Acampamento estudantil pressiona USP a romper convênios com Israel

Dolores Guerra
Dolores Guerra é formada em Letras pela USP, foi professora de idiomas e tradutora-intérprete entre Brasil e México por 10 anos, e atualmente transita de carreira, estudando Jornalismo em São Paulo. Colabora com veículos especializados em geopolítica, e é estagiária do Jornal GGN desde março de 2014.
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Estudantes protocolaram pedido de cancelamento dos vínculos com universidades israelenses consideradas cúmplices do genocídio em Gaza

Acampamento estudantes USP
Foto: Dolores Guerra/GGN

Aos moldes dos acampamentos dos estudantes estadunidenses em solidariedade ao povo palestino, que sofre um genocídio em Gaza pelos últimos 7 meses, o Comitê de Estudantes em Solidariedade ao Povo Palestino da USP (ESPP) iniciou um acampamento no Vão da História e Geografia, no campus do Butantã da Universidade de São Paulo na última terça-feira (7). 

O acampamento tinha como objetivo pressionar a diretoria da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) a aceitar a proposta de cancelar os convênios acadêmicos com a Universidade de Haifa e Hebraica de Jerusalém na reunião marcada para sexta-feira (10).

“Protocolei pedido de incorporação do nosso movimento e petição na Congregação e, logo em seguida, ela foi cancelada”, afirmou um dos alunos acampados, que também é representante discente na Congregação. 

O e-mail recebido pelos membros da Congregação mencionava “a necessidade de atualizar mais documentos” como razão para o adiamento da reunião. Há outra reunião no calendário da instituição para o dia 23 de maio.

Em entrevista para o GGN, o diretor da FFLCH, Paulo Martins, declarou que a Congregação era “extraordinária e com uma pauta absolutamente burocrática” e que o adiamento se devia à alteração do prazo da pauta que seria abordada. “O cancelamento foi decidido antes das manifestações, ainda que tenha sido publicizado posteriormente ao início das manifestações”, acrescentou Martins. 

O diretor da FFLCH afirmou que, durante a última Congregação, foi aprovado por unanimidade o apoio ao povo palestino, “logo quaisquer ilações que relacionem o cancelamento com o impedimento de manifestação de professores, alunos e funcionários são absurdas”, mencionou. 

Em nota, a diretoria declarou que “o respeito à livre manifestação é uma característica da Universidade de São Paulo e da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. Assim, sua diretoria vem a público dizer que vê com normalidade o exercício do direito de livre manifestação de seus professores, estudantes e funcionários realizados entre 7 e 9 de maio que ocorrem pacificamente”. 

Quanto à atual situação em Gaza, Paulo Martins afirmou que “esta guerra é inescrupulosa, indecente e imoral! O povo palestino tem todo meu apreço, consideração e solidariedade”.

Diante do atual cenário, os estudantes estão esperançosos. “Nossa expectativa é, se o espaço democrático for garantido para gente colocar em votação, que essa suspensão seja aprovada, até porque nenhum estudante seria prejudicado diretamente, não tem nenhum estudante da FFLCH lá nesse momento, nem estudantes deles deles aqui”, confirma o representante discente.

Boicote acadêmico como tática política

A reivindicação de ruptura das relações acadêmicas com Israel faz parte de um leque de táticas políticas para provocar o isolamento do Estado de Israel como forma de exigência para a derrubada do regime de apartheid imposto ao povo palestino, como define a Anistia Internacional. O movimento global por boicote, desinvestimento e sanções (BDS) ao enclave surge em 2006, após um chamado de uma coalização de organizações da sociedade civil palestina, sob os parâmetros do direito internacional, a exemplo do que foi o movimento de boicote contra o apartheid na África do Sul.

Perguntado sobre as repressões sofridas pela comunidade acadêmica da Universidade Hebraica de Jerusalém ao se manifestarem contra o genocídio em curso, Martins respondeu ficar “absolutamente consternado que colegas em qualquer país sejam submetidos a violências”, pois “se isto ocorre em Israel, não é menos revoltante do que se ocorresse nos EUA, na França, na Argentina ou em Austrália”, completou.

