A batalha do “capitalismo de vigilância” fica mais violenta, por Carlos Castilho

Estamos assistindo a mais um round de uma nova forma de ganhar dinheiro por meio do monitoramento e uso de dados pessoais de usuários de redes sociais

do ObjETHOS 

A batalha do “capitalismo de vigilância” fica mais violenta

por Carlos Castilho*

Depois de ser acusada de praticar o chamado “gangsterismo digital” , a rede social Facebook anunciou uma  nova série de medidas para tentar limpar a sua imagem pública Mas a iniciativa foi recebida com ceticismo porque a empresa de Mark Zuckerberg perdeu credibilidade no que se refere à privacidade de seus usuários depois de sucessivos casos de vazamentos e uso indevido de dados alheios.

Estamos assistindo a mais um round da chamada “Guerra do Capitalismo de Vigilância” (do inglês Surveillance Capitalism) , um termo criado por especialistas acadêmicos para identificar uma nova forma de ganhar dinheiro por meio do monitoramento e uso de dados pessoais de usuários de redes sociais.

Trata-se de uma guerra político-financeira onde de um lado estão governos conservadores como os da Inglaterra e Estados Unidos, interessados em neutralizar o poder das redes sociais, e do outro as bilionárias empresas de tecnologia que ganham fortunas imensas comercializando dados obtidos gratuitamente de usuários de redes sociais.

O fundador da maior rede social da internet ignora a pressão de políticos europeus porque acha que só tem que prestar contas ao governo e ao congresso dos Estados Unidos, baseado no fato de que sua empresa foi criada e funciona na Califórnia. Mas a realidade mostrou que a comunicação via redes sociais na internet atropelou o conceito de fronteiras geográficas, que ainda está muito vivo na cabeça de parlamentares. Facebook , independente do fato de ter sede nos EUA, é hoje uma comunidade internacional formada por 2,3 bilhões de usuários espalhados por mais de 50 países.

O caráter globalizado das redes sociais acabou criando um complexo dilema sobre quem tem o poder legal de regulamentar ou restringir as atividades do Facebook, que desde as eleições norte-americanas de 2016 e do plebiscito do Brexit (saída da Grã Bretanha da União Europeia) está sob uma fortíssima pressão de governos e partidos políticos. Os segmentos menos antenados com as novas tecnologias não se conformam com a alteração do comportamento político de milhões de eleitores provocado pela avalanche informativa na internet, da qual faz parte o fenômeno das notícias falsas.

Fake news na guerra da informação

As fake news viraram um item da agenda pública mundial, mas elas são apenas uma parte de um processo ainda mais amplo e complicado que é o crescimento vertiginoso de uma modalidade econômica onde a comercialização de dados pessoais fornecidos por usuários da internet passou a ser fantasticamente lucrativa.

É o chamado “capitalismo de vigilância”, uma atividade onde o nosso modo de vida é a mercadoria mais valorizada, deixando num segundo plano a nossa força de trabalho física e intelectual que até agora era a pedra angular do capitalismo convencional ou analógico.

Facebook é o protagonista central no caso das fake news porque o ponto forte da rede é a interatividade entre seus usuários, mas o ícone principal do “capitalismo de vigilância” é a empresa Google, hoje a detentora da maior massa de informações sobre pessoas já reunida na história da humanidade. O grande segredo da Google foi oferecer gratuitamente um serviço de buscas na internet, mas a empresa não pesquisa apenas os temas procurados pelo usuário, mas também os dados sobre o comportamento de quem faz buscas. Estes dados, obtidos sem o conhecimento do usuário, formam hoje um incomensurável capital informativo que é processado pela Google para faturar bilhões de dólares por ano ao fornecer a anunciantes informações sobre o comportamento de consumidores.

O papel do Facebook no condicionamento das intenções de voto dos ingleses no referendo popular sobre a saída da União Europeia, em junho de 2016, bem como na campanha eleitoral norte-americana que levou à vitória de Donald Trump, também em 2016, assustou o establishment ocidental dada a possibilidade concreta da elite política nos EUA e na Europa perder o controle sobre os processos de consulta popular. Curiosamente, esta ameaça não veio de movimentos de esquerda, mas de grupos de ultradireita.

O efeito desestabilizador do “capitalismo de vigilância” ainda é um tema privativo dos núcleos de pesquisas estratégicas sobre o futuro no planeta, mas já provoca uma profunda insegurança entre os principais tomadores de decisões, porque ele implica a ascensão da empresa Google como um protagonista político global de extrema importância dada a massa de conhecimentos que acumulou ao longo dos seus 10 anos de existência. Uma massa de conhecimentos que inclui dados sobre os atuais governantes em todo o mundo.

A União Europeia aplicou na Google uma multa recorde de 19 bilhões de reais como punição pela captura de dados sobre usuários no Velho Mundo. A multa é mais um retaliação política do que um golpe financeiro, pois em 2018 os lucros da empresa de buscas na internet chegaram a 33 bilhões de reais. Os Estados Unidos até agora foram tolerantes diante do crescimento político e econômico das empresas Facebook e Google, mas o crescimento acelerado tanto das fake news como do “capitalismo de vigilância” intensificaram a insegurança e incerteza sobre a política e a economia no planeta.

A maior agressividade, por enquanto verbal, dos legisladores europeus é um sintoma de que eles parecem decididos a transformar as fake news num objetivo estratégico intermediário antes de atacar questão dos dados pessoais. As notícias falsas são um alvo mais fácil porque é uma questão compreensível pelas pessoas comuns, já o “capitalismo de vigilância” é um problema complexo que exige maior poder de abstração do público.

Texto atualizado e adaptado a partir do original publicado no blog https://medium.com/@ccastilho

***

*Carlos Castilho é doutorado em mídia e conhecimento, com pós-doutorado em Jornalismo em Comunidades de Prática. Pesquisador do objETHOS

O GGN prepara uma série de vídeos que explica a influência dos EUA na Lava Jato. Quer apoiar o projeto? Clique aqui.

Redação

2 Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

  1. Reino Unido e EUA… “versus” Facebook?!
    Acho que não, hein? A Europa do euro, talvez. Mas imagina que o pessoal do dólar vai contra sua mais eficiente arma para a destruição de estados democráticos, de democracias… Podem, aqueles estados estrangeiros, até tentar estabelecer imagem favorável, como faz a firma “Facebook”. Mas daí a dizer que o dólar está se incomodando pelo que faz a firma? Pelo contrário, cada vez que alguém clica no símbolo da rede social em sua tela, os poderes econômico e financeiro concentram-se mais e mais.

    Ainda tem gente que acha que a Internet democratiza… puá! Democratizaria, sim, mas só se não fossem esses oligopólios privados. E tirando a China, que sociedade nacional, que país consegue regular oligopólios privados?

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador