Lula, o Papa e a grande mídia brasileira, por Juliana Gagliardi e João Feres Junior

Cintia Alves
Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.
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Por Juliana Gagliardi e João Feres Junior

Do Manchetômetro

No dia 17 de maio dois eventos potencialmente significativos ocorreram. O maior jornal francês – Le Monde – publicou, na íntegra e com grande chamada de capa, uma carta de Lula em que reafirmava e explicava sua candidatura à presidência, mesmo estando preso. No mesmo dia, em homilia durante missa no Vaticano, o papa Francisco criticou o papel da mídia na difamação e, consequentemente, na ocorrência de golpes de estado.

Além de se tratar de dois personagens de inconteste popularidade no Brasil e no exterior, ambos eventos são sensíveis para a mídia brasileira por outras razões: o primeiro por dar a Lula um espaço bem diverso daquele que a grande imprensa nacional lhe vem dando, e o segundo, por ser uma crítica frontal à própria atuação da mídia.

Em seu extenso artigo no jornal francês, Lula explica o porquê de sua candidatura, elencando resultados positivos de seus mandatos em relação aos do atual governo, reforçando que sua prisão é consequência de perseguição judicial aliada à sistemática campanha contra o seu governo movida pela mídia brasileira, em especial pelas Organizações Globo.[1]

A despeito deste importante jornal francês ser frequentemente citado na mídia brasileira, o texto de Lula, outro personagem onipresente nas páginas de nossa imprensa, foi praticamente ignorado, com exceção de uma matéria no Estadão[2] e de referências em pequenas notas divulgadas no portal do mesmo jornal, dedicado à cobertura das próximas eleições – R18.[3]

A Folha de S. Paulo não deu matéria sobre o assunto, exceto pela de Nelson de Sá que contém apenas foto da capa do jornal com uma legenda explicando que o artigo foi publicado pelo Le Monde.[4]

Já n’O Globo, não houve nenhuma menção à carta de Lula. É irônico notar que poucos dias antes, em 2 de maio, o jornal havia conferido grande autoridade ao Le Monde em matéria cujo título foi: Ex-diretor do ‘Le Monde’ diz que liberdade de informação está em risco.[5] Claro que nesse caso, a citação foi usada para reafirmar a apropriação que a grande mídia brasileira faz do valor da liberdade de expressão como se correspondesse à negação de qualquer regulação das ações daqueles que têm a propriedade dos meios de comunicação.

Ainda que possamos supor coincidência, no mesmo dia em que o Le Monde publicou o texto de Lula reafirmando a ocorrência de um golpe parlamentar no Brasil com suporte de uma campanha sistemática de difamação por parte da grande imprensa, o papa discursou sobre difamação e o papel da mídia em promover golpes de Estado. Ainda que o Sumo Pontífice seja um personagem de grande projeção, assim como Lula, com referências quase diárias na mídia, esse evento foi também praticamente ignorado. Em sua edição impressa, a Folha de S. Paulo publicou uma pequena matéria informativa – apenas texto – e sem nenhum destaque sobre a homilia do papa[6]. No dia anterior, na versão online,[7] uma matéria já havia sido divulgada, que destacava, em sua totalidade, trechos da fala acompanhados de uma foto, batida no dia 16 de maio 2018, que retratou o momento em que o vento havia levantado parte da roupa do papa e coberto o seu rosto. A imagem sugere confusão ou mesmo vergonha, e tem o claro intuito de desqualificar os argumentos de Francisco.

Uma foto semelhante foi o conteúdo exclusivo de uma nota publicada no portal G1,[8] em 2014. Mas, novamente, ainda que o papa Francisco seja um personagem de absoluta relevância, a ponto do vento em sua roupa ter merecido espaço anos antes no portal G1, O Globo não fez nenhuma menção à homilia do dia 17 e a sua crítica à mídia. Em vez disso, publicou uma matéria também sobre o pontífice, mas que abordava outro assunto: uma mensagem divulgada pelo Vaticano no mesmo dia 17 com críticas ao “capitalismo desenfreado”.[9]

Também o Estado de S. Paulo não publicou qualquer matéria sobre o discurso do papa. Apenas no portal BR18, uma matéria[10] afirmava que “lideranças dos partidos de esquerda no Brasil estão utilizando o sermão do papa Francisco em missa no Vaticano nesta quinta-feira para reforçar a ideia de que ocorre no País um ‘golpe parlamentar-midiático’”.