A professora da Universidade Hebraica, Nadera Shalhoub-Kevorkian, foi suspensa e posteriormente presa em abril deste ano após fazer um chamado pela “abolição do sionismo” e por denunciar que Israel cometia um genocídio em Gaza.

No entanto, o diretor da FFLCH disse ser “pessoalmente contra rompimento de relações acadêmicas com qualquer país” por acreditar que “o intercâmbio de conhecimento não pode estar sujeito a políticas de governos de outros países”.

Ainda assim, expressou que se “os colegiados da Universidade de São Paulo se manifestarem de forma contrária, estarei submetido à regra contrariado”.

Tanto a Universidade Hebraica, cujo campus foi construído parcialmente em território expropriado de famílias palestinas de Jerusalém Oriental, quanto a Universidade de Haifa divulgaram o fornecimento de equipamento logístico para diversas unidades militares para o exército israelense em Gaza e instituiu um programa de financiamento e benefícios acadêmicos para estudantes soldados que estejam em serviço nos atuais ataques.

Movimento é acusado de apoiar organização terrorista

Foto: Dolores Guerra/GGN

StandWithUs Brasil, organização que promove a educação sobre Israel e combate o antissemitismo, publicou uma nota afirmando que o acampamento estudantil na USP “conta com a participação do grupo Samidoun, reconhecido como terrorista pelo Canadá e por Israel”.

De acordo com a nota, o Samidoun deseja “conseguir ‘justiça’ para eles promovendo diversos eventos que enaltecem terroristas, principalmente membros da Jihad Islâmica Palestina e FPLP (Frente Popular pela Libertação da Palestina)”.

O presidente-executivo da StandWithUs Brasil, André Lajst, acredita ser um caso “extremamente preocupante”. Para ele, sua organização defende “a liberdade de expressão de todos os estudantes, mas quando isso se aproxima de atos antissemitas, antissionistas – que por si só, é uma atitude antissemita também – e do terrorismo, precisamos repensar a legitimidade desses atos”.

Samidoun: um terrorismo sem terrorismo

Criada em 2011, Samidoun (Rede de Solidariedade ao Povo Palestino) é uma organização em defesa dos presos e presas palestinos, através de eventos, delegações, pesquisa e divulgação de informações para “construir pontes com o movimento de prisioneiros na Palestina”, de acordo com seu site oficial. 

A rede foi definida como uma organização terrorista por Israel, Estados Unidos e União Europeia por haver sido fundada por ex-militantes da Frente Popular para a Libertação da Palestina, o partido palestino marxista fundado nos anos 1960. 

Surgida após a Guerra dos Seis Dias, que resultou na expansão da ocupação israelense pelo território histórico palestino, a FPLP se opõe tanto ao governo liderado pelo Fatah, na Cisjordânia, como o do Hamas, na Faixa de Gaza. Historicamente, o partido defende a solução de um Estado, que seria uma Palestina democrática em que palestinos e israelenses viveriam sem discriminação. 

A FPLP ficou conhecida mundialmente pelas operações de sequestros de aviões em voos comerciais como forma de pressionar Israel a atender suas demandas nos anos 1960 e 1970. Naquele momento, sua figura mais emblemática foi a militante Leila Khaled. 

No entanto, não existe nenhuma ação violenta relacionada ao Samidoun, que atua no Oriente Médio, Europa, América do Norte e no Brasil. As atividades que chegaram a levantar polêmica são aquelas relacionadas às iniciativas de boicote, desinvestimento e sanções a Israel, similares àquelas realizadas pela organização BDS.

Para os estudantes, o acampamento é apenas o início

Durante a noite de quinta-feira (9), os estudantes acampados decidiram manter o cronograma previsto e encerraram o acampamento.

Foto: Divulgação/ESPP-USP

“Independente da Congregação, o acampamento não é a única iniciativa, outras universidades estão se organizando para acampar também”, revela o representante discente. Os estudantes são parte da construção do ato da Nakba (dia que marca a criação do Estado israelense e a expulsão massiva de palestinos de seus territórios), dia 15 de maio, no vão do MASP, convocado pela Frente em Defesa do Povo Palestino.

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