20 anos sem Oracy Nogueira, por Rafael Balseiro Zin

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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20 anos sem Oracy Nogueira (1917-1996)

Por Rafael Balseiro Zin

Neste 16 de fevereiro de 2016, recordamos os 20 anos de falecimento do sociólogo paulista Oracy Nogueira (1917-1996), autor de uma das mais importantes análises sobre as dinâmicas que circundam o preconceito racial existente contra a população negra no Brasil, e que foi elaborada em meados de 1950, momento em que as ciências sociais iniciavam o seu processo de institucionalização no país. Natural da cidade de Cunha, interior do estado de São Paulo, Oracy inaugurou sua trajetória acadêmica, aos 23 anos, no curso , oferecido pela então Escola Livre de Sociologia e Política de São Paulo (ELSP), onde entrou em contato com professores estrangeiros de renome internacional, como Donald Pierson, Radcliffe-Brown e Emílio Willems, além dos brasileiros Sérgio Milliet e Mário Wagner Vieira da Cunha, responsáveis diretos por sua formação.

Na ELSP, realizou pesquisas originais e que entrariam para a história das ciências sociais no Brasil. A primeira delas, foi sua dissertação de mestrado, defendida, em 1945, e que resultou no livro Vozes de Campos de Jordão, cujo objetivo principal foi caracterizar a vida dos tuberculosos habitantes da cidade, que ficou bastante conhecida, na primeira metade do século XX, por ser considerada uma estação de cura, devido ao seu clima seco e ameno. A segunda pesquisa, de maior fôlego e importância, foi empreendida entre os anos de 1942 e 1955 e resultou, tempos depois, em seu livro Tanto preto quanto branco. Para discutir sobre o processo de discriminação racial existente no Brasil, num período em que vigorava, aqui e no exterior, a ideia de uma absoluta harmonia entre brancos e negros, Oracy Nogueira apresentou, como contribuição original, as definições dos conceitos de “preconceito de marca” e “preconceito de origem”, elaborados a partir dos estudos comparados entre o Brasil e os Estados Unidos.

Em nossa sociedade, de acordo com o sociólogo, o preconceito e a exclusão racial estão muito mais ligados à aparência do que à origem biológica ou étnica dos indivíduos, enquanto que, na realidade norte-americana, essa mesma lógica funcionava inversamente. No Brasil, por exemplo, quanto mais escura é a cor da pele e mais pobre é o sujeito, maior é a tendência de ele ser excluído do modelo socioeconômico estabelecido. Do contrário, quanto mais clara for a cor da pele e mais aparentemente endinheirado, menor será a discriminação e, consequentemente, maiores serão as oportunidades. Por mais simples que esta ideia possa parecer num primeiro momento, ela revela, em essência, como as diferenças raciais se estabelecem no Brasil, a partir de configurações cromáticas e econômicas, influenciando, acima de tudo, os processos de maior ou menor aceitação do negro na sociedade brasileira.

Oracy Nogueira pertence a uma geração de intelectuais cuja trajetória de vida se entrelaça com a das ciências sociais no país. Em 2007, cerca de dez anos após sua morte, seus arquivos constituíram o Fundo Oracy Nogueira, que está sob os cuidados do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Nestes exatos 20 anos de seu falecimento, portanto, com todo o respeito e admiração que lhe é devido, devemos nos lembrar de suas valiosas contribuições e de seu importante legado para a edificação do pensamento social no Brasil.

Rafael Balseiro Zin – Mestrando em ciências sociais e sociólogo pela FESPSP, com especialização em Estudos Brasileiros: sociedade, educação e cultura. Ele é membro do Núcleo de Direitos Humanos da FESPSP. pesquisador, do Núcleo de Estudos em Arte, Mídia e Política (Neamp). Tem experiência nas áreas de Sociologia, Estudos Culturais e Estudos Literários. Atuando com os seguintes temas: pensamento social brasileiro; trajetória intelectual dos escritores negros no Brasil; literatura de autoria negra e feminina no Brasil; literatura abolicionista escrita por mulheres no Brasil dos oitocentos; literatura afro-brasileira e resistência; história da população negra no Brasil; e políticas de promoção da igualdade racial.

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

2 Comentários

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  1. Desdobramentos

    Oracy Nogueira é hoje um outsider fora de moda.

    Isso não é uma condenação. É uma avaliação. Acrescento o que não está evidente: uma avaliação melancólica.

    Ontem mesmo eu fiz um comentário aqui no blog, de onde extraio um trechinho, por meio do qual talvez fique mais evidente por que formulações como a de Oracy Nogueira sobre racialidade estão “fora de moda”.

    Em certa medida, esse tipo de argumentação que fiz não deixa de ser uma forma de pretender “receber o bastão” das ideias do velho mestre e tentar levá-lo um pouco mais adiante no terreno que hoje palmeamos. Vai o trecho:

    Racismo e homofobia são traços salientes dessa boçalidade intolerante, cevada no contexto de uma sociedade oligárquica, movida pela lógica do privilégio e de uma pretensa “hierarquia natural” como princípio de ordenamento da sociabilidade.

    O que se quer hoje em dia, na pauta de uma certa retórica pós-moderna da reificação dos particularismos, é inflacionar os traços, como se eles é que fossem os determinantes, quando, na verdade, são alocados e determinados por um contexto (que os pós-modernos não querem ver, simplesmente porque eles têm urticária diante de qualquer coisa que insinue ser “estrutural” — ou estruturante).

    O determinante, na história social brasileira, é a lógica do privilégio, e não o racismo ou a homofobia. Esses são traços especificados, e variam de contexto para contexto.

    Outros traços circunstanciais podem ser também eventualmente mobilizados, mas eles só funcionam porque o molde é a lógica do privilégio e, por extensão, da exclusão… e, por extensão, da estigmatização da diferença… diferença diante do padrão ideal dos privilegiados.

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