O lema do jornal New York Times, All the News That’s Fit to Print, traduz um princípio fundamental do jornalismo moderno que a grande mídia brasileira declara, repetidas vezes, emular. Contudo, como os exemplos comentados acima mostram ela falha fragorosamente nesse quesito. Vemos aqui duas evidências claras de agendamento, ou seja, da prática de escolher, de acordo com interesses corporativos ou políticos, as matérias que são e as que não são publicadas, mesmo quando seu potencial noticioso seja óbvio. Do ponto de vista da saúde do debate público em nosso pais o problema é mais grave, contudo. A propriedade dos meios de comunicação no Brasil é altamente oligopolizada. Quando os três principais jornais do país, e as empresas de comunicação a eles ligadas, agem em grupo, o que tem sido a regra, o potencial de distorção na formação da opinião pública é enorme. É vão esperar que empresas privadas possam prestar contas em público de suas práticas de agendamento e de enviesamento do noticiário. A solução para problema só pode vir pela pluralização e democratização da comunicação. A questão é como chegaremos lá.

[1] Em artigo ao Le Monde, Lula reafirma sua candidatura à presidência. Carta Capital, 17 de maio de 2018. Disponível em: <https://www.cartacapital.com.br/politica/em-artigo-ao-Le-Monde-Lula-reafirma-sua-candidatura-a-presidencia>.

[2] Lula afirma ser vítima de ‘farsa judiciária’ e pede ‘eleição democrática’ em jornal francês. Estadão, 17 de maio de 2018. Disponível em: <http://politica.estadao.com.br/noticias/geral,lula-afirma-ser-vitima-de-farsa-judiciaria-e-pede-eleicao-democratica-em-jornal-frances,70002312476>.

Manifestos defendem liberdade a Lula e sua candidatura no Brasil. Estadão, 17 de maio de 2018. Disponível em: < manifestos defendem liberdade a lula + estadao>.

[3] De Lula para a França. R18, 17 de maio de 2018. Disponível em: http://br18.com.br/de-lula-para-a-franca/. Em nota PT reforça Lula como candidato. R18, 17 de maio de 2018. Disponível em: < http://br18.com.br/em-nota-pt-reforca-lula-como-candidato/>.

[4] Coluna de Nelson de Sá. Folha, 18 de maio de 2018, p. A10. Disponível em: <https://www1.folha.uol.com.br/colunas/nelsondesa/2018/05/europa-tenta-contra-atacar-na-guerra-comercial-com-eua.shtml>.

[5] Ex-diretor do ‘Le Monde’ diz que liberdade de informação está em risco. O Globo, 2 de maio de 2018. Disponível em: < https://oglobo.globo.com/cultura/ex-diretor-do-le-monde-diz-que-liberdade-de-informacao-esta-em-risco-22643753>.

[6] Em homilia, papa associa mídia a golpes de Estado. Folha de S. Paulo, 18 de maio de 2018, p. A12.

[7] Papa Francisco acusa mídia de difamação que fomenta golpes de Estado. Folha de S. Paulo, 17 de maio de 2018. Disponívele em: <https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2018/05/papa-francisco-acusa-midia-de-difamacao-que-fomenta-golpes-de-estado.shtml>.

[8] Papa tem rosto coberto após vento forte no Vaticano. G1, 17 de maio de 2018. Disponível em: <http://g1.globo.com/mundo/noticia/2014/08/papa-tem-rosto-coberto-apos-vento-forte-no-vaticano.html>.

[9] Papa Francisco chama mercado de derivativos de ‘bomba-relógio’. O Globo, 17 de maio de 2018. Disponível em: <https://oglobo.globo.com/economia/papa-francisco-chama-mercado-de-derivativos-de-bomba-relogio-22692221>.

[10] O PT e o sermão do papa. BR18, 17 de maio de 2018. Disponível em: <http://br18.com.br/o-pt-e-o-sermao-do-papa/>.

