Fala FADS: Por que ainda comemos, bebemos e respiramos veneno?

É ampla a documentação acerca da contaminação da água e alimentos, bem como da intoxicação e adoecimento causados pela exposição ou consumo de alimentos contaminados.

Fala FADS: Por que ainda comemos, bebemos e respiramos veneno?

A “Revolução verde” promovida sob os auspícios de grandes corporações de mecânica agrícola, fertilizantes químicos e agrotóxicos, espalhou sua tecnologia por todo “terceiro mundo” a partir de meados do século 20, promovendo a chamada “modernização conservadora” na Índia, Brasil, México e muitos outros países da Ásia, África e Américas.

No Brasil, o arcaico ruralismo, escravagista e violento, ganhou verniz “modernoso”, com maquinário, insumos, implementos e técnicas importadas do hemisfério norte. Com forte investimento corporativo multinacional se desenvolveram técnicas, baseadas em fertilizantes químicos patenteados, para expansão da fronteira agrícola sobre o cerrado, antes considerado infértil e inadequado para agricultura de larga escala.

Hoje o agronegócio homenageia Alysson Paolinelli, considerado o pai da revolução verde brasileira, indicando-o inclusive para o Nobel da Paz de 2021, por mais bizarro que seja indicar um ex ministro da ditadura para um prêmio Nobel da Paz. Mas o que mais chama a atenção é que um país que supostamente alimenta “mais de um bilhão de pessoas”, como argumentam os defensores do agronegócio, retorna ao mapa da fome e vê seu povo formar fila para comprar osso!!

Fato é que os impactos socioambientais da revolução verde são vastos, englobando endividamento e perda de autonomia de agricultores, uniformização genética das culturas e aumento da suscetibilidade a pragas e doenças, contaminação de solos e recursos hídricos, aumento de intoxicações de trabalhadores e consumidores. Um dos impactos pouco discutidos, mas muito relevantes, foi a privatização de muitos segmentos das tecnociências agrárias, que são beneficiárias de polpudos incentivos das grandes corporações para ensino, pesquisa e desenvolvimento de técnicas e tecnologias de seu interesse, fomentando o uso e certificando seus produtos.

O esforço da indústria agroquímica, que nunca poupou recursos para propaganda, lobbies, financiamento de bancadas legislativas e de ”C&T”, acaba recompensado no Brasil com a vertiginosa expansão do mercado e aumento do volume de negócios e de veneno espalhado pelos biomas, de norte a sul, de leste a oeste. Também pudera: com esquemas tipo “porta giratória”, em que seus representantes “assessoram” governos na formulação de políticas públicas, o mercado é bastante favorecido por flexibilização regulatória, renúncia/isenção fiscal e subsídios.

São muitas as estatísticas que demonstram o crescimento do uso de agrotóxicos no Brasil, como as disponíveis na publicação “Lucros altamente perigosos: Como a Syngenta ganha bilhões vendendo agrotóxicos altamente perigosos.” Ou na publicação do IPEA “Agrotóxicos no Brasil: Padrões de uso, política da regulação e prevenção da captura regulatória.” Ou ainda na publicação de autoria de Larissa Bombardi,  “Geografia do uso de agrotóxicos no Brasil e conexões com a União Europeia.”

O censo agropecuário do IBGE de 2017, adiado duas vezes por falta de recursos, acabou realizado em 2017 mas, supostamente por economia de recursos, teve vários quesitos sobre agrotóxicos cortados do questionário.

Mesmo assim, nossa análise dos dados corroboram a tendência de expansão no consumo de agrotóxicos, explicitando alguns aspectos graves dessa expansão. Apesar da queda no número total de estabelecimentos agropecuários, de 5.175.636 em 2006 para 5.073.324 em 2017, subiu o número de estabelecimentos que declararam usar agrotóxicos, que foi de 1.396.077 para 1.681.740 (mais de 20% de aumento). Destaque-se que apenas 33,15% do total de estabelecimentos são responsáveis pela posição do Brasil no topo dos rankings mundiais do veneno agrícola. Bem chocante também notar que em 2017 63,3% dos estabelecimentos que usaram agrotóxicos, declararam não ter recebido orientação técnica, índice nada compatível com o setor que se diz moderno e sustentável. Importante mencionar que a extensão rural de base Freiriana, fundamentada no diálogo e no respeito a cultura popular local, foi substituída, em larga medida, pela assistência técnica excludente e baseada nas bulas e rótulos dos venenos.

É ampla também a documentação acerca da contaminação da água e alimentos, bem como da intoxicação e adoecimento causados pela exposição laboral ou consumo de alimentos contaminados. O documentário “O veneno está na mesa” dirigido por Silvio Tendler traça um ótimo panorama da situação. Contudo a precarização e cortes de investimentos nas áreas de monitoramento e fiscalização acabam tornando invisíveis muitas situações perigosas, como mostra a publicação “Agrotóxicos e Saúde”, da FIOCRUZ.

