Cinco novas ferramentas semióticas de manipulação em tempo de paz de cemitério, por Wilson Ferreira

A função de alarme deu lugar ao de autorregulação na grande imprensa dos jornalões e telejornais – manter na normalidade o moral do distinto público e a agenda neoliberal nos trilhos.

por Wilson Ferreira

O Jornalismo possui duas funções no Sistema: alarme (“jornalismo de guerra”) e autorregulação sistêmica (unir o jornalismo à linguagem publicitária e do entretenimento em períodos de “paz” – de cemitério – para manter o equilíbrio e normalidade do cotidiano). Desde o desfecho bem-sucedido da guerra híbrida brasileira com o impeachment de 2016, a função de alarme deu lugar ao de autorregulação na grande imprensa dos jornalões e telejornais – manter na normalidade o moral do distinto público e a agenda neoliberal nos trilhos. As bombas semióticas do período de guerra dão espaço a cinco novas ferramentas do kit semiótico de manipulação da opinião pública: Naturalização, Empirismo, Contaminações Metonímicas, Rocamboles Informativos e Metalinguagem – autorreferência. É como se diariamente o jornalismo afirmasse para nós: “Não olhe muito de perto!”; “Aqui não há nada demais para se ver!”; “1 + 1 é sempre igual a 3”; “A culpa é mesmo do povo” e, diariamente, “Tenha um bom infotenimento!”

“Todas as noites quando vejo o noticiário eu fico feliz… Por que? Porque no noticiário da Globo o mundo está um caos, e o Brasil está em paz… É como tomar um calmante depois de um dia de trabalho”. Essa foi a fala do General Emílio Garrastazu Médici, então o terceiro presidente na ditadura militar, na Festa da Uva de 1972, primeiro evento televisivo transmitido em cores para os poucos proprietários desse tipo de aparelho naquela época.

O Jornalismo, em particular o telejornalismo, vive da presunção da catástrofe. Afinal, dentro do sistema o jornalismo possui a função de alarme: quando necessário (conjunturas de dispersão social que ameacem o equilíbrio sistêmico), o jornalismo dispara os mecanismos de chantagem, paranoia, ameaça e açodamento para provocar a necessidade de autorregulação do sistema – mediante golpes ou conflagrações políticas ou militares.

Mas após a ameaça ser afastada e o sistema se reequilibrar, o jornalismo tende a se aproximar da linguagem dos outros subsistemas do contínuo midiático para reforçar e manter o equilíbrio operacional: os subsistemas das indústrias do entretenimentoe da publicidade. Produzindo aquele efeito que o general-presidente Médici admirava no Jornal Nacional da Globo: o efeito relaxante após um dia de trabalho.

Ou então, o efeito das primeiras páginas dos jornais lembrado por Edward Bernays (o pai das relações públicas e neto de Freud): “a cada cinco notícias, quatro são propaganda… se que saber das coisas, é preferível ir a uma biblioteca pública…” (TYE, Larry, The Father of Spin, Picador, 1998, p.102). 

                   Após o golpe político brasileiro do impeachment de 2016 (depois dos anos do chamado “jornalismo de guerra” no qual a grande imprensa exerceu exemplarmente sua função de alarme), o jornalismo foi “acalmando-se” e aos poucos voltando a se aproximar da linguagem da publicidade e do entretenimento. É o momento da manutenção do equilíbrio operacional de todo o sistema… até o próximo alarme.

 

Edward Bernays: quatro em cada cinco notícias é propaganda

 

Em postagem anterior discutíamos as dez táticas de manipulação midiática das notícias detalhadas pelo linguista Noam Chomsky e o crítico de mídia Edward Herman: Distração, Método Problema-Reação-Solução, Gradação, Sacrifício Futuro, Discurso Infantilizado, Sentimentalismo e Temor, Valorizar a ignorância, Desprestigiar a Inteligência, Introjeção da Culpa e Monitoramento – clique aqui.

 As técnicas apontadas pelos pesquisadores, em sua maioria, referem-se a contextos de crise sistêmica quando a grande mídia assume o modo alarme para alertar de forma manipulativa o público (chantagens, paranoia etc.).