 

Cintia Alves

Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.

7 Comentários

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  1. O BRASIL da ditadura teve Dom

    O BRASIL da ditadura teve Dom Paulo, Dom Euder

    O Apartheid enfrentou Desmond tutu

    desculpe, mas quem conduz hoje as ovelhas brasileiras ?  ..fora Edir, Valdemiro, R.R., Malafaia, os filhos de Seymour e do casal Hernandes ?

    Quem lidera a indignação católica ?

    Não bastasse a passividade e tibieza dos sindicatos e de alguns membros do Çupremo (levandovsky por exemplo foi mais que a Rosinha Judas, comparo-o mesmo a PEDRO em negar o CARA por mais de 3 vezes ..covardia suprema) ..sinceramente eu ainda fico surpreso com o “não é comigo” que a igreja católica tem dedicado a ESTE GOLPE que se apossou do BRASIL 

    1. …”quem conduz hoje as ovelhas brasileiras ? …”

      Injustiça esquecer dos midiáticos “padres”:

      marcelo rossi, fábio de melo, os carólismáticos todos, e o resto omisso que ao invés de lavar os pés dos pobres e potenciais apóstolos, em gesto de humildade, preferem lavar as mãos em sincronia com os atentados dos orgulhosos e ricos golpistas.  Dizem que estão em unidade com o papa Francisco, mas é tudo da boca prá fora. E seguem enganado a muitos, usando com cada pessoa a linguagem que os emgambela.  

      amor … (pregado por Cristo)  Não se alegra com a injustiçamas se regozija com a verdade. I Cor. 13,6. /  LULA LIVRE! 

  2. O caminho deve passar por

    O caminho deve passar por aquilo que o Flanklin Martins fez no final do governo Lula e que a presidenta Dilma pensou que se não mexesse não seria tão incomodada. E ai levou um golpe. 

    Esperemos então por um proximo governo progressista, de esquerda, que tenha a coragem de encampar a luta pela lei de midia e pluralize os meios de Comunicação.

    Outra questão é que Lula acertou em criar a TV Brasil, porém o fato de ser muito dependente do estado a deixa vulneravel conforme o vento que sopra. 

  3. Cartel

    Meu velho pai já dizia que empresas privadas têm o direito de publicar o que lhes interessa e deixar de publicar o que não lhes interessa.

    Evidentemente, esse é direito constitucional da iniciativa privada, exceção feita às TVs e rádios abertos, que são concessões públicas e, por isso, forçosamente, precisam atender ao interesse público maior.

    Contudo, essa questão cujo imbróglio comercial/constitucional/jurisprudencial tem dificuldade afirmativa, se encontra a milhões de anos luz de ser sequer abordado por nossas “excelências”, situadas em todas as esferas dos poderes ditos republicanos.

    Agora, que os oligarcas do cartel da mídia empresarial brasileira não passam de mafiosos disfarçados de “gente de bem” também não se discute pois esse é ponto pacífico que não foge ao observador mais distraído de nossas folhas, telas e sintonizadores.

    Acaso, em uma bela aurora, fosse instalado no Brasil um tribunal revolucionário com amplos poderes, citados oligarcas do cartel mafioso de nossas mídias empresariais seriam condenados ao paredão, sem dó nem piedade.

    E não seriam as guilhotinas do terror cegueta instaurado durante a Revolução Francesa, tampouco os julgamentos forjados do nazismo e  stalinismo. Seriam fuzilamentos baseados em fartas, sólidas e irrefutáveis provas de lesão à pátria e ao povo brasileiro.

    Se o tribunal revolucionário em apreço é pouco provável em nossa república rebananizada, isso não significa que os setores progressistas devam ficar de braços cruzados diante da anomia reiterada de tamanha empulhação.

    Assim como a auditoria da dívida pública, é hora de exigir dos candidatos progressistas compromisso com uma lei de meios efetiva se queremos que, um dia, o Brasil seja um país civilizado.

    Abaixo aos oligarcas-cartelizantes-mafiosos de nossa mídia empresarial! 

