
O governo Lula e o ambientalismo fraco, por Aldo Fornazieri
Há um evidente mal-estar entre os ambientalistas e o governo Lula. Esse mal-estar agora chegou ao editorial da revista Science, que junto com a Nature é considerada uma das revistas científicas mais importantes do mundo. Em seu último editorial, a revista é categórica: ao chamar a atenção sobre a importância da COP30 para tentar evitar a inflexão das mudanças climáticas para um ponto de não retorno, afirma que não basta preservar florestar. É preciso uma eliminação rápida da combustão de combustíveis fósseis.
E, neste ponto, “o anfitrião, o Brasil, não está liderando pelo exemplo”. Pelo contrário: “Com exceção do Ministério do Meio Ambiente e das Mudanças Climáticas do Brasil, particularmente todos os outros ramos do governo do país estão promovendo atividades que aumentam a emissão dos gases de efeito estufa”, afirma categórico o editorial.
A revista arrola várias iniciativas do governo, já em execução ou que deverão ser executadas, como exemplos de patrocínio de danos ao meio ambiente, descompromisso e promoção de atividades que aumentam a emissão de gases de efeito estufa.
Um dos exemplos é o projeto liderado pelo Ministério dos Transportes que pretende desmatar grandes áreas da floresta amazônica para viabilizar 408 Km da rodovia BR-319 (Manaus-Porto Velho) e várias estradas vicinais. Estudos mostram que o impacto de produção de carbono desse projeto é desastroso e vai no sentido de produzir pontos de não retorno. Todos sabem a devastação destrutiva que esses projetos provocam. Ademais, trata-se da continuidade do projeto estratégico destrutivo que foi adotado à época da ditadura militar para a região amazônica. Agora, essa continuidade é liderada por um governo que se diz progressista e comprometido com a preservação ambiental.
Já o Ministério da Agricultura, denuncia a revista, subsidia a transformação de pastos em produção de soja, impulsionando o desmatamento, já que os pecuaristas vendem as terras valorizadas para a produção da oleaginosa e buscam terras mais baratas para serem desmatadas. “Cada hectare de pasto convertido em soja pode causar vários hectares de desmatamento”, assevera o editorial.
O Ministério das Minas e Energia, por sua vez, vem abrindo novos campos de petróleo e gás na floresta amazônica. O mais grave e polêmico projeto é o da exploração de petróleo na foz do Rio Amazonas, que conta com o apoio e a pressão explícita do presidente Lula para a sua implementação. Quer dizer: a Petrobrás e o governo Lula investem pesado na produção de gases de efeito estufa e na produção de desastres climáticos.
O governo Lula parece ter se esquecido rapidamente dos grandes desastres ambientais que castigaram o Brasil em 2024. A tragédia do Rio Grande do Sul está completando um ano. As perdas materiais, humanas e emocionais são absurdas. Se o poder público tivesse investido R$ 10 bilhões em prevenção, boa parte dos estragos seriam evitados. Até agora, o governo federal já investiu mais de R$ 100 bilhões na reconstrução e mitigação das perdas. Em que pese esta dura lição, o governo Lula fecha os olhos e insiste em gastar o dinheiro do povo em destruição para, depois, gastar ainda mais em reconstrução. Trata-se da absurda receita do desastre, do descompromisso com o país, como povo, com a natureza, com a vida e com o planeta. A história não deixará impune esse descompromisso do governo.
O risco do aumento da temperatura escapar do controle humano é real e vem sendo projetado por vários estudos científicos de diferentes centros de pesquisa. Na média, o ano de 2024 já atingiu 1,5ºC acima da temperatura média da era pré-industrial. Projeções de modelos indicam que estamos caminhando para 3ºC. O risco da perda da floresta amazônica com o crescimento do aquecimento também é real. A precipitação hidrográfica na bacia que abastece a grande São Paulo depende da floresta amazônica numa porcentagem que varia de 16% a 70% a depender do ano.
A redução da floresta amazônica está afetando e afetará cada vez mais a disponibilidade de água no Sudeste. O semiárido do Nordeste tende a se tornar deserto e a costa atlântica sofrerá impactos de tempestades violentas e a elevação dos níveis das águas. Em 2024, a seca atingiu, de forma variada, 80% do território nacional. Muitas regiões ficaram até 120 dias sem precipitação de chuvas.
O ano foi marcado também pela perda de 400 mil hectares de água de superfície, de acordo com o MapaBiomas. A hidrelétrica de Belo Monte ficou parte do tempo quase parada por conta da severidade da seca. O Rio Araguaia está agonizando. Asfixiado, soterrado, corre para a morte. Além das perdas humanas e materiais, os eventos climáticos afetaram a produção de alimentos impulsionando a inflação que atingiu de forma mais dura as populações mais pobres.