Depois do jornalismo de guerra

Diferente desse cenário, hoje a grande mídia brasileira é premida pela necessidade de manutenção do equilíbrio operacional após o bem-sucedido jornalismo de guerra: o atual governo pode até ter uma retórica belicosa de extrema-direita – confirmada pelo discurso ao estilo Facebook de Bolsonaro na ONU. Afinal, nada mais é do que uma estratégia diversionista de guerra criptografada. Aliás, reforçada pela própria mídia corporativa.

Porém, e o mais importante, Bolsonaro mantém firme as diretivas neoliberais de privatizações, desregulamentações e submissão ao xadrez geopolítico de Trump.

Por essa razão, para a grande imprensa, tudo vai bem e deve ser mantido no equilíbrio e normalidade – como revelou candidamente a deputada Tábata Amaral, podemos até continuar a criticar Bolsonaro pelas questões ambientais, de gênero e da cultura… mas devemos enaltecer os “acertos na economia e infraestrutura” – clique aqui.

Vamos elencar cinco técnicas de manipulação da grande mídia em tempos de “paz” (de cemitério), nos quais não importam os fatos ou notícias: tudo deve ser encarado como normal, mantendo o distinto público esperançoso, fleumático e até confiante. Algo assim como o efeito neurolépticos do Jornal Nacional nos anos 1970, tão agradável para o General Médici.

São técnicas que comprovam aquele mote do premonitório vídeo publicitário do Jornal Folha, lá em 1988: “é possível contar um monte de mentiras dizendo só a verdade”. 

 

 

1- Naturalização ou “não olhe muito de perto!”

A “naturalização” é uma técnica de tratamento dos fatos no sentido de tirar deles peso, impacto ou dramaticidade. Por meio de eufemismos, sorrisos e efeitos de contaminação gestáltica, dilui-se o impacto de acontecimentos cuja causalidade está na crise sócio-política nacional. Dissimulada pela “naturalização” dos fatos.

Os exemplos são diários. Mas podemos destacar três casos exemplares. 

(a) Primeiras horas da manhã. Milhares de pessoas estão no Vele do Anhangabaú, em São Paulo, numa gigantesca fila do “Mutirão do Emprego” organizado por 42 empresas. A extensão da fila é impressionante e os rostos na fila entre a tensão e o cansaço. Sorridente e com a câmera em close (evitando enquadrá-lo no contexto), o repórter fala exultante: “manhã agitada no Anhangabaú!”… como se estivesse cobrindo algum convescote de pessoas que se divertem procurando emprego por diletantismo…

(b) As tarifas de ônibus na grande São Paulo foram reajustadas acima dos índices de inflação. Usuários reclamam. Numa inventiva guinada de 180 graus no “frame” da cobertura jornalística, a Globo transforma um serviço público numa relação de consumo, blindando a luta judicial do governo Bruno Covas para que a tarifa aumentasse de 4,30 para 4,57.

Diariamente começam a entrevistar usuários para saberem se os ônibus chegam nos horários, se são novos e se possuem ar-condicionado. Pronto! Tudo está normalizado, desde que a “qualidade da prestação de serviço” justifique o aumento das tarifas. 

 

Você pode até tirar o dinheiro para pagar a tarifa do seu almoço… mas, pelo menos, o serviço do transporte é de qualidade…

 

(c) O assassinato da menina Ágatha, de 8 anos, com um tiro nas costas disparado por um policial no Complexo do Alemão, RJ, foi outro impactante resultado da política de segurança à base de “snipers” e “tiros nas cabecinhas” defendida eloquentemente pelo governador Wilson Witzel. 

Mas na primeira página do jornal popular “O Dia”, a selvageria cotidiana é amenizada por uma inacreditável contaminação gestáltica: a mancha gráfica, cores e ícones se sobrepõem e contaminam qualquer dramaticidade do conteúdo – cores, e sorrisos exultantes por todos os lados contaminam a caixa de texto em fundo negro sobre a notícia da morte de Ágatha. Até a vítima está sorrindo, ao lado da sorridente empreendedora, jogador de futebol, uma atriz-modelo e do colunista que faz crônicas “prá cima” dos subúrbios cariocas.

Redação

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