O encontro histórico de Joel do Nascimento e Jacob do Bandolim

Cintia Alves
Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.
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por Jorge Cardoso

O depoimento de Joel Nascimento sobre sua visita a Jacob do bandolim foi transcrito de minha entrevista pertencente à minha pesquisa de doutorado. O vídeo da entrevista consta em meu canal no Youtube.

https://www.youtube.com/user/Jcbandolim

Assista à entrevista na íntegra em três partes acessando o canal do bandolinista Jorge Cardoso

Joel do Nascimento, transcrição de entrevista feita por Jorge Cardoso

 “Encontro com Jacob do Bandolim/1955”

Seguem as lembranças do meu encontro com Jacob do Bandolim.

Fui levado, juntamente com meu irmão Joyr (violão) e Aloisio (pandeiro), pelo cavaquinhista Souza a conhecer Jacob do Bandolim.

Tinha eu nesta época 18 anos, estudava piano clássico e tocava cavaquinho.

Chegamos a sua casa por volta de 10:30hs da manhã de um lindo domingo onde o bandolinista nos recebeu amavelmente, com a camisa enrolada ao pescoço e de short, nos levando a sua varanda onde começamos a fazer música. Eu levei a minha violinha, o cavaquinho e um bandolim que era do Souza. Entre uma conversa e outra Jacob pediu desculpas dizendo que precisaria se ausentar rapidamente pois iria levar um amigo seu ao centro de Jacarepaguá. Após ele sair começamos a tocar tendo seu filho Sergio   a incumbência de gravar, com dois gravadores de rolo, toda a reunião. Entre as músicas tocadas eu solei na violinha o choro de Jacob, recém lançado de nome Nostalgia. O Sergio gravou e quando Jacob voltou ele colocou a fita.

Quem está tocando é o Jacob? Disse ele. Fiquei muito feliz com a intervenção do músico que afinal de contas era um grande elogio. Em seguida pedi a ele que tocasse o seu choro Sempre Teu e o acompanhei ao violão. Em dado momento ele parou e perguntou educadamente. Quem é o solista sou eu ou é você? O motivo era que eu fazia as baixarias, nos intervalos do solo, com certa velocidade partindo na região aguda do violão.

A reunião seguia animadamente quando recebemos a visita do músico Patrocino Gomes autor da polca Pardal Embriagado que Jacob havia gravado. O velho tocava um bandolim de alta qualidade. Entre uma música e outra pedi a Jacob que tocasse a sua valsa Santa Morena. Jacob tocou a primeira parte e na repetição da mesma eu fiz a terça no cavaquinho ensejando a ele uma reação que me assustou. Espera aí! Sergio! Grava que esta vai para o meu arquivo. Diante da intervenção de Jacob cabe afirmar que foi a primeira vez que foi executado daquela forma a sua valsa.

Pedi a ele para me ensinar a segunda parte do seu choro Ciumento e ele respondeu brincando carinhosamente: Você é chato. Em meio um choro e outro aparece no portão o bandolinista Evandro, que já era velho conhecido nosso, Jacob ao vê-lo comentou: Lá vem este cara que toca as minhas músicas todas erradas. Evandro sentou-se isolado, permanecendo calado e não tocou.”

Entre os choros que toquei o Souza me pediu para mostrar a primeira parte de Ecos que foi composta aos 15 anos.

Jacob comentou que eu tocava cavaquinho fantasiado de bandolim. Não sei dizer se o seu comentário era devido à afinação de bandolim que eu usava no cavaquinho ou o estilo Jacob que eu mostrava nos meus solos.

Em dado momento ele fez um comentário precedido de uma demonstração.

A demonstração de Jacob e o comentário sobre o uso da sua mão direita no instrumento, jamais foram esquecidos por mim.

Dizia ele:

“Eu já não dou mais trabalho aos operadores de som das rádios, devido a forma que passei a usar a mão direita no bandolim”.

Ressalvo que na época, os transformadores das rádios eram manipulados manualmente por técnicos que controlavam o nível da saída do som da transmissão.

