Bob Dylan é o pesadelo da imprensa, por Sergio da Motta e Albuquerque

por Sergio da Motta e Albuquerque

Depois de dois anos sem falar com a imprensa e duas semanas com a turma do Prêmio Nobel, Bob Dylan resolveu conversar com a jornalista cultural Edna Gundersen, do Telegraph de Londres (29/10). O mítico cantor e compositor não atendeu os telefonemas da organização sueca responsável pelo prêmio e parecia distante e pouco impressionado com sua premiação. Continuou com sua vida, sua música e seus shows. E sem querer contato com os meios de comunicação. Dylan continua, aos 75anos, um dos maiores pesadelos da imprensa.

Quem ousar entrevistá-lo dever vir muito bem preparado e não fazer nenhuma pergunta óbvia. Ou vai ser punido, de forma dura, com uma saraivada de observações perspicazes, críticas aos meios de comunicação e denúncias contra a imprensa. Dylan jamais gostou de rótulos e classificações. Robert Allen Zimmerman (seu verdadeiro nome), desde o início de sua carreira foi taxado de “representante da esquerda”, ou “voz dos cantores de protesto”, entre outras bobagens. Quem tentou descrevê-lo ou explicá-lo pagou duro.

Suas respostas aos entrevistadores despreparados não eram “chineladas”(jargão jornalístico para respostas duras, desconcertantes e inesperadas), mas verdadeiras surras. Dylan humilhava a imprensa que tentava em desespero alguma forma de contê-lo em algum tipo de classificação. Personalidade mutante, o poeta-compositor, que nasceu judeu, já converteu-se ao cristianismo, depois voltou ao judaísmo. Trocou a guitarra acústica e a gaita de boca pela guitarra elétrica, quando juntou-se ao imortal grupo “The Band” e caiu na estrada com seu show. As críticas foram muitas, mas ele não gostava de ser rotulado com “cantor folk”, resistiu aos comentários negativos e continuou seu trabalho.

Em 1965, no início de sua carreira, ele deu uma entrevista à revista“Time”, uma das publicações mais conceituadas na época. Tive pena do repórter, submetido a rajadas de lógica implacável e à crueza das explicações e cobranças de Dylan. A entrevista virou lenda na difícil história das relações entre a imprensa e o cantor, e foi republicada, com transcrição incluída, pela repetidora da rádio CBS WXLX de Boston em 2015 (8/4):

https://www.youtube.com/watch?v=a_j0e-ApfNQ align:center

Dylan afirmou que não precisava da revista, que sua pauta era comprometida por interesses outros além da informação do leitor, que o repórter não conhecia seu público; que ele nunca esteve na revista Time e nem precisava dela. E continuou:” ele não era um cantor “folk, mas o repórter iria publicar que era” assim mesmo. E disparou no final: “o público que compra meu discos e me escuta não necessariamente lê a revista Time”.

A revista em 1965 já era parte do conglomerado Time-Life, envolvido no mesmo ano da entrevista na criação do embrião do atual Grupo Globo através do investimento de seis milhões de dólares e da chegada do emissário do grupo, Joe Wallash. Junto com Roberto Montoro, Walter Clark e depois Boni (José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, em 1967), os quatro profissionais lançaram as fundações da rede Globo.

O tempo passou, e hoje Dylan está um pouco mais afável. Mas continua a dar muito trabalho à imprensa. Dylan faz pelo povo sem voz o que tem que ser feito com a imprensa tradicional e seus lacaios: ele desmascara os interesses por trás de toda cobertura jornalística e deixa os jornalistas sem chão, em total desamparo. Dylan é uma espécie de anti-herói do homem contemporâneo, atormentado por um turbilhão incontrolável de informação e prisioneiro da imprensa histórica e seus compromissos sujos.

E o Nobel com isso? Afinal, são 750 mil euros em dinheiro, fora as condecorações e a presença do rei da Suécia. Tudo o que Dylan mais detesta: pompa, oficialismo, escolhas dominadas por interesses políticos e muito pouca vontade de contribuir para a construção de um mundo menos dececionante. Dylan pode e deve esnobar o Nobel e seus burocratas eurocêntricos, que nunca reconheceram o valor da literatura produzida fora da Europa.

Em 2008, a revista Slate (3/10) publicou uma dura crítica ao Prêmio Nobel e seus critérios de atribuição. Naquele ano, seu secretário permanente, Horace Engdahl, declarou que a literatura americana “não estava à altura dos padrões do prêmio, era muito isolada, pouco traduzida e não participava do grande diálogo da literatura. Essa ignorância é limitante”, arrematou. O que será que ele pensa da literatura brasileira?

