Ciência é Investimento… Mas em quê? O Desafio da Comunicação e Disseminação Científica, por Daniel Colombo

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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Ciência é Investimento… Mas em quê? O Desafio da Comunicação e Disseminação Científica

por Daniel Colombo

Assim como nos últimos anos, 2018 começou com uma notícia ruim para a comunidade científica: o valor do orçamento federal para ciência e tecnologia (C&T) regrediu cerca de 20% com relação a 2017, constituindo em torno de um terço do montante previsto na lei orçamentária de 2014. Em parte, a trajetória declinante é explicada pelo encerramento de um ciclo expansivo de gastos públicos, uma tendência internacional iniciada em 2010, conforme dados da OCDE. Mas tenho a impressão de que parcela desse quadro também deve ser creditada à dificuldade da comunidade científica em dialogar com um público mais amplo, a fim de justificar a relevância de suas atividades para a sociedade.

O reduzido diálogo entre cientistas e o público não especializado constitui um problema em si, independente de questões de financiamento. Mas essa deficiência cobra seu preço com maior ênfase em momentos de restrição orçamentária, nos quais diferentes grupos de interesse são chamados a se digladiar na arena pública pelos recursos minguados e cuja destinação é definida muitas vezes por critérios pouco racionais. Nesses momentos, se os porta-vozes da ciência não conseguem expor de forma convincente os benefícios sociais advindos das atividades científicas, o cálculo político frio torna essa rubrica uma candidata em potencial para receber a navalha orçamentária.

A defesa de C&T é um discurso amplamente aceito no plano teórico-abstrato, mas que se mostra difícil de ser legitimado concretamente. E a dificuldade se dá não pela ausência de resultados – que são muitos, mas porque muitas vezes não conseguimos expressá-los claramente para a população. Falta-nos uma cultura de diálogo com a sociedade, não sentimos que devemos satisfação àqueles que financiam nossos trabalhos. O Brasil titulou em 2016 cerca de 60 mil mestres e 20 mil doutores. É imperativo questionar quantas dessas dissertações e teses foram conhecidas por pessoas além da banca de defesa. Quanto conhecimento produzido poderia enriquecer nossa compreensão em diversas áreas, mas permaneceu trancafiado por fórmulas e jargões científicos nas bibliotecas universitárias?

Explicar as raízes desse traço cultural é tarefa complexa que transcende este artigo. Algumas hipóteses que vêm sendo debatidas são a ausência de treinamento específico em comunicação de resultados e a abordagem paternalista e autoritária do discurso científico destinado ao público geral. Olhando para o caso brasileiro, percebe-se que o debate circunscrito ao círculo de iniciados é uma característica que perpassa todas as etapas da vida profissional do pesquisador. Como bolsistas, nossos produtos são na maior parte dos casos relatórios e artigos para uma audiência seleta e altamente especializada. Como professores ou pesquisadores, nossas metas e resultados são mensurados por publicações e apresentações em periódicos e eventos científicos.

Esse modus operandi acaba por se refletir na maneira como justificamos nosso sistema de C&T. Relatórios de atividades de órgãos públicos e agências de fomento encontram-se recheados de informações sobre o valor dos investimentos realizados, a infraestrutura física construída e o número de bolsas concedidas, mas poucos se dedicam a explicitar os resultados e benefícios sociais obtidos. Tal problema cresce exponencialmente se considerarmos o arsenal de planos, programas e iniciativas governamentais dos últimos anos, cujos resultados não foram apresentados ou discutidos a contento. Quais as tecnologias geradas e o ganho de produtividade obtido pelas empresas financiadas com os R$ 32,9 bilhões previstos para o Programa Inova Empresa lançado em 2013? Onde estão e o que fazem os milhares de ex-bolsistas do Programa Ciência Sem Fronteiras? Que fim tiveram as ‘Plataformas do Conhecimento’ lançadas no último ano do primeiro mandato do governo Dilma?

Aprofundar o debate entre pesquisadores e sociedade é um desafio que requer alterações profundas na maneira como encaramos a atividade científica e nossa comunicação com o público. Conforme proposto por Leshner (2003), precisamos abandonar a ideia de ‘esclarecer’ ou ‘educar’ a sociedade, substituindo-a por um canal de diálogo verdadeiramente bidirecional que considere e respeite as convicções e ideias dos interlocutores, ainda que não estejamos de acordo com elas.

Algumas soluções criativas vêm sendo colocadas em prática. Os editais do Programa Marie SkŁodowska-Curie da União Europeia exigem que as propostas apresentadas esbocem um plano de comunicação para audiências distintas. Várias chamadas para contratação de professores de universidades norte-americanas e europeias levam em consideração a participação dos candidatos em ‘outreach activities’. O MIT OpenCourseWare disponibiliza em sua página cursos semestrais completos (recomendo especialmente o de álgebra linear). Iniciativas do gênero exigem que cientistas reflitam sobre seu engajamento com a sociedade e como podem devolver parte do investimento que é feito em sua formação.

