Com acréscimo às 12:13
A morte de Antônio Delfim Netto priva o Brasil do maior de seus economistas. E digo isso na condição de crítico constante de Delfim, enquanto Ministro, menos no período do chamado “milagre econômico” – porque iniciava carreira -, mais no governo João Figueiredo, quando já me soltava mais no jornalismo econômico, no período Jornal da Tarde.
Na época, Delfim salvara o Estadão de uma crise terminal, ao permitir a bancos utilizarem parte dos depósitos compulsórios para um empréstimo ao jornal. Em crise, o Estadão era dirigido por Miguel Jorge e Júlio César de Mesquita, o primogênito de Júlio Mesquita Neto, e o menos preparado da sua geração.
Uma vez por mês, o jornal mandava a Brasília uma equipe de jornalistas, para uma entrevista laudatória a Delfim. A última foi ilustrada de forma constrangedora por uma charge, mostrando Delfim como o Super Homem.
Percebendo o desgosto de Ruy Mesquita – que dirigia o Jornal da Tarde – propus ao Ruizito, seu primogênito:
- Se seu pai quiser acabar com esse oba-oba com o Delfim, me mande na próxima coletiva.
E fui.
A entrevista foi marcada para as 7 da manhã. Segundo as más línguas, Delfim sempre marcava bem cedo, para pegar os jornalistas com sono.
Nos meses anteriores, passei a desenvolver uma série de temas críticos à política econômica, mas que ficavam restritos ao Jornal da Tarde, diário de enorme prestígio em São Paulo. Recorria aos estudos da ANPEC (Associação Nacional de Pesquisa Econômica) e nas conversas com empresários, exercitando o óbvio: conferindo com os agentes econômicos os movimentos que a teoria buscava induzir neles. Se eles não se comportavam conforme a teoria, o erro estava na teoria.
Esse axioma, por mais óbvio que fosse, jamais foi seguido pelo jornalismo econômico de várias épocas, com raríssimas exceções.
Por isso mesmo, Delfim estava desprevenido, achando que a entrevista seria o padrão bola-levantada das outras vezes. Foi a única razão para ser apanhado seguidamente no contrapé.
Um dos temas levantados foi sobre a nova lei salarial, que reajustava em apenas 70% da inflação semestral os salários maiores.
Outro foi sobre a mudança no financiamento da Previdência. Até então, o Estado entrava com um terço, através de um imposto que incidia sobre gasolina. Delfim eliminou o imposto e dizia que o governo está repondo os recursos através do orçamento. Rebati com um estudo do Luciano Coutinho mostrando que não houve aporte de recursos orçamentários.
Depois, alegou que as taxas de juros estavam em determinado patamar. Disse-lhe que não, baseado em um banco de dados da carta Análise Econômica. Ele desafiou:
- Mostre.
Disse-lhe que não tinha na hora, mas que mostraria junto com a edição da entrevista.
Terminou com Delfim tentando empurrar otimismo a fórceps:
- Quando voltarem a São Paulo, voltem de carro para olhar as plantações, o tamanho das frutas, a extensão do plantio.
Disse-lhe que ele estava pretendendo substituir as pesquisas do IBGE pelo “olhômetro”
A entrevista saiu no Estadão, cortando todos os momentos de aperto de Delfim. Mas no JT conseguimos preservar grande parte dos foras.
A reação de Delfim foi telefonar para Robert Appy, editor de Economia do Estadão, para perguntar quem era eu. Não pediu minha cabeça.
A década perdida
Nos tempos do “milagre”, o crescimento foi turbinado com aumento do endividamento externo. E a frase preferida de Delfim era que “dívida não foi feita para ser paga, mas para ser rolada”.
Com a primeira crise do petróleo, veio o primeiro alerta para a insustentabilidade do modelo. Delfim driblou os índices de inflação através de uma manipulação engenhosa: sabia quais estabelecimentos eram consultados pela FGV e, na véspera da consulta, colocava produtos a preços mais baratos.
A jogada foi descoberta.
Ernesto Geisel assumiu com a inflação em alta e os financiamentos externos ameaçados. O grupo de Médici o tratava como “pé frio”. Politicamente, não encontrou condições de reduzir o ritmo de crescimento.