Importante vitória na batalha pelo reconhecimento dos perigos do uso de agrotóxicos veio com o reconhecimento, pela justiça, do direito de aposentadoria de uma agricultora de Palmitos, no Oeste catarinense, por invalidez causada pela exposição laboral contínua ao glifosato.

Bolsonaro, eleito com forte apoio da bancada do agronegócio, chegou cumprindo suas promessas de enfraquecer o ministério do meio ambiente, e na questão dos agrotóxicos fez o que pôde para flexibilizar e relaxar normas de controle, promovendo elevação, sem precedentes, na liberação de agrotóxicos, muitos deles proibidos noutros países. Se não consegue, por força de mobilizações como a “Campanha permanente contra agrotóxicos e pela vida”, aprovar o “Pacote do veneno”, (PL 6.299/2002) projeto de lei que já ronda a casa legislativa há 20 anos e que visa facilitar ainda mais a liberação de substâncias de interesse da indústria agroquímica, ele abusa da estratégia preconizada por Ricardo Salles, de ir “passando a boiada” com regulamentações infra-legais.

Como alternativa ao cenário tenebroso de envenenamento e contaminação, temos a luta pela aprovação do  PL 6.670, DE 2016, que Institui a Política Nacional de Redução de Agrotóxicos – PNARA, visando a implementação de ações que contribuam para a redução progressiva do uso de agrotóxicos na produção agrícola, pecuária, extrativista e nas práticas de manejo dos recursos naturais, com ampliação da oferta de insumos de origens biológicas e naturais, contribuindo para a promoção da saúde e sustentabilidade ambiental e para a produção de alimentos saudáveis.

Portanto o Fala FADS desta semana pergunta: Porque ainda comemos, bebemos e respiramos veneno? Nesta quarta-feira, 2 de fevereiro, vamos debater os motivos pelos quais o Brasil, que se gaba de ser um dos maiores produtores agrícolas do mundo, também é um dos recordistas mundiais no uso de produtos que degradam o solo, causam um sem-número de doenças em humanos e outros animais, além de contaminar rios e a própria atmosfera. 

Somente nos últimos 4 anos, o governo federal liberou o uso de 2 mil agrotóxicos, situação que pode piorar ainda mais se o PL do Veneno for aprovado. Mas há resistência à barbárie: parlamentares e entidades engajadas na Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida propõem a aprovação do PL 6.670/2016, que cria a Política Nacional de Redução de Agrotóxicos (PNARA). Vamos debater a tramitação e as consequências desses dois projetos e vários outros aspectos da questão. Nosso time de debatedores de hoje é:

Dora Lima – Educadora Ambiental, graduada em Ciências Contábeis e pós graduada em Educação Ambiental, ativista socioambiental desde a Eco/92, ativista da Campanha contra os Agrotóxicos e Pela Vida São Paulo; do Fórum Paulista de Combate aos Impactos dos Agrotóxicos e Transgênicos; e articuladora no Estado de São Paulo da Agenda 2030/ODS (Objetivos de Desenvolvimento Sustentável);

Fran Paula – Engenheira Agrônoma, mestra em saúde pública, educadora da ONG Fase em Mato Grosso e pesquisadora  sobre os impactos dos agrotóxicos na saúde e meio ambiente, é vice-presidenta da Associação Brasileira de Agroecologia (ABA) no Centro Oeste e integra a coordenação nacional da Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e pela Vida;

Marcos José de Abreu (Marquito) – Engenheiro agrônomo e mestre em Agroecossistemas, está vereador pelo PSOL em Florianópolis, construindo o Mandato Agroecológico, que conta com gestão de resíduos, biblioteca temática, banco de sementes e uma construção sistêmica e intersetorial na defesa da ecologia e justiça social. É autor das Leis da Compostagem, Política Municipal da Agroecologia e Produção Orgânica,  Floripa Zona Livre de Agrotóxicos e Direitos da Natureza;

Nilto Tatto – deputado federal pelo PT-SP, é coordenador da Frente Parlamentar Mista de Apoio aos ODS;

Edna Della Nina – jornalista, feminista e dirigente partidária em Paulínia (SP), vai mediar o debate.

Para anotar na agenda: Fala FADS Porque ainda comemos, bebemos e respiramos veneno?, dia 02/02, a partir das 18h30, na TV GGN (https://www.youtube.com/c/TVGGN). Para saber mais sobre a FADS, acesse nosso perfil, https://www.facebook.com/falafads.

Redação

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