As “Aquarelas” de Ary Barroso, por Laura Macedo

por Laura Macedo

Há exatos 113 anos nascia (07/11/1903) – Ary Barroso -, um dos mais importantes artistas brasileiros do século XX. Atuou como apresentador de programas de auditório, locutor esportivo, vereador e compositor excepcional. Saiu de cena em 09 de fevereiro de 1964, em pleno carnaval, dia em que a Escola de Samba Império Serrano desfilava com o enredo “Aquarela Brasileira”, em sua homenagem.

 

Ary Barroso e Silas de Oliveira

 

Aquarela Brasileira” (Silas de Oliveira) – Enredo G.R.E.S. Império Serrano, no ano de 1964, em homenagem ao compositor Ary Barroso.

 

 

 

Aquarela Brasileira” (Silas de Oliveira)

 

Vejam esta maravilha de cenário
é um episódio relicário
que o artista num sonho genial
escolheu para este carnaval
e o asfalto como passarela
será a tela do Brasil em forma de aquarela

Passeando pelas cercanias do Amazonas
conheci vastos seringais
no Pará, a ilha de Marajó
e a velha cabana do Timbó
caminhando ainda um pouco mais
deparei com lindos coqueirais
estava no Ceará, terra de Irapuã
de Iracema e Tupã.

Fiquei radiante de alegria
quando cheguei na Bahia
Bahia de Castro Alves, do acarajé
das noites de magia do candomblé
Depois de atravessar as matas do Ipu
assisti em Pernambuco
a festa do frevo e do maracatu
Brasília tem o seu destaque
na arte, na beleza e arquitetura
feitiço de garoa pela serra
São Paulo engrandece a nossa terra
do Leste por todo o Centro-Oeste
tudo é belo e tem lindo matiz
o Rio dos sambas e batucadas
dos malandros e mulatas
de requebros febris.
Brasil, essas nossas verdes matas
cachoeiras e cascatas
de colorido sutil
e este lindo céu azul de anil
emolduram aquarela o meu Brasil

 

Sobre os bastidores da criação das “Aquarelas”, de Ary Barroso, transcrevo o relato do pesquisador João Máximo na Rádio Batuta do IMS (Instituto Moreira Salles) / no programa: “Como e por que nascem as canções”, em 05 de junho de 2013.

 

Até Garota de Ipanema nascer, Aquarela do Brasil foi a música brasileira mais tocada e gravada no exterior, normalmente sob o título Brazil, como na interpretação de Frank Sinatra. Ary Barroso mudou algumas vezes sua versão sobre como surgiu o samba, sem nunca economizar no tom heroico. Lançada por Aracy Cortes, a música ganhou famoso registro de Francisco Alves, com orquestração de Radamés Gnattali.

 

“Aquarela do Brasil”, de Ary Barroso, foi por muitos anos a canção brasileira mais conhecida no exterior, até ‘Garota de Ipanema’ surgir num doce balanço a caminho da mar. Foi também a mais gravada geralmente como ‘Brazil’ com ‘Z’, funcionando quase como um hino ao país e a sua música, mesmo cantado em outra língua.

 

Brazil” (Ary Barroso) # Frank Sinatra.

 

 

Depois que sua ‘Aquarela’ correu o mundo, Ary Barroso foi várias vezes solicitado a explicar como, quando e porque compôs sua obra mais famosa. O que sempre fez com grande eloquência que o samba exigia. Afinal tão eloquente hino não poderia ter nascido como um samba qualquer, tinha que valer uma grande história épica sem economia de interjeição.

A mais interessante explicação, pelo menos a mais arrebatadora, foi dada a musicóloga Mariza Lira e começa numa noite de chuva na casa do compositor, no Leme. Um dos trechos diz: ‘Senti então iluminar-me uma ideia a de libertar o samba das tragédias da vida, do sentimentalismo das paixões incompreendidas, do cenário sensual já tão explorado’.

Outro trecho: “Fui sentindo toda a grandeza, o valor e a opulência da minha terra gigante pela própria natureza”. Mais adiante: ‘De dentro da minha alma extravazou um samba que há muito desejava. Um samba em que a sonoridade brilhante e forte desenhava a grandeza e exuberância da terra promissora, gente boa, laboriosa e pacífica. Povo que ama a terra em que nasceu’. Bem, estas foram às palavras de Ary Barroso sobre a feitura de “Aquarela do Brasil”.

Fato mesmo é que o samba nasceu como peça independente e foi lançada em junho, sem sucesso, por Aracy Cortes na revista [teatro de revista] ‘Entra na faixa’. Por que Aracy e por que numa ‘revista?’ Já não há como saber.

O importante é que um mês depois – ‘Aquarela do Brasil’ seria cantada no palco do Teatro Municipal pelo barítono Cândido Botelho em ‘Joujoux et balangandãs’, espetáculo beneficente patrocinado pela primeira dama Darcy Vargas, na presença dela e do presidente Getúlio Vargas e de plateia repleta de figuras da vida social e política.

Aí sim o samba exaltação, o samba cívico de Ary Barroso virou história. E mais ainda quando Francisco Alves o gravou em outubro do mesmo ano [1939] com pomposa orquestração do maestro Radamés Gnattali.

 

 

Aquarela Brasileira” ou “Aquarela do Brasil I” [cena brasileira] (Ary Barroso) # Francisco Alves com Radamés Gnattali e sua Orquestra. Disco Odeon (11.768- A) / Matriz (6179). Gravação (18/08/1939) / Lançamento (outubro/1939).

 

 

Aquarela Brasileira” ou “Aquarela do Brasil (I)

 

Brasil

Meu Brasil brasileiro,

Meu mulato inzoneiro,

Vou cantar-te nos meus versos:

O Brasil, samba que dá

Bomboleio que faz gingá…

O Brasil do meu amô,

Terra de nosso Sinhô…

Brasil,

Brasil!

Pra mim, pra mim!

 

Ó abre a cortina do passado,

Tira a mãe preta do cerrado,

Bota do rei Congo no congado…

Brasil,

Brasil!

Deixa cantar de novo o trovador

À merencória luz da lua

Toda a canção do meu amor…

Quero ver a sá dona caminhando

Pelos salões, arrastando

O seu vestido rendado…

Brasil,

Brasil!

Pra mim, pra mim!

 

 

Aquarela Brasileira ou Aquarela do Brasil II” [cena brasileira] (Ary Barroso) # Francisco Alves com Radamés Gnattali e sua Orquestra. Disco Odeon (11.768- B) / Matriz (6180). Gravação (18/08/1939) / Lançamento (outubro/1939).

 

 

Aquarela Brasileira” ou “Aquarela do Brasil (II)

 

Brasil,

Terra boa e gostosa,

Da morena sestrosa,

De olhar indiscreto

O Brasil, verde que dá

Para mundo se admirá…

O Brasil do meu amô

Terra de Nosso Sinhô…

Brasil,

Brasil!

Pra mim, pra mim!

 

Oh! Esse coqueiro que dá coco (*)

Oi, onde amarro a minha rede

Nas noites claras de luar…

Brasil,

Brasil!

Ô, oi essas fontes murmurantes

Oi, onde eu mata a minha sede

E onde a lua vem brincá…

Oi, esse Brasil lindo e trigueiro,

É o meu Brasil brasileiro,

Terra de samba e pandeiro…

Brasil,

Brasil!

Pra mim, pra mim!

 

O fato de ser registrada em disco “em duas partes” deve-se ao fato de não existir a possibilidade técnica de uma gravação com quase seis minutos de duração em um só lado de um disco de 78rpm. Assim, a primeira parte se encontra no lado “A” do disco Odeon (11.768) e segunda, no lado “B”, constituindo-se, portanto, dois fonogramas.

 

 

Aquarela do Brasil” também foi incluída no filme de Walt Disney “Alô, amigos” [Soludo, amigos], de 1943, levando o título de “Watercolor of Brazil”, tendo a interpretação de Aloysio de Oliveira, em português.

Ainda fez parte da trilha sonora do filme americano ‘The Eddy Duchin History’, de 1954, que no Brasil ganhou o nome de ‘Melodia imortal’. Da mesma forma, na comédia argentina ‘Escuela de música’, de 1956, com a interpretação de Libertad Lamarque.

 

 

Segundo o pesquisador Samuel Machado Filho consta que Ary Barroso teria composto “Aquarela Mineira” para satisfazer seus conterrâneos mineiros, enciumados com suas composições exaltando à Bahia e o Rio de janeiro.

Coube também a Francisco Alves gravar – “Aquarela de Minas Gerais” ou “Aquarela Mineira” – em pleno Dia do Trabalho (1º de maio de 1950). Confiram as gravações condensadas em um mesmo vídeo.

 

Aquarela de Minas Gerais ou “Aquarela Mineira” (I e II)” (Ary Barroso) # Francisco Alves com Orquestra. Disco Odeon (13.019-A/B) / Matrizes (8695/8696). Gravação (01/05/1950) / Lançamento (julho/1950).

 

 

Aquarela de Minas Gerais ou “Aquarela Mineira” (I)

 

Negras redondas de gordas

Lavando a comida

Dos negros suados,

Dos negros cansados

Se capinar…

Bate o monjolo

A cadência do milho socado,

Moleque, olha o gado,

Inda está no curral!

Põe pra pastar!