Propostas valiosas também estão em andamento no país: a Semana Nacional de Ciência e Tecnologia vem disseminando conhecimento em múltiplos municípios desde 2004; e os projetos ‘VerCiência’ e ‘A Ciência Que Eu Faço’ ajudam a desmistificar o trabalho de pesquisa, aproximando tanto a ciência quanto a figura do cientista do cidadão.

O cenário atual exige que o desafio da disseminação científica não se concentre nas mãos de autoridades governamentais e chefes de departamento, cabendo a cada cientista e pesquisador legitimar e justificar seu trabalho perante o público. A ruína ou recuperação do sistema nacional de C&T depende de sairmos da torre de marfim e explicar para a sociedade no que se investe quando destinamos recursos para atividades, pessoal e estrutura de pesquisa, e também quais os resultados que se podem ou não esperar desses investimentos.

 

Daniel Colombo – Doutor em Economia do Desenvolvimento pela USP, membro da carreira de Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental do Ministério do Planejamento, e atualmente sou pesquisador no INEP/MEC (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira)

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

11 Comentários

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      1. Caro Daniel:
        Essa espécie de

        Caro Daniel:

        Essa espécie de “acerto de contas” ou satisfação pública – 

        até onde pude entender –

        seria válido se publicada em jornal de circulação diária,

        sob a responsabilidade do doutorando e do orientador?

        1. Caro Walter Araujo,
          Trata-se

          Caro Walter Araujo,

          Trata-se de uma excelente pergunta, para a qual não acredito que exista uma única resposta. Certamente, a publicação de resultados em periódicos destinados a um público mais amplo colabora para o diálogo com a sociedade, desde que haja um cuidado com a linguagem utilizada. Entretanto, essa não é a única maneira de disseminar produtos de pesquisa, e dependendo do tema outras abordagens podem ser mais apropriadas.

          Acredito que o ponto é que a estratégia de comunicação deve fazer parte da construção da pesquisa, a fim de garantir que ela seja conhecida e possa contribuir para a percepção da sociedade acerca da importância da atividade científica.

          Um abraço,

          Daniel

           

  1. Não concordo
    Mais um responsabilizando o corpo científico pelos maus tratos a C&T no brasil.
    Perguntas:
    Qual interesse real de nossas elites com ciência e educação?
    Qual interesse do meio midiatico em relação a C&T? Não confundir interesse em ciência e interesse pela frutos da ciência.
    Qual tradição poderíamos resgatar se os próprios interessados nem sabem o que é tradição. Talvez USP, algumas federais. O restante simplesmente não têm tradicao.

    1. A propósito
      No momento atual falar sobre paradigmas em ciências e educação é o mesmo que enxugar gelo se, de fato, estamos entregando nossa soberania energética (Petrobras, eletrobras, etc), soberania militar (Embraer e indústria naval) e a própria soberania telemática como nosso amigo indicou no link sobre nosso satélite geodésico.

    2. Prezado Roberto

      Prezado Roberto,

      Sinto muito pela revista e pelo grupo de pesquisa. Minha intenção não foi culpar a comunidade científica pela atual crise. Mas acredito que temos a responsabilidade de defender a ciência e tecnologia no debate público, e isso passa por melhorar a comunicação de nossas atividades e resultados para um público mais amplo. Espero ter sido mais claro.

      Um abraço,

      Daniel

       

  2. Outro dado
    Eu era editor chefe de uma das nossas revistas científicas no ramo de biotecnologia, capes A, internacional. Foi imobilizada e é provável que em 2019 ela seja extinta por inatividade pois o diretor presidente afirmou categoricamente que o instituto de pesquisa deve trazer RESULTADOS para as finanças e não mais um escoadouro de dinheiro.
    PS: A revista foi fundada em 1946 com apoio da fundação Rockefeller no Brasil!

  3. Outro dado (2)
    Faço parte de um grupo de astronomia amadora que tem ganhado as páginas dos jornais devida as atividades de campo. Um de nossos integrantes, pesquisador, descobriu um dos asteróides promissores para estudo geológico no futuro.
    Esse grupo amador e mantido exclusivamente pela obstinação dos associados que patrocinam se a si próprios. Não temos nenhum laço com alguma instituição governamental, apesar de nós trabalharmos como funcionários em órgãos do governo.

