O choque entre conservação e desenvolvimento, por Marcelo de Lima

Embora as contradições internas do Brasil justifiquem um escrutínio rigoroso, a inadequação da ação ambiental não é exclusivamente brasileira

Joédson Alves – Agência Brasil

Um adendo à matéria “O governo Lula e o ambientalismo fraco, por Aldo Fornazieri” enviado por Marcelo Gonçalves de Lima. O autor comentou editoiral do Science, com uma carta, que foi publicada. Eis o texto a seguir:

Um Corolário para a “COP 30: As políticas brasileiras precisam mudar

Marcelo Gonçalves de Lima, Biólogo da Conservação e Pesquisador – Centro de Conservação de Grandes Paisagens

O editorial de Fearnside e Leal Filho destaca, com razão, a urgência de abordar o desmatamento, a perda de biodiversidade e as mudanças climáticas no Brasil. Sediar a COP 30 em Belém atraiu a atenção global para um país de vasta complexidade ecológica — de florestas tropicais a savanas, áreas úmidas e planícies — que, como Tom Jobim notou, “não é para iniciantes”. No entanto, embora o editorial enfatize as deficiências ambientais do Brasil, sua análise corre o risco de ser simplificada demais ao atribuir políticas de altas emissões exclusivamente a todos os poderes do governo, fora do Ministério do Meio Ambiente e Mudanças Climáticas (MMA).

Uma complexa interação de agendas concorrentes marca a governança brasileira. Por exemplo, enquanto órgãos ambientais como o IBAMA e o ICMBio, em coordenação com órgãos como a Polícia Federal, aplicam rigorosamente a legislação ambiental, outros ministérios — incluindo Transportes, Agricultura, Minas e Energia, e notadamente o Ministério da Fazenda, por meio de sua liderança no Plano de Transformação Ecológica — promovem estratégias de desenvolvimento que, por vezes, conflitam com os objetivos ambientais. O Plano de Transformação Ecológica visa promover o crescimento econômico sustentável, integrando avanço tecnológico, sustentabilidade ambiental e distribuição justa de renda. Sua existência ilustra claramente que a política ambiental no Brasil não é competência exclusiva do MMA, mas parte de uma agenda nacional mais ampla que confronta imperativos reais de desenvolvimento.

Debates sobre infraestrutura ilustram ainda mais essa dicotomia. O caso da BR-319 mostra que repetidas tentativas de repavimentação da rodovia encontraram forte resistência de órgãos ambientais e da sociedade civil, todas amparadas por sólidos marcos legais. Da mesma forma, a controvérsia sobre a perfuração de petróleo ao longo da Margem Equatorial reflete um cabo de guerra entre desenvolvimento econômico e salvaguardas ambientais, já que o IBAMA negou licenças e emitiu recomendações técnicas cautelosas.

Estudos recentes trazem nuances adicionais. O artigo “Enterrando água e biodiversidade por meio da construção de estradas no Brasil” demonstra que projetos de infraestrutura podem impactar severamente os regimes hidrológicos e a integridade ecológica, desafiando afirmações simplistas de que tais projetos servem apenas ao progresso econômico. Da mesma forma, “A rotatividade de espécies não resgata a biodiversidade em paisagens fragmentadas”, de Gonçalves-Souza et al., mostra que o aumento da diversidade beta em habitats fragmentados não compensa as perdas de biodiversidade local e em escala paisagística. Essas descobertas enfatizam que uma avaliação científica rigorosa e interdisciplinar é essencial para a compreensão dos custos reais do desenvolvimento.

Além disso, o fracasso global em atingir as Metas de Biodiversidade de Aichi (Secretariado da CDB, 2020) exemplifica os desafios sistêmicos que até mesmo as nações mais ricas enfrentam na implementação de medidas eficazes de conservação. Esse contexto enfraquece ainda mais as críticas simplistas que apontam o Brasil como excepcionalmente deficiente.

Em última análise, embora as contradições internas do Brasil justifiquem um escrutínio rigoroso, a inadequação da ação ambiental não é exclusivamente brasileira. Nações mais ricas também não conseguiram atingir as metas de biodiversidade e clima, apesar de suas maiores capacidades. Se a comunidade internacional espera que o Brasil desempenhe um papel central na prevenção de pontos de inflexão planetários, ela também deve apoiar o desenvolvimento sustentável do país por meio de políticas integrativas e mecanismos de financiamento substanciais. Estratégias construtivas e contextualizadas — baseadas em evidências científicas rigorosas — são essenciais para conciliar o crescimento econômico com a conservação do inestimável patrimônio natural do Brasil.

Referências

Secretaria da CDB (2020) Global Biodiversity Outlook 5. Montreal: Secretaria da CDB. Disponível em: https://www.cbd.int/gbo5 (Acesso em: [inserir data]).

Fearnside, P.M. e Leal Filho, W. (2025) ‘COP 30: As políticas brasileiras devem mudar’, Science, 387(6740), p. 1237.

Ministério da Fazenda (2023) New Brazil: Ecological Transformation Plan. [online] Disponível em: https://www.gov.br/fazenda/pt-br/acesso-a-informacao/acoes-e-programas/transformacao-ecologica/novo-brasil-ecological-transformation-plan/novo-brasil-ecological-transformation-plan (Acessado em: 04/04/2025)

Rosa, C., Secco, H., Gonçalves da Silva, L., Gonçalves de Lima, M., Gordo, M. e Magnusson, W. (2021) ‘Soterrando água e biodiversidade por meio da construção de estradas no Brasil’, Conservação Aquática: Ecossistemas Marinhos e de Água Doce. doi: 10.1002/aqc.3544.

Gonçalves-Souza, T., Chase, J.M., Haddad, N.M., Vancine, M.H., Didham, R.K., Melo, F.L.P., Aizen, M.A. et al. (2025) ‘A rotatividade de espécies não resgata a biodiversidade em paisagens fragmentadas’, Nature. Doi: 10.1038/s41586-025-08688-7.

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