Aldo Fornazieri
Cientista político e professor da Fundação Escola de Sociologia e Política.
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Crise de liderança: o gestor e o político, por Aldo Fornazieri

O Brasil passa por uma evidente crise de liderança. Os governantes não só não são capazes de orientar e dirigir a sociedade, mas perderam a virtude da prudência, já que não se antecipam ao advento dos problemas futuros com medidas preventivas. A capacidade de planejar se reduziu ao pagamento de consultorias caríssimas que, depois, na maior parte das vezes, são engavetadas. Desta forma, os problemas se acumularam e a maior parte deles se tornou insolúvel. O câncer tomou conta do organismo do Estado e os remédios estão chegando tarde demais para curar o paciente.

No plano da sociedade, há uma clara exaustão com os políticos. As relações esgarçadas (https://jornalggn.com.br/noticia/tumultos-urbanos-e-esgarcamento-social) se acumulam por toda parte. A conseqüência é o aumento da violência e a busca de soluções privadas, a exemplo do quebra-quebra no CEAGESP, queima de ônibus, invasões urbanas, bloqueios de ruas e avenidas e detenção de ladrões e assaltantes que são amarrados a postes por populares. Os criminosos se mostram cada vez mais ousados e a violência continua vitimando mais do que as guerras. Muitas pessoas não acreditam mais na mediação das instituições e dos políticos. A polícia, o vereador, o deputado, o prefeito, o governador e a presidência da república são instituições e representações com baixa legitimidade e a crise de representação se dissemina.

No plano político, a base governista do governo federal se divide em lutas clientelistas e fisiológicas e a presidente Dilma se mostra inapetente em conduzi-la politicamente. A ausência de direção política e moral do país chegou a ressuscitar a “Marcha pela Família com Deus”. Uma corrida avassaladora, fratricida e imoral, por verbas e por recursos públicos e privados tendo em vista as eleições está em pleno curso. As demandas das populações por melhores serviços e por direitos são ignoradas. A crise urbana nas grandes cidades afeta a maior parte dos serviços. As prefeituras e muitos estados, endividados e sem recursos, estão presos à sua própria impotência.

O Administrador e o Gestor          

Os dois principais governantes do país, Dilma e Alckmin, com seus estilos de gerentes, são avessos ao discurso político e moral, que é a forma de gerar esperanças e potência na sociedade em momentos de crise ou desorientação. A classe média conservadora, aliás, se afina com a insipidez asséptica do discurso tecnicista e administrativista. A rigor, a atividade política e a atividade administrativa, embora possam ter pontos de intersecção, são de natureza diferente. No fundamental, administração diz respeito à tomada de decisões acerca de recursos disponíveis visando alcançar determinados objetivos, gerenciando pessoas e meios. O administrador administra a empresa privada, que objetiva alcançar metas de produção e o incremento do lucro. Foi a partir de sua acepção privada que a administração migrou para o setor público.

Maquiavel, considerado o pai da política moderna, entendia que há uma diferença fundamental entre a administração do privado e o governo político, implicado na exigência do domínio da arte de governar. Segundo o pensador florentino, o governo político representa uma singularidade transcendeste de comando em relação às formas administrativas privadas. O seu objeto são o povo e o território e seu objetivo é o bem comum. O objeto e os objetivos determinam a natureza diversa entre a administração do privado e o governo político. Enquanto busca de objetivos determinados e parciais, o governo político pode e deve incorporar a administração, mas jamais se reduz a ela. Além dessa diferença estruturante, existem outras diferenças significativas entre a administração e o governo político. O administrador lida com recursos definidos e metas limitadas; o governante lida com recursos escassos e demandas ilimitadas; o administrador gerencia pessoas com funções delimitadas e capacidades profissionais específicas; o governo, além da burocracia, governa uma sociedade imersa em conflitos múltipolos e plurais. Quer dizer, as diferenças entre as duas atividades são inúmeras.

Ser administrador-gestor, a rigor, não requer nenhum processo sócio-político de construção da legitimidade. Tanto é que as grandes corporações vivem trocando seus executivos e estes não passam por nenhum processo ascendente de construção de liderança. Já, no governo político, o governante precisa legitimar-se, construindo e enraizando sua liderança nos processos sociais e eleitorais. É bem verdade que há políticos que chegam ao poder sem passar por esses processos. Mas, como regra geral, esses indivíduos fracassam politicamente. A simples transição do comando empresarial para o comando do Estado envolve grandes riscos. Basta citar os exemplos de Vicente Fox, ex-executivo da Coca-Cola, que fracassou como presidente do México e de Sebastián Piñera, ex-executivo da LAN, que fracassou como presidente do Chile.

O Desafio da Liderança

Recorrendo ainda a Maquiavel, ele nos diz que em tempos de normalidade prevalecem os líderes medíocres. Somente nos momentos excepcionais, nos momentos de grandes tragédias, de grandes desafios, surgem líderes extraordinários. Alguns podem questionar a necessidade de líderes fortes ou até mesmo da simples lideranças. Ocorre que a política é uma atividade contrária ao curso espontâneo do mundo. Governar é dar direção e sentido. E, ao que parece, o mundo, o Brasil e a sociedade mais do que nunca precisam de direção e sentido. Caso contrário, sobrevirá o caos, a anomia e a desordem. A virtù política, no sentido maquiaveliano do termo, consiste exatamente na disposição de capacidades morais e de manejo de maios para confrontar os eventos contingentes, os imprevistos e os acasos, identificados com a força da fortuna que, quando não há direção, exerce sua fúria desorganizadora. Parece ser isto o que vem ocorrendo no Brasil de hoje. Sem governantes virtuosos, o país está cada vez mais entregue à desordem, ao imprevisto e ao improviso.