  4. C&T e Educação sob nocaute ditatorial…
    Nassif, um país que desde o advento do neoliberalismo massacra a educação e a C&T (essas molas propulsoras da democracia participativa e do desenvolvimento de nações dignas desse nome) e apagou a memória dos anos de chumbo da ditadura militar para viabilizar a atual ditadura togada está condenado ao analfabetismo político-científico, com uma diferença em relação aos dois períodos arbitrários: enquanto os militares respeitavam e procuravam incentivar uma C&T capaz de nos tornar uma potência nuclear, com submarinos atômicos e demais sinônimos de poderio militar-energético, os tiranos de agora aprenderam a lição de que o declínio da ditadura militar começou nas universidades e instituições científicas e desembocou na Constituição Cidadã de 88. E não querem correr tal risco, mantendo educação, ciência e tecnologia sob nocaute bem como todos os sonhos de termos uma educação desvinculada do MEC-USAID e neoliberalismo. Para tanto, mantêm-se em vigência todos os boicotes implementados por FHC ao setor em tela. Ex-presidente do conselho da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência e marido de uma pesquisadora, Ruth Cardoso, que foi uma guerreira na luta contra as desigualdades sociais e estupidificação da inteligência nacional, FHC foi eleito por uma população que enxergava na Universidade e C&T os únicos remédios para os males que nos afligiram durante o golpe militar. Funcionando como um sindicato combativo, a SBPC, que completou 70 anos no começo do ano, teve como presidentes cientistas como Maurício Rocha e Silva e Warwick Kerr entre 63 e 71, quando entrou em cena Oscar Sala, que como dirigente do Departamento de Física da USP conseguiu criar uma blindagem à SBPC até ser sucedido – na SBPC – por José Goldemberg, Crodowaldo Pavan, Aziz Ab´Saber e, sobretudo, por uma catedrática em Psicologia que transformou a instituição em centro das principais discussões e batalhas que levaram à “redemocratização” ou fim daquele golpe militar. Carolina Martuscelli Bori personificou a alma de uma C&T capaz de retirar o país do atoleiro, seja através de reuniões anuais que congregavam mais de 20 mil pessoas (com uma média de 15 páginas diárias de cobertura de cada um dos principais jornais da época) durante uma semana, seja através de reuniões regionais e setoriais e da atividade permanente de comissões técnicas que se manifestavam sobre os principais problemas nacionais, conseguindo, por exemplo, implementar na maior parte dos estados uma réplica da FAPESP, essa fundação que desde os anos 60 financiou os avanços em C&T obtidos em SP. Graças a ela, o ainda jovem Lula estreou em uma reunião em Belo Horizonte no início dos anos 70, ao lado de outras lideranças sociais emergentes. A partir da transferência temporária da sede da SBPC para o RJ e da posse de FHC na presidência da República, entretanto, a instituição deixou de polarizar os enfrentamentos e questionamentos, passando a padecer uma invisibilidade semelhante à do jornalismo científico (que até então florescia, com direito a uma das 75 sociedades científicas específicas criadas no âmbito do CNPq, esse conselho que completa 67 anos, 33 dos quais subordinados à um ministério de C&T obscuro e semi-invisível). Essa invisibilidade dos operadores de C&T pode em parte ser creditada à sua ausência em questões estratégicas, como a da privatização em curso dos principais aquíferos nacionais, do pré-sal, da hidroeletricidade e ao abandono da meta da energia nuclear como propulsora de submarinos nacionais, mas só o imobilismo da sociedade civil sem seu antigo fórum de debates e pressões pode explicar o motivo pelo qual regredimos tanto em C&T e Educação, pois se a mídia que dava cobertura aos nossos cientistas virou PIG, ainda temos uma Internet, graças à FAPESP e sua Rede Acadêmica de São Paulo (ANSP – Academic Network of São Paulo), que surgiu em 1988, permitindo o acesso às redes BITNET (DECnet) e HEPNET (High Energy Physics Network). Entre 1992 e 1994, era o único acesso que o Brasil possuía à Internet, até que entre 1991 e 2006, a FAPESP foi responsável pelo registro de domínios e distribuição de endereços IP no país, atividade posterior e atualmente atribuída ao Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR (NIC.br). E pela SciELO, uma das maiores bibliotecas digitais do mundo, contendo inúmeras publicações científicas brasileiras, em parceria com a BIREME, o Centro Latinoamericano e do Caribe de Informação em Ciências da Saúde, co-patrocinado pelo CNPq, assim como a TIDIA, essa nova rede acadêmica do estado de São Paulo que, através do uso de tecnologias de fibra óptica, será uma das mais rápidas do mundo, se até lá o Governo paulista não privatizar a FAPESP e lotear a Cidade Universitária, transferindo a USP para alhures no Rodoanel, sempre sob o aplauso dessa repetidora da Globo, a TV Cultura. Em síntese, só na hora em que nossos jovens redescobrirem o caminho das pedras e reiniciarem a luta por esta nação latino-americana – e não sub-estadunidense como agora – é que fazer C&T voltará a ser ferramental indutor de melhor qualidade de vida e democracia nessa colônia sob o jugo do analfabetismo político-científico.

  5. Nada disso mudará se nao mudar o sistema de avaliaçao

    Que é voltado quase exclusivamente p/ a publicaçao de papers, e, pior ainda, de preferência em revistas interncacionais, cujos critérios de relevância temática nao sao voltados para a realidade brasileira.

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