Em 2016, Dylan devolveu o insulto. Como Saul Bellow em 1976, que disse que “viveria muito bem sem ele”, Dylan não decepcionou os críticos da imprensa hegemônica ou os antipáticos curadores do prêmio sueco: ele disse à repórter do Telegraph que “irá à cerimonia de premiação”. Se puder.

(foto:By Alberto Cabello from Vitoria Gasteiz – Bob Dylan, CC BY 2.0,https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=11811170

Redação

10 Comentários

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  1. Nao vi Dylan falando nada de

    Nao vi Dylan falando nada de errado na entrevista, que foi mais que meras “chineladas” no reporter:  foi uma surra homerica!

  2. Dylan: o terror dos jornalistas

    Dylan: o terror dos jornalistas. Há uma boa compilação de entrevistas até 1966 no ótimo documentário de Martin Scorsese: No Direction Home, ou no pioneiro e excelente doc de Pennebaker, Don’t Look Back, como essa pra Time. Seguem algumas das lapadas de Dylan em quem ousa entrevistá-lo e fotografá-lo, com legendas em espanhol e inglês. De fato é ele quem interpela quem tenta interrogá-lo e classificá-lo.

    [video:https://www.youtube.com/watch?v=BslvC5ICE3I%5D

    [video:https://www.youtube.com/watch?v=P2XI2M0o14Y%5D

    [video:https://www.youtube.com/watch?v=Q_raYHGUA3Y%5D

  3. Dylan e João

    Sinceramente não vejo importância política na postura de Dylan, mas prefiro analisá-la apenas sob o aspecto artístico. Neste ponto é que traço um paralelo com João Gilberto. A postura de ambos, avessa a contatos com a mídia, cada qual dentro de suas características, é parte fundamental das suas imagens e de proteção à arte com que enriquecem a cultura de nossa época. Vou dar um exemplo simples: alguém consegue imaginar João Gilberto se apresentando no Bem Amigos ? Pois é, ele não seria João Gilberto se o fizesse. Assim como Dylan não seria mais Dylan, se aparecesse de terninho e sorriso idiota, passando para fotos recebendo o Nobel.

  4. Já fizeram todo tipo de comentário. . .

    Já fizeram todo tipo de comentário sobre Bob Dylan e o prêmio Nobel de Literatura 2016 a ele atribuído, mas o  que eu achei mais interessante é de que Dylan fará doação do prêmio  de 750.000 euros à causa palestina, se for verdade isso só aumentará a fama de irreverente desse cantor norte americano.

  5. Discordo em parte da matéria.

    Discordo em parte da matéria. No início da carreira ele também precisou da imprensa, como forma de divulgação do próprio trabalho, afinal, ela através dela que suas obra (e críticas) repercutiam. Todavia, hoje sua obra tem tamanha envergadura que ele pode muito bem esnobar a imprensa e o Nobel. Não precisa deles.

    Em tempo: pessoalmente considerei o a atribuição do prêmio a Dylan uma blasfêmia (mais uma entre tantas do Comitê Nobel). Acho que ele merece tudo que conquistou, mas nunca um prêmio desses. Tem muita gente na frente dele.

  6. A arte e a vida

    Os prêmios de literatura não foram por acaso e sistematicamente direcionados para autores do terceiro mundo. Assim como nas músicas populares, a arte do morro traz conteúdo, realidade e fica mais convincente para quem ouça. Riquinho de asfalto não faz samba tão bom assim.

    Os próprios países dão o devido reconhecimento, antes de sequer esperar um premio Nobel caindo de paraquedas. Na Inglaterra os Beatles forma nomeados “Sir” pelo seu trabalho. Aqui no Brasil, a organização das olimpíadas “acreditou na rapaziada” e botou uma trilha sonora de enorme conteúdo popular e de qualidade.

    A comissão de premiação do Nobel deve ter feito uma tremenda contorção para poder deixar o premio nos EUA.

  7. Sou fâ de Dylan,
    desde

    Sou fâ de Dylan,

    desde sempre, mas acho que essa postura de querer contribuir para um mundo melhor etc etc etc não é a dele, simplesmente segue a fazer o que sabe, gostem ou não.

     

  8. O autor, por vias tortas, faz
    O autor, por vias tortas, faz aquilo que Dylan mais detesta: O endeusa e mitifica, transformando-o no exato oposto do que ele é. Tudo para falar mal do Nobel.

  9. Pelo modo como trata a elite

    Pelo modo como trata a elite mundia e sua corja, a imprensa, ele merece o nobel, mas o nobel da luta, não da literatura.

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