finalidades, 50% dos recursos deveriam se destinar à a saúde e educação, além de constituir uma fonte de recursos permanente para o desenvolvimento social e regional, na forma de programas e projetos nas áreas de educação, cultura, ciência e tecnologia, esporte, saúde pública, meio ambiente e combate à pobreza. São diversos os mecanismos para salvaguardar a sustentabilidade financeira do Fundo Social, com destaque para a regra de que os recursos a serem destinados aos programas e projetos devem advir, unicamente, do retorno financeiro dos investimentos do Fundo Social.

Em maio de 2023, porém, o Tribunal de Contas da União (TCU) identificou que a omissão do Poder Executivo em regulamentar as estruturas de Governança do Fundo Social determinadas fez com que não fosse “instituído o Comitê de Gestão Financeira do Fundo Social (CGFFS), órgão que seria responsável por definir e gerir a política de investimentos do fundo, também não possui Conselho Deliberativo do Fundo Social (CDFS), que cuidaria da destinação dos recursos resgatados” (TCU, 2023) . Na prática, o fundo segue existindo apenas como uma conta bancária com aplicação protocolar no caixa do Tesouro Nacional, sem nenhuma gestão especializada de investimentos e destinação dos recursos.

Ainda segundo o TCU, dos R$ 146 bilhões arrecadados desde o início da operação, restavam em caixa, em 2022, apenas R$ 20 bilhões. Isso porque, somente para amortização da dívida pública (por conta da EC 109/2021) foram retirados R$ 64 bilhões do fundo nos anos de 2021 e 2022, distorcendo completamente a ideia original do instrumento. Ademais, o TCU estima que, até 2032, o FSPS arrecade algo em torno de R$ 970 bilhões em royalties e participações especiais e, portanto, se faz urgente a regulamentação efetiva desse instrumento para evitar-se o comprometimento de suas finalidades e objetivos .

Mas como direcionar esses recursos para torná-lo uma fonte de recursos para o BNDES?

Uma opção é remodelar tal expediente dando-lhe maior flexibilidade à gestão do principal e não apenas dos juros. Neste caso, a transformação de uma parcela dos recursos do FSPS em um novo fundo, mais próximo dos fundos soberanos existentes globalmente, poderia direcionar recursos de forma mais célere para que o BNDES pudesse financiar a transição em tempo hábil. Exemplos de remodelagem de fundos existem e não precisamos ir longe para conhecê-los. O Chile, por exemplo, criou um fundo de estabilização do cobre (o Copper Stabilization Fund, CSF) em 1985 e, 20 anos mais tarde – após a aprovação da Lei de Responsabilidade Fiscal em 2006 – decidiu liquidar o CSF e criar dois novos fundos soberanos em seu lugar: o Chile Pension Reserve Fund (PRF), em 2006 e o Economic and Social Stabilization Fund (ESSF), em 2007. O que o país fez foi adaptar uma fonte de recursos extraordinários para atender as necessidades de financiamento do país.

A emergência climática e o imperativo de se construir uma estrutura produtiva com baixa pegada de carbono, entretanto impõe que instrumentos como bancos de desenvolvimento sejam re-equipados e re-ordenados para financiar a transição. Além de resolver a questão de recursos do BNDES, um fundo soberano robusto nacional teria o potencial de desempenhar um papel fundamental na promoção da transição verde no Brasil.

Carmem Feijo- Professora titular na Universidade Federal Fluminense (UFF), pesquisadora CNPQ e coordenadora do Grupo de Pesquisa em Financeirização e Desenvolvimento – Finde/UFF

Fernando Amorim Teixeira – Pesquisador de pós-doutorado no PPGE/UFF e do Finde/UFF

Fernanda Feil – Professora colaboradora no Programa de Pós-graduação em economia do Programa de Pós-graduação (PPGE) da UFF e pesquisadora do Finde/UFF

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O Grupo de Pesquisa em Financeirização e Desenvolvimento (FINDE) congrega pesquisadores de universidades e de outras instituições de pesquisa e ensino, interessados em discutir questões acadêmicas relacionadas ao avanço do processo de financeirização e seus impactos sobre o desenvolvimento socioeconômico das economias modernas. Twitter: @Finde_UFF

Grupo de Estudos de Economia e Política (GEEP) do IESP/UERJ é formado por cientistas políticos e economistas. O grupo objetiva estimular o diálogo e interação entre Economia e Política, tanto na formulação teórica quanto na análise da realidade do Brasil e de outros países. Twitter: @Geep_iesp

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