Coube ao Ministro da Fazenda Mário Henrique Simonsen prosseguir em um pesado esquema de endividamento, com Paulo Lyra, presidente do Banco Central, e Fernão Bracher, diretor da Área Externa do BC, insistindo na tese da dívida para ser rolada.
Quando entrou, João Baptista Figueiredo forçou Simonsen a implementar uma nova lei salarial, prevendo reajustes semestrais. A indexação se propagou por todos os setores e a inflação explodiu.
O que Simonsen fez foi pedir o boné e deixar a bomba para o sucessor. E o indicado foi Delfim, até então Ministro da Agricultura de Figueiredo. Por isso mesmo, é injusto atribuir só a Delfim a grande crise dos anos 80.
Mas a forma como reagiu, efetivamente, foi desastrosa.
Delfim aplicou o primeiro choque da era moderna, com um pacote inspirado em seu colega da Faculdade de Economia, Adroaldo Moura da Silva.
Consistia em uma maxidesvalorização de 30%, seguida pelo congelamento de todos os indexadores, correção monetária e câmbio – este sendo corrigido em 0,5% ao mês para estimular as exportações.
Não houve o aumento das exportações. A explicação de Delfim é que os exportadores estavam aguardando o meio por cento se acumular. Na entrevista, expus a Delfim argumentos que já publicara no jornal, a partir de conversas com exportadores. As exportações brasileiras eram negócios de oportunidade. Não dava para segurar o contrato, aguardando a melhoria do câmbio. Ninguém ousava fechar contratos, por não saber se o congelamento da correção monetária seguraria os preços dos insumos.
A partir daí, houve uma política econômica desesperada para apagar incêndios. Com inflação interna, contas externas em pandarecos, Delfim passou a utilizar as estatais para fechar as contas, enquanto esperava a consolidação dos investimentos efetuados durante o 2o Plano Nacional do Desenvolvimento.
Em 1985, o país já completara o seu ciclo de desenvolvimento e as contas começaram a entrar no lugar – com exceção da inflação e das contas externas.
O intelectual
Delfim deixou o governo e, nas décadas seguintes, se transformaria no mais completo pensador econômico do país.
Quando Simonsen morreu, foi saudado como o maior economista brasileiro. Escrevi uma coluna na Folha sustentando que o maior era Delfim.
Simonsen era um esteta da economia, só conseguia pensar a economia teoricamente, dentro de um quadro de equilíbrio. Foi um grande desenvolvedor de soluções específicas, como a própria correção monetária. E só. Tinha parco conhecimento sobre a economia real, nada sobre história da economia.
Delfim era superior por vários motivos.
Primeiro, porque dominava os fundamentos da política monetária e cambial, da mesma forma que Simonsen. Mas toda sua análise tinha por objeto o mundo real e a busca de soluções.
Era um profundo conhecedor de história econômica, com teses sobre o café. Conhecia como ninguém a psicologia dos empresários e dos políticos.
Quando perdeu definitivamente a ambição do poder, abriu espaço para o velho sábio, que tornou-se um guru imprescindível, respeitado por economistas de todas as linhas.
Deixou uma mancha irremovível de sua biografia: coube a ele ser o principal arrecadaor de recursos para a infame Operação Bandeirantes, responsável por mortes e torturas.
LUÍS NASSIF
Publicado em 10 de janeiro de 1997
A cada período, intelectuais de maior renome do período anterior passam a disputar o título de guru das novas gerações. Depois de diluído o pesado maniqueísmo que marcou a discussão econômica, as disputas estão entre os professores Antonio Delfim Netto e Mário Henrique Simonsen.
Simonsen é o guru de uma espécie de pensamento econômico moldado em torno do mercado financeiro; Delfim, de um pensamento econômico mais industrialista, que inclusive levou-o ser considerado “economista do ano” em votação da Ordem dos Economistas de SP -que sempre lhe foi crítica nos últimos 15 anos.
No poder, foram diametralmente opostos.