     

  4. MIDIA e a RALÉ ATENÇÃO COM A

    MIDIA e a RALÉ ATENÇÃO COM A RALÉ:

    1. HANNAH ARENDT, uma das mais influentes e importante filósofas do Século XX. Alemã de origem judia explica em seu importantíssimo e clássico  livro “Origens do Totalitarismo” que:

    – “A ralé é fundamentalmente um grupo no qual são representados resíduos de todas as classes. É isso que torna tão fácil confundir a ralé com o povo, o qual também compreende todas as camadas sociais.  Enquanto o povo, em todas as grandes revoluções, luta por um sistema realmente representativo, a ralé brada sempre pelo ‘homem forte’, pelo ‘grande líder’. Porque a ralé odeia a sociedade da qual é excluída, e odeia o Parlamento onde não é representada”- 159

    – “… a contínua expansão da ralé moderna – isto é, dos declassés proveniente de todas as camadas – produziu líderes que, sem se preocuparem com o fato de serem ou não os judeus suficientemente importantes para se tornarem o foco de uma ideologia política, repetidamente viram neles a ‘chave da história’ e a causa central de todos os males…” –

    Fonte:

    “Origem do Totalismo”, p 159 e 35, respectivamente.

     

    2. PEDRO SERRANO (Professor de Direito Constitucional na PUC/SP, um dos mais respeitados constitucionalista do país) sobre a ralé expõe:

    “A mídia que construiu esse fenômeno – onda de opinião – o qual se dá o nome de RALÉ [9:30]. A RALÉ não é um substrato econômico inferior. É uma parte do povo que parece povo mas não é [9:40]. Povo numa democracia entende a sociedade como uma sociedade fraturada de interesses [9:49],  conflitada e a democracia deseja resolver esse conflito de forma pacífica [9:54] através de uma disputa controlada e que se dê por decisões da maioria [10:00], a RALÉ não, a RALÉ procura o líder populista ou um estamento populista como é o caso da América Latina, para encontrar a ordem, para encontrar a purificação [10:08]

    Fonte youtube – video:

    https://www.youtube.com/watch?v=pbCh-NozQ-Y&t=1027s

     

    3. PAPA FRANCISCO (homilia de 17/05/2018)

    – “Criam-se condições obscuras” para condenar a pessoa (…) “a mídia começa a falar mal das pessoas, dos dirigentes, e com a calúnia e a difamação essas pessoas ficam manchadas”. Depois chega a justiça, “as condena e, no final, se faz um golpe de Estado”

    – “Esta instrumentalização do povo é também um desprezo pelo povo, porque o transforma em massa. É um elemento que se repete com frequência, desde os primeiros tempos até hoje”

    Fonte:

     https://www.vaticannews.va/pt/papa-francisco/missa-santa-marta/2018-05/papa-francisco-missa-santa-marta-unidade.html

     

     

     

     

  5. Vejam o caso de Tacla Duran

    Engraçado que mesmo que o PT saiu do poder as manchetes continuam a atacar a sigla e, invariavelmente, a blindar o PSDB.

    Uma tática muito manjada para fingir a imparcialidade é colocar as matérias que não interessam com pouquíssimo tempo de destaque na página inicial do portal. Se a notícia envolve nomes do tucanato, então o OligoPIG coloca a notícia e logo depois a retira, removendo uo diminuindo a relevância.

    Mas o que chama a atenção nos últimos dias é o silêncio absurdo acerca de Tacla Duran. Esse nome simplesmente não existe para os veículos da grande imprensa.

    Mesmo com um depoimento sendo dado numa Comissão da Câmara, o que por sí só é digno de atenção, o fato das declarações dele contra o lupanar de Curitiba de Sérgio Moro, o núcleo composto por MPF e o juizeco, nem isso parece fazer com que os editoriais publiquem alguma coisa a respeito.

    Para não dizer que não publicaram nada, apenas o Estadão publicou a respeito, numa tímida e apagada notícia afastada da página principal do portal. Apenas com uma busca do Google consegue se ter acesso à notícia.

    Enquanto isso, Globo, Folha e demais veículos do oligopólio midiático não se manifestam em nada a respeito.

    Coube apenas aos portais de esquerda noticiar o fato.

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