O chocante jornalismo de guerra: o Day-after de Thomas L. Friedman
por Frederico Firmo
Algo acontece no jornalismo nacional e internacional. Isto não é novo, pois o mundo já conviveu com a propaganda, parcialidade e verdadeiras campanhas em guerras como a do Iraque. Enquanto de forma explícita os Estados Unidos violentavam organismos internacionais, vide caso Bustani, as armas de destruição em massa povoaram as notícias e justificaram uma invasão sanguinária e a destruição de todo um país. Iraque é agora um agrupamento de províncias governadas por clãs armadas. Um triste retorno a priscas eras.
O Afeganistão, noticiado como guerra ao terror, não passou de uma tentativa frustrada de fazer um grande gasoduto, que sem dúvida iria desembocar na Ucrânia ou Síria. Faltou combinar com o Talibã. Na saída devem ter combinado alguma coisa.
Os negócios são feitos nos escombros e ocorrem na escuridão da imprensa. Nada sabemos sobre os escombros da Líbia. Antes as notícias focavam na figura de Gaddafi, agora nada sabemos sobre quem faz os negócios com a British Petroleum etc… Se nos fiarmos na imprensa internacional, todo o petróleo Líbio e Iraquiano desapareceu.
Pouco ou nada se sabe dos conflitos nos vários países africanos, mas os interesses Belgas persistem no Congo enquanto no chifre da África persiste a fome e a tragédia.
A parcialidade fica clara quando a imprensa, em nome da democracia, abraçou o autodeclarado presidente da Venezuela, Guaidó, que nunca chegou a ser sequer uma liderança da oposição venezuelana, mas ainda assim ganhou um espaço na imprensa internacional, e durantes anos movimentou somas impressionantes de dinheiro, confiscados da Venezuela. A imprensa nunca se perguntou sobre quem estava por trás de tamanho feito.
A Ucrânia é um país destruído e chorando seus mortos, mas a imprensa alimenta a ideia de que a Ucrânia vencerá uma guerra perdida. Os russos tomaram o território que queriam e lá permanecem estacionados, mas a imprensa ocidental ainda fala nos perigos de uma invasão russa na Europa. Esquecem de dizer que os europeus nunca pensaram a Ucrânia como Européia e apenas por interesses geopolíticos aceitaram uma profusão de estados eslavos do antigo império russo. A imprensa continua a narrativa idiotizando uma Europa com os velhos mitos dos bárbaros russos, e não se indignou quando proibiram um curso sobre Dostoievski.
O objetivo real é o lucro da indústria bélica americana e dar continuidade a tentativa de quebrar a Rússia economicamente, mesmo que isto signifique mandar mais e mais soldados para a morte. No momento a Ucrânia está em estado crítico, pois não conseguiu criar problemas suficientes na Rússia. As promessas do ocidente às vésperas da eleição de Putin não surtiram efeito para que um movimento popular levasse à mudança de regime. A primavera colorida da praça Maidan levou um comediante ao poder na Ucrânia e destroçou os laços econômicos da Russia com a Europa que agora sofre pois a economia russa se volta para a China.
Os Estados Unidos continuam tentando fazer uma mudança de regime na Rússia, e continuam tentando manter a guerra por mais e mais tempo. Não esperam uma vitória, esperam apenas ferir a economia russa de morte, e assim enfraquecer a China. A imprensa continua com a mesma narrativa e não se incomoda com a censura nas notícias sobre a guerra e alimenta os delírios sobre os perigos da China. Apregoando uma ameaça da China batem palma para o auxílio bélico a Taiwan. A tentativa explícita de roubar o Tik Tok é um absurdo tão explícito quanto a prisão de Assange, ou o bloqueio a Cuba. Mas imprensa que se diz ocidental e democrática, trata isto com extrema naturalidade e noticiam isto como fatos da natureza.