Embora dos brasileiros mais inteligentes de seu tempo, não se pode dizer que Simonsen tivesse um projeto de país na cabeça. Tanto que, mesmo sendo intelectualmente mais brilhante que João Paulo dos Reis Velloso -seu colega de ministério no governo Geisel- e tendo com o marechal relações quase filiais, foi incapaz de defender um modelo de economia de mercado que pudesse se contrapor ao dirigista do seu pertinaz colega.
No período posterior, em que uma inflação renitente tornava quase inúteis todos os instrumentos de política econômica, Simonsen recorria exclusivamente à abordagem monetária e cambial para explicar algo tão grandiosamente complexo como a economia brasileira -com setores modernos e anacrônicos convivendo simultaneamente.
Já Delfim, mais do que mero economista, tinha a pretensão de redesenhar o país. Era uma visão sujeita a inúmeras críticas, mas era uma visão.
No primeiro reinado, governo Médici, foi uma espécie de Marquês de Pombal brasileiro. Sonhava criar uma elite industrial que conduzisse o país ao seu destino de glória.
Criou a elite com financiamentos a fundo perdido, incentivos fiscais abundantes, sem seletividade e sem controles e reservas de mercado. O fator competitivo se daria por meio do modelo exportador, que obrigaria essa vanguarda a pautar sua produção por critérios internacionais de qualidade e preço.
No curto prazo, logrou atingir seus objetivos.
Mas, da mesmíssima maneira que no Portugal pombalino, o modelo trazia em si o germe de sua autodestruição -que era a falta de um ambiente competitivo interno, que permitisse a renovação permanente dos empreendedores nacionais.
Havia pouco espaço para os de fora da avenida Paulista.
Sem esse ambiente, o modelo não conseguiria sobreviver ao criador -Pombal ou Delfim.
No segundo reinado, no governo Figueiredo, Delfim foi autor de alguns desastres, além de jamais ter demonstrado paciência para plantar reformas.
Mesmo assim, o conhecimento de país e de economia que acumulou é insuperável e vai muito além da mera macroeconomia. Passa pela agricultura, política industrial, a natureza do empresário brasileiro, os humores do Congresso Nacional, o universo da microeconomia, os mecanismos de comércio exterior, além de uma capacidade didática extraordinária. De longe, sua crítica sobre o Real e o câmbio foi a mais completa.
Pesa contra Delfim apenas a paixão política que o leva, por vezes, a subordinar a análise econômica a conveniências partidárias.
E viva Ignácio Rangel que, sem ser estrela, foi o que melhor ajudou a pensar o novo.
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“Consistia em uma maxidesvalorização de 30%, seguida pelo congelamento de todos os indexadores,(…)” Quatro amigos tiveram prejuízos colossais. Mal saiu vultosos empréstimos dolarizados, via Bradesco, veio a maxi. Dois deles foram completamente à falência.
Mas… se até Maria da Conceição Tavares, contrariada confessa, elogiou Delfim, quem seria eu para lhe ter reservas?
Figura ímpar.
Despede-se o Brasil de um grande servidor.
FOI VOCÊ QUE DEU FIM, DEU FIM, DEU FIM.
O safado colou o FMI na nossa cacunda travando o Pais empobrecendo o POVO por trinta anos e esquerda ainda idolatra esse vagabundo?
Também gostaria de saber sobre essa questão. Meu pai (economista de formação mas professor de profissão) sempre fez comentários amargos sobre Delfim. Me é difícil pensar que essa pessoa tinha um projeto de nação na cabeça. Enfim.
Morre a última figura relevante do Regime Militar.
Socialista Fabiano, ele se dizia.
O Brasil é cheio de contradições, como país não podemos jamais prescindir dos conhecimentos e inteligência de nossas cabeças mais brilhantes. Existem muitas, algumas galgam postos de muito relevo, mas temos e sempre teremos poucas garantias sobre seus pensamentos e ações. A inteligência e o conhecimento não garante os melhores objetivos nem os melhores resultados. Se apaixonam por linhas de pensamento e escolas, alguns poucos criam suas próprias linhas. Servem há muitos patrões, alguns se tornam funcionários públicos e outros servidores públicos. A descrição de Nassif mostra o conhecimento e a inteligência de Delfim servindo a diversos senhores e momentos no país. Sendo um economista preocupado com a industrialização e a produção serviu muito bem ao mercado e ao capital financeiro. Trabalhou bem com a visão estatista de mas contribuiu muito para a implantação da visão de mercado financeiro, do monetarismo isto é do neo-liberalismo. Em sua essência,uma metamorfose ambulante, Delfim foi um brilhante funcionário público que serviu a muitos governos: militares, psdb e pt. Soube sempre se reinventar, e talvez FHC tenha copiado dele a frase: esqueçam o que escrevi.
