
No discurso midiático da polarização, a vítima também é culpada por “polarizar”
por Wilson Roberto Vieira Ferreira
Diante da adversidade de ver Lula livre dos cárceres da PF de Curitiba, a grande mídia rapidamente buscou uma mais-valia semiótica: criou o discurso da “polarização” – Lula livre faria crescer a “radicalização”, atrapalhando as “reformas” que fariam a economia “crescer”. O discurso da polarização criou toda a mitologia da “terceira via”: o bom-senso, o nem-nem, e toda uma associação de ideias que desmoraliza a política e a militância, enaltecendo o “suprapartidário” e o “ativismo social”. Nesse ano eleitoral, o discurso da polarização ganha novos sentidos estratégicos: empoderar a terceira via para forçar um segundo turno (no qual o consórcio PMiG e grande mídia apontarão seus tradicionais canhões semióticos) e reforçar a pedagogia do medo ao associar a violência política com a polarização – na qual a própria vítima é também culpada por “polarizar”. E mantendo as ruas vazias e as esquerdas presas ao jogo da judicialização.
Até Lula ser solto dos cárceres da Polícia Federal de Curitiba, a grande mídia não falava em “polarização”. Talvez em momentos específicos, como no arremate da guerra híbrida brasileira em 2018, quando apertou o botão “eject” (ao ver que não tinham um “campeão branco” para tocar a agenda neoliberal) e apoiar a “decisão difícil” Bolsonaro.
Aturdida ao ver Lula ser solto e refazer de trás para frente o caminho que o levou à prisão em 07/04/2018 (saiu caminhando do prédio da PF de Curitiba, fez um discurso na Vigília Lula Livre e voltou para São Paulo para um discurso em frente ao Sindicato dos Metalúrgicos, em São Bernardo, onde se entregara um ano antes), a grande mídia entabulou um discurso da qual tirasse algum proveito semiótico da situação adversa: “Lula livre representa um risco, porque o País não precisa de radicalizações e polarizações, justamente nesse momento em que as reformas farão a economia crescer e o emprego voltar…”, rezavam em uníssono os “colonistas” – aqueles jornalistas especializados em “agrojornalismo”, plantando notas de fontes interesseiras.
O discurso de reposicionamento da grande mídia ficou naquele momento cristalizado num quadro que tinha no Fantástico chamado “Isso a Globo Não Mostra”: “Afinal, de que lado ela está?”, perguntava a atriz Lilia Cabral depois de serem mostradas imagens de arquivo de Bolsonaro e Lula atacando a Globo.
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Não obstante o fato de que a grande mídia, na guerra híbrida brasileira (na qual mergulhou de cabeça como partido de oposição), ter deliberadamente açodado todo o “Brasil Profundo” (ódio, racismo, preconceito, intolerância etc.) para apontá-lo contra o PT e a presidenta Dilma, agora o jornalismo corporativo tinha que elaborar uma espécie de discurso da polarização 2.0. Em dois movimentos bem específicos.
Primeiro movimento
Se existe a “polarização”, seria necessário mostrar o seu oposto: o “bom senso”. Então, o jornalismo corporativo começou a operar essa construção semiótica. Problemas sociais e desigualdade passaram a ser nominados como “desafios”; iniciativas para o combate dessas mazelas seriam as “boas práticas” ou “soluções” avaliados por critérios como “eficiência” ou “produtividade”. E seus idealizadores passaram a ser figurados como alguma coisa entre o “empreendedorismo” e o “ativismo social” – militância, ideologia e Estado passaram a ser termos de conotação negativa porque político-partidários.

Isso foi em 2019, época em que o apresentador global Luciano Huck passou a ser incensado como a “terceira via” – a alternativa do “bom moço” que contava com o apoio de organizações como o “Agora!” (oferecendo suporte técnico e intelectual ao apresentador) e o “Renova BR” (fábrica de políticos que oferece bolsa e educação para novatos que queiram migrar para a carreira política).
Foi o início da construção da mitologia “nem-nem” ou “ninismo” em que Huck era uma versão menos caricatural do que o candidato das eleições de 2018 João Almoedo (do NOVO), que mais parecia um candidato a CEO em uma corporação do que postulante à presidência.
Nessa construção semiótica, no campo da polarização estaria tudo que é negativo (ideologia, militância, partido, protestos, incerteza política etc.) e na terceira via o positivo e virtuoso (programa, propostas, suprapartidário, ativismo, justiça, apolítico etc.).
Segundo movimento
Nesse momento, a um mês das eleições, a operação semiótica deve associar mais uma faceta negativa à polarização: a violência política.
O assassinato do tesoureiro do PT, Marcelo Arruda, em Foz do Iguaçu (PR) tornou-se o evento exemplar para essa operação semiótica. Arruda comemorava o seu aniversário com a temática Lula, ex-presidente e pré-candidato do PT à Presidência na eleição de outubro. O homem foi morto a tiros pelo policial penal Jorge Guaranho, apoiador do presidente Jair Bolsonaro (PL) – ele também foi baleado.

O assassinato foi a pedra de toque para esse discurso: o assassinato seria consequência de uma disputa eleitoral polarizada, marcada pela intolerância e divisão na qual não se discutem mais “propostas”, mas tão somente ideologias.
Numa lógica ad absurdum no qual se baseia esse discurso, a culpa passa a ser também da vítima por “polarizar”: quem mandou fazer uma festa de aniversário “polarizada”, tendo Lula como tema…
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p.s. Lula ficou preso 580 dias preso e não um ano.