Para que o grande líder, o estadista, se torne efetivo, precisa ser capaz de perceber a ocasião que se lhe oferece. Ele precisa ser capaz de perceber a conjuntura favorável à criação de ações extraordinárias, orientadas para a promoção de mudanças excepcionais. Muitos analistas se colocam a seguinte questão: esse líder é a expressão de uma singularidade individual ou é produto da existência de um povo virtuoso? Ele pode emergir de uma ou de outra situação. Mas o fato é que, na história, alguns dos maiores líderes foram expressão de uma singularidade individual em momentos em que seus povos viviam em condições degradadas. A desigualdade no Brasil continua gritante e os agravos que a maior parte do povo sofre em seus direitos são vistos por toda parte. Existe uma situação de injustiça e de iniqüidade. A ocasião para o surgimento de líderes extraordinários está dada. Mas, por enquanto, prevalecem o gerencialismo insípido e a corrupção. Quem sabe, as lutas e os protestos, tal como no passado, possam forjar novos líderes. 

Aldo Fornazieri – Cientista Político e Professor da Escola de Sociologia e Política.

 

Aldo Fornazieri

Cientista político e professor da Fundação Escola de Sociologia e Política.

5 Comentários

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  1. Como???

    São representantes do povo brasileiro, nós somos assim. E a curto prazo não vai mudar. Ainda mais em tempos de calmaria.

    O povo brasileiro é condescedênte com o mal feito.

  2. Nassif postou outro dia sobre

    Nassif postou outro dia sobre o drama que os grandes empresários vivem pela falta de executivos capazes. Dos que percebem as transformações e produzam respostas rápidas. Portanto, não é só a administração pública que está às voltas com problemas gerenciais. E a Siemens, Alston e empreiteiras, são vítimas ou agentes da corrupção? Há uma suposta teoria da decisão onde fica patente a possibilidade de se escolher n caminhos. Ao escolher um, fica vulnerável às críticas das torcidas por outras opções. Logo, sempre haverá desagrados. Se levarmos em conta o livro: Todo mundo é incompetente, incluisve você, podemos melhor compreender e torcer para que não surjam “líderes extraordinários”. Principlamente os que são forjados nos institutos piguianos como o  “Empulhare”. Tá mal governado? Quando é que foi bem governado? Em época de crise mundial é possível bem governar, com as forças do atraso trocendo contra? E a grande imprensa ou a justiça, onde a pluralidade ou falta de autonomia não pode ser alegada como empecilho ao mau gerenciamento, também careceria de um grande lider?

  3. Não é só crise de liderança.

    Não é só crise de liderança. Vemos crise na musica, no cinema, na literatura, na politica, na falta de executivos, como ressalta Ivan Arruda acima, etc. etc. Não sei o que houve ou o que está havendo. Mas a geração dos anos 60,70, mesmo aos pedaços, ainda estão no comando em TODAS AREAS porque uma geração nova com pique, vontade, qualidade, etc. ainda não surgiu. Não sei o que será de nós, do Brasil. E o pior é que alguns lideres acham que devemos fechar as portas e entregar a chave para os USA. Parece que vamos renunciar à nossa cidadania, ao nosso território para que outros, ÁVIDOS, tomem posse. Será que viramos indios e estamos sujeitos ao seu destino – dominados – depois de receberem essa gente ‘branca’ com alegria em troca de espelhos e bugigangas. Será que nunca conseguiremos identificar e valorizar nosso valor?

  4. “A rigor, a atividade

    “A rigor, a atividade política e a atividade administrativa, embora possam ter pontos de intersecção, são de natureza diferente. No fundamental, administração diz respeito à tomada de decisões acerca de recursos disponíveis visando alcançar determinados objetivos, gerenciando pessoas e meios.”

    O paragrafo acima forjou a resposta de crise de liderança em pontos de intersecção de “meios” para que Dilma possa gerenciar a atividade administrativa com os recursos disponíveis:

    Todos os recursos que sobram da conjuntura especulativa da economia e ficam disponibilizados para tomada de decisões do governo são oriundos dos meios de produção, passivos de juros da SELIC, gerenciados pela propriedade privada. CONSEQUENTEMENTE, se forem usados em áreas não produtivas (ditas áreas do bem-estar-social) tornará o país cada vez mais deficitário e alienado ao tal câncer dos meios de produção capitalista.

    A questão está ligada ao problema da intersecção das transformações fundamentais da economia, a priori, quem causou a produção.

    Ora, o valor das pessoas geram os resultados “científicos dos meios de produção”; visando alcançar os objetivos adminstrativos das atividades monetárias que ordenam a consagração dos benefícios paralelos ao crescimento social pelo Estado.

    Entretanto, se os meios de produção da economia se deliberam com o valor das atividades de nós mesmos para nós mesmos, esse valor não pode ser aplicado ao governo por preço do dinheiro a par de  especulação por quem não trabalha, ou seja: uma gestão pela propriedade privadade (os bancos) que a rigor consome a intersecçao do governo e o valor da sociedade – o valor de volta – “em obras”, inclusive para quem o critica.

  5. Ei, ei, ei, aldo é nosso rei…ado, ado, ado, nosso rei…

    Por que o Senhor Aldo não tenta o suicídio?

    Deve ser um lugar chato este que ele habita. Crise de liderança, democracia esfarrapada, políticos maus (feito pica-paus), povo vitimizado, etc, etc, etc.

    Já sei, Aldo Fornazieri para presidente…não, não, para secretário da ONU…não, não, para lider interplanetário da Via Láctea…não, não e não: Aldo para deus!

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