Os ganhos obtidos no ano passado com a redução do desmatamento foram praticamente anulados pelas queimadas. As queimadas representaram mais uma evidência do ambientalismo fraco do governo: ele foi obrigado a agir e elaborar planos de combate ao fogo por determinação do ministro do STF, Flavio Dino. Em mais um desnudamento do descompromisso e passividade do governo, agora Dino determinou que os indígenas sejam indenizados pela construção da hidrelétrica de Belo Monte. A União deverá repassar 100% do que é repassado pela concessionária ao Estado.
Boa parte das leis e dos planos nacionais de proteção de diferentes ativos naturais ainda não saíram do papel. Enquanto isso, a degradação das terras, das florestas, dos biomas, dos rios e dos mares se intensificam. O governo não só não é ativo, mas, como afirmou a revista Science, acelera a crise.
Os povos indígenas continuam abandonados, esquecidos pelo Estado. Doentes, são perseguidos e assassinados por madeireiros, grileiros e garimpeiros. As organizações criminosas se expandem pelas florestas e rios. O Estado é o grande ausente, o estimulador omisso de toda espécie de crimes. As madeiras das reservas são roubadas à luz do dia. Os próprios povos são obrigados a se organizarem para defender suas terras e suas matas. Se o Congresso Nacional age deliberadamente pelo extermínio dos indígenas, o governo e o STF são seus sócios pela omissão, letargia e descaso na demarcação de reservas.
O metro para medir o compromisso ambiental do governo Lula não pode ser o que faz em relação ao governo Bolsonaro. O governo corre o risco de chegar na COP30 com a marca de um compromisso ambiental fraco. Para evitar essa imputação precisa reorientar rapidamente suas políticas estratégicas na área. Precisa abandonar os incentivos que estimulam o desmatamento e precisa assumir um compromisso claro com a redução da produção e uso de combustíveis fosseis. O compromisso só será efetivo se apresentar um plano nacional com metas das reduções definidas no tempo. Se o Brasil quiser ser líder ambiental global, terá que liderar pelo exemplo, que deve ser sacramentado em compromissos concretos.
Aldo Fornazieri – Professor da Escola de Sociologia e Política e autor de Liderança e Poder.
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Este Aldo sempre vê o copo meio vazio em relação ao governo Lula. É muito insuportável de ler, começo e desisto até o segundo parágrafo. Vai ser pe frio assim no governo anterior
E por acaso o que este desgoverno tem de bom ? Além de impostos e perseguição política? Cadê a picanha? O povo nem ovo ,nem picanha, nem banana…
Esse diretor de órgão público está fazendo o jogo da extrema direita, e Trump está salivando so em pensar que basta colocar um fantoche bolsonarista na presidencia pra se apoderar de vez daa nossas riquezas
O que faria esse fantoche senão dar uma de Milei e extinguir o Ibama no dia da posse? Se esqueceram que sob Bolsonaro os fiscaia do Ibama eram proibidos de fiscalizar?
Acorda Braail, nada a ver com protwção ambiental esse jogo sujo do presidente do Ibama, a Margem Equatorial fica a 500 km da foz e nao ha recifes de coral por la, e a Guuana ja suga o pwtroleo brasileiro com o canudinho e se tornou uma Dubai
Por mais que a posição de Lula seja explicada por agradar gregos e baianos e adotar uma postura conciliatória ao estilo José Múcio Monteiro Filho, o julgamento internacional será implacável e irrefutável. E ainda há boa possibilidade de a efetiva exploração das jazidas não se concretizar, segundo a linha do tempo lógica deste projeto conflitar com início do fim da exploração e utilização do petróleo como fonte de energia.
A Science publicou o meu corolário ao editorial do Fernside e Leal Filho.
de Lima, M. G. (2025, April 4). A Corollary to “COP 30: Brazilian policies must change” [eLetter]. Science. https://www.science.org/doi/10.1126/science.adu9113
Basicamente, o editorial toca em pontos importantes sobre a urgência de combater o desmatamento e a crise climática no Brasil, mas peca por generalizações. Atribuir políticas de altas emissões a “todos os ramos” do governo exceto o MMA ignora a complexidade institucional brasileira. Órgãos como IBAMA, ICMBio e até a Polícia Federal atuam com firmeza na proteção ambiental, muitas vezes enfrentando pressões de outros setores.
Além disso, iniciativas como o Plano de Transformação Ecológica, liderado pelo Ministério da Fazenda, mostram que o debate ambiental não se restringe ao MMA. Casos como o da BR-319 e a perfuração na Margem Equatorial demonstram que há conflito, sim, mas também resistência e fiscalização — sustentadas por uma base legal robusta.
Por fim, criticar o Brasil sem considerar o fracasso global no cumprimento das Metas de Aichi revela um viés injusto. Países mais ricos, com muito mais recursos, também falharam. Se queremos que o Brasil seja protagonista na COP 30, o apoio internacional ao seu desenvolvimento sustentável precisa ser mais do que retórico.
Marcelo Lima