O perfeccionismo de Jacob:

Jacob segurava a palheta meia obliquada, mantendo-a rigorosamente na mesma posição ao tocar as cordas. Os dedos indicador e polegar manipulavam a palheta para cima e para baixo, com uma eventual ajuda do punho, proporcionando um equilíbrio e uma sonoridade paralela. Esta ação conjunta, resultava em uma perfeita sincronização do peso da mão levado às cordas, que mantinha uma perfeita sintonia e igualdade na sequência do fraseado que o caracterizou. Toda esta ação, era conjugada com o apoio de parte do antebraço atrás do cavalete do instrumento. Fiel às regras que formatou e que se propunha a realizar, o músico concretizava a sua pesquisa. Sua técnica de solar no instrumento consistia em palhetar para cima e para baixo, contudo, prevalecendo o movimento para baixo.

Aproveito o ensejo em estar falando sobre técnicas de execução e faço um relato sobre as minhas próprias técnicas, da minha mão direita:

Apesar de conhecer diversas escolas de execução do bandolim, aderi à minha maneira de usar a mão direita. A posição do meu antebraço direito é reta e perpendicular ao braço do instrumento. Entendo que esta posição, mantém o punho anatomicamente em uma posição normal. Seguro também a palheta de forma bem obliquada, dando uma aproximação maior entre as duas cordas, resultando em uma sonoridade mais encorpada. O uso da minha mão direita consiste em palhetar as cordas primeiramente com os dedos indicador e polegar, depois com o punho, posteriormente com o antebraço, e por fim, com todo o braço. Sendo tal manuseio, primordial nas necessidades técnicas apresentadas dentro de uma composição, como por exemplo: “Concerto para bandolim e orquestra – a Joel Nascimento” (Radamés Gnattali), sendo o acorde inicial executado com todo peso do braço.

Devo dizer que o meu estudo de bandolim foi todo baseado na disciplina do meu estudo de piano clássico.

Entendo que a condução e o estudo de um instrumento, nas devidas proporções, são iguais.

Ao me lembrar de uma reportagem que li em um jornal e que dizia: “Jacob está ficando” maluco. Não perdi a oportunidade de indagar o que teria acontecido. Ele chamou a sua esposa Adília e pediu para ela confirmar o que ele iria relatar:

– Passei um dia e uma noite trancado no quarto só de camisa e cueca para tirar uma música.

Sua esposa confirmou, mas Jacob não disse pra gente qual foi a música

Devo dizer que seu filho Sergio Bittencourt, um menino que se apresentava com a perna engessada, com dois gravadores de rolo gravou toda a reunião.

Os solos de Jacob ao bandolim causou em mim e em meu irmão Joyr uma impressão negativa, devido ele tocar um pouco baixo e sem som, como não poderia deixar de ser, era bem diferente dos mostrados em seus discos.

Todos já um pouco cansados encerramos a reunião por volta de 17:30h

Jacob se mostrou muito entusiasmado com a reunião e eu e o grupo vivemos um sonho que jamais foi esquecido. Passados alguns dias tivemos um novo encontro, eu e meu irmão Joyr, na porta do seu trabalho onde ele nos convidou a voltar a sua casa.

Jacob você gosta de Chopin? Em meio a um certo espanto ele respondeu que adorava. Fiquei muito feliz com a sua resposta.

Cintia Alves

Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.

5 Comentários

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  1. O encontro histórico de Joel do nascimento e Jacob do bandolim.
    Gostei da reportagem. Sou um apreciador de chorinhos. Gostaria de contactar com músicos que também apreciam chorinhos, para promover um encontro musical. Violonistas, pandeiristas, flautistas, saxofonistas, enfim, todos os que apreciam e tocam chorinho.

  2. O depoimento de Joel Nascimento sobre sua visita a Jacob do bandolim foi transcrito de minha entrevista pertencente à minha pesquisa de doutorado. O vídeo da entrevista consta em meu canal no Youtube.
    Recomendo a citação das fontes na postagem em questão assim como do acesso ao vídeo da entrevista.

  3. Prezada Sra. Cintia Alves,
    O depoimento de Joel Nascimento sobre sua visita a Jacob do bandolim foi transcrito de minha entrevista pertencente à minha pesquisa de doutorado. O vídeo da entrevista consta em meu canal no Youtube.
    Recomendo a citação das fontes na postagem em questão assim como do acesso ao vídeo da entrevista.
    Obrigado!

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