 

Roda o engenho de cana,

De cana-caiana.

É de manhãzinha…

A vida começa

Na Fazenda da Barrinha

 

Minas Gerais!

Ó meu Minas Gerais…

Se eu pudesse voltar

Há trinta anos atrás!

Tocava os meus bois,

Fumava escondido

Entre os cafezais…

Ô tempinho bão

Que não volta mais!

 

Em Minas Gerais tem,

Tem ferro, tem ouro, tutu,

Tem gado zebu,

Tem também umas toadas,

Alma sonora das quebradas,

Encanto das noites de luar!

 

E a História do Brasil

Tem muitas páginas heroicas,

Escritas com sangue mineiro.

Salva o meu estado

De Minas Gerais!

 

 

Aquarela de Minas Gerais ou “Aquarela Mineira” (II)

 

Em Minas Gerais tem,

Tem ferro, tem ouro, tutu

Tem gado zebu.

Tem também umas toadas,

Alma sonora das quebradas,

Encanto das noites de luar!

 

(Por duas vezes)

 

E a História do Brasil

Tem muitas páginas heroicas imortais

Escritas com sangue mineiro.

Salve o meu estado

De Minas Gerais!

 

 

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Fontes:

– A Canção no Tempo – 85 Anos de Músicas Brasileiras, Vol 1: 1901-1957 / Jairo Severiano e Zuza Homem de Mello. – São Paulo: Ed. 34, 1997.

-Ary Barroso – Brasil Brasileiro / 20 CDs / 316 gravações / 1928/2006, do pesquisador e estudioso da MPB – Omar Jubran. Ano de produção: 2014.

– Capa Partitura “Aquarela Mineira” / Acervo Claudevan Mello.

– Fotos Selos dos discos Odeon: Eduardo Saragiotto.

– Fotomontagem: Laura Macedo.

– Rádio Batuta do IMS/Como e por que nascem as canções (AQUI).

– Site YouTube/Canais: “maravilhatropical”, “93Frl”, “SenhorDaVoz”, “finetunesTV”.

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8 Comentários

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  1. Ah, esse coqueiro que da coco 🙂

    Bom dia, Laurita, que prazer vê-la por aqui. Fazia um certo tempo que não via seus posts musicais e ja estava sentindo falta. E vem com essa oportuna homenagem ao imenso Ary Barroso e seu imenso legado Aquarela do Brasil. Todas os superlativos aqui estão valendo. Alias, como não se deliciar com as historias de Ary Barroso para a criação de Aquarela…. Ha muito tempo li que ele teria criado Aquarela do Brasil exatamente pensando no espetaculo Joujoux et balangandãs…

    E Aquarela também foi usada no estranho e muito bom filme de ficção cientifica de Terry Gilliam, Brazil. Abaixo o trailer do filme, porém podemos vê-lo completo no YT. Aquarela do Brasil foi cantada por muita gente e parece, vi numa peça sobre os années folles, que Josephine Baker também a cantou num espetaculo…. Viva nos!

    Abração da Luisa Pagu 🙂

    [video:https://youtu.be/ZKPFC8DA9_8%5D

  2. As tiradas do Ary Barroso!

    Querida Maria Luisa,

    Quando questionado pela escritora Dalila Luciana, em seu livro “Ary Barroso – Um turbilhão”, descreve, à página 26: “Seu cunhado, impressionado, interrogou-o: Coqueiro que dá coco, Ary? Você já viu coqueiro dar outra coisa? Então, enraivecido, achando que Antônio, sendo engenheiro, não poderia entendê-lo, explica: – Este termo constitui-se um segredo de poeta”.

    Grata pelas boas vindas! Nunca parei de publicar, diariamente, no Facebook. Você está por lá, também? Em caso positivo vou adicioná-la, assim ficaremos bem mais próximas.

    Como está PARIS? Estive na Cidade Luz muito rapidamente e intenciono retornar para passar, pelo menos um semana ou dez dias.

    Feliz com seus comentários e com a chegada da nossa primeira netinha, no próximo dia 14 de novembro.

    Beijos da amiga

    Laura

                    

    1. Boas novas

      Parabéns e muita felicidade para a netinha que chega. Axé! Olha, quando vier, não deixe de me avisar, sera um prazer conhecê-la pessoalmente. Ja tentaram me convencer de criar um perfil no facebook, mas depois da experiência Orkut, não me interessei mais por esse meio.

      Beijão.

    2. O grande Ary teve que ouvir

      O grande Ary teve que ouvir muita gozação por isso, mas não tem problema: realmente, nem todo coqueiro dá coco, ou seja, alguns não dão frutos…

      Gostei de ouvir a “Aquarela mineira” sobre minha terra e de Ary Barroso!

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