Esta semana foi chocante ler um artigo de Thomaz Friedman, premio Pulitzer de 1995 prestigiado, editorialista no New York Times. O artigo tem o seguinte título: “Israel precisa repensar estratégia, sair de Gaza e deixar a conta para o Hamas”. “Ocupação permanente provocaria reação permanente, e isso sangraria Tel Aviv econômica, militar e diplomaticamente .“
Friedman se desculpa por propor que Israel não continue com sua campanha do que diz ser a extinção do Hamas. Como todo o jornalismo, não fala de uma guerra Israel X Palestinos, fala em uma guerra contra o Hamas. Isto não é uma questão retórica, pois ao negar que o Hamas era o governo na faixa de Gaza definem que qualquer funcionário público ou quem trabalha ou trabalhou para o governo é militante do grupo terrorista. Esta é a justificativa para o uso de um programa de ignorância artificial de identificação de rostos e pessoas. Uma vez identificado qualquer funcionário publico se transforma em alvo “legítimo”. E assim chega-se a conclusão que todos os mortos são terroristas. Por exemplo os funcionários e médicos de hospitais.
Mas Friedman está preocupado com o que diz ser a estratégia equivocada de Netanhyahu no período pós destruição de Gaza. Segundo o prestigioso jornalista, Netanhyahu tem simplesmente que abandonar Gaza, lavar rapidamente as mãos e deixar o que restou para o Hamas governar. Ele acredita que o povo palestino vai esquecer Netanhyahu e colocar toda a culpa no Hamas e assim se voltar contra as lideranças do Hamas. O mais deprimente na análise de Friedman é sugerir que vai haver um day-after.
Não haverá day-after, Hamas e Netanhyahu contrataram um conflito eterno. Gaza está destruída, e com ou sem bombardeios entrará em regime de conflito permanente. A destruição desumana dos bombardeios criou uma geração que terá muita dificuldade em compreender o significado de negociação e diálogo. É provável que as fraturas internas apareçam entre os palestinos, mas isto não vai sobrepujar as lembranças do sofrimento, mortandade e destruição causada pelo inimigo comum. Submeter pessoas pela necessidade e pela fome não prepara nenhum diálogo. No momento , temos um casal em situação de abuso. Apenas a separação e a proibição de qualquer aproximação e mediação externa pode estabelecer algo próximo de uma trégua.
Mas se Gaza está em escombros, a Cisjordânia está a caminho da catástrofe e isto é um prenúncio para o próprio Israel, que vai enfrentar fraturas internas violentíssimas. A memória do assassinato de Rabin é como um fantasma. Os assentamentos da Cisjordânia totalmente armados e fanatizados jamais se submeterão a qualquer acordo e nem a qualquer mudança de governo.
A economia de Israel está em frangalhos e vai piorar ainda mais. Judeus da diáspora fugiram para Israel imaginando criar um refúgio, um estado seguro, livre das perseguições, próspero e capaz de construir vida e não mortes. O israelense de hoje paga pelo pecado original, colonizar terras ocupadas tem seu preço. A insegurança, a destruição dos mitos fundadores é o legado de Nethanyahu para uma geração de jovens que vão carregar nas costas as milhares de mortes em Gaza, e obviamente vão carregar o vazio e o luto pelos entes perdidos na fatídica rave.
Os palestinos mais do que fantasmas vão encontrar os corpos de familiares e terão de enfrentar as ruínas, os escombros e a dor infinita de ver, ouvir ou imaginar uma morte sem sentido de suas crianças, mães, pais e família.
De ambos os lados as mágoas e ódios serão instrumentalizados causando mais mortes mais mágoas e mais luto. No lado israelense, uma nova diáspora se avizinha pois muitos tem famílias e bases construídas em outros lugares do mundo. Do lado palestino, os herdeiros desta nova nakba, simplesmente não tem para onde ir e ainda terão que resolver como construir um mundo diferente a partir dos escombros de uma sociedade e do lugar onde estão, mas Friedman e boa parte do jornalismo parece não se preocupar com este futuro sombrio. Continuam acreditando nos mitos que eles mesmos criaram.
Frederico Firmo – Possui graduação em Bacharelado Em Física pela Universidade de São Paulo (1976), mestrado em Pos Graduação Em Física pela Universidade de São Paulo (1979) e doutorado em Física pela Universidade de São Paulo (1987). Atualmente é professor associado I da Universidade Federal de Santa Catarina.
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Hamas e Netanhyahu são “sócios”.
Veremos se o acordo falado prospera.
Sou pessimista, não veja saída neste conflito.