todo o estardalhaço para tentar esconder que o Brasil tem um dos piores índices de desenvolvimento humano do planeta. e a “esquerda” preocupada com identitarismo que, na verdade, foi embrião dos movimentos sociais.
pois é, coyote, cê não viveu inflação de 80% ao mês (ao mês!), não viveu os anos de chumbo, nao ficou 24 horas no DOPS incomunicável (aos 15 anos). as digitais do mago em tela estavam nos períodos. deve ser o catolicismo nacional que não deixa ver sem piedade quando um morre.
Elogiar Delfim é validar toda uma vida que causou inúmeros prejuízos à população, beneficiando a elite financeira. Um desserviço essa bajulação. Muito melhor o artigo do Mario Sabino, que ainda respeitou além da conta.
Nassif peguei o gosto de ler vendo o meu pai lendo o JT q aliás fechou de forma sinistra gostaria q vc explicasse aqui o pq ou contasse sempre os bastidores de lá,esse jornal era de vanguarda muito prazeroso e interessante de ler estava formando geração de leitores jovens tipo pupularizando aí PUUUM FECHOU !!!Obs.:TEVE FORÇAS OCULTAS ????
Eu ia meter o pau no artigo mas depois que li os comentários entendi que não era necessário. Quanto a afirmação de que Delfim seria o maior economista brasileiro, francamente. Apenas um oportunista que nada fez pelo Brasil além de se locupletar de seus cargos públicos. Várias gerações sofreram por conta do emprego de suas teorias econômicas como se fossem instrumentos de tortura coletiva. Já vai tarde!
Enfim o tempo deu fim no Delfin. Haja paciência! De minha parte, já vai tarde. Nunca lhe tive o menor apreço. De lembrança, só a invenção da “carona solidária” nos tempos da crise do petróleo. Ah! sim, e que também não sabia diferenciar um chuchu de uma beringela quando foi nomeado ministro da agricultura. Mencione-se o seu comentário às empregadas domésticas quando elegantemente se pronunciou : “quem teve esses animais, teve, quem não teve, não terá mais.” Há quem diga que foi um “elogio” à legislação que regularizou a profissão das empregadas domésticas.
Digo, berinjela.
O Delfim Netto foi um grande economista e fez o Brasil crescer como em nenhuma outra época , desde então .
O êrro do Brasil , como de vários outros países foi ter se endividado em dólares, moeda que não temos controle sobre , e em juros ditados por uma grande potência .
Houvesse feito endividamento internamente através do Tesouso , sob juros controlados por nós , o Brasil e vários outros países em desenvolvimento, não teria perdido o controle de sua economia e sua Soberania.
Principalmente nos governos seguintes , em que foram sendo infiltrados por vendedores das nossas máquinas de criar riquezas , com as privatizações entreguistas criminosas e antipatrióticas .
Este senhor atochou o país de emprestimos jumbos, passamos mais de três décadas falando em dívida externa por causa dele, produziu a maior desigualdade em pouco tempo, foi signatário do AI 5 e disse que assinaria de novo. Esquerda vergonhosa, é de dar nauseas, só sinto pelos que perderam a vida na luta, continuam sendo usados e desonrados.
Como se os americanos deixassem a gente controlar a nossa economia. Ele só está sendo elogiado pelos capitalistas de escol porque seguiu a corrente. Dinheiro, como sabemos, não aceita desaforo.
Impressionante, no Brasil quem serviu com louvor e assinou ato que agravou os horrores de uma ditadura militar vai para o céu.
E ainda recebe pedido d3 desculpas …
Morreu um canalha. Gostando ou não teve grande participação na vida do País. Mas como disse Ulisses Guimarães: “Temos ódio e nojo à ditadura”, e aos seus filhotes.