De como Simplício descobriu que o Governo acertou ao errar

De como Simplício descobriu que o Governo acertou ao errar
Este Governo tem lados bons e lados maus, como qualquer governo. Mas o que realmente irrita nele é que não sabe reconhecer quando está certo, sobretudo em matéria de política econômica – observou o economista heterodoxo. Procurado por Simplício e Angeline, pacientemente explicou porque o ministro Mantega ficou tão transtornado com o déficit fiscal nominal de mais de R$ 9 bilhões em setembro e jurou por todos os santos reduzi-lo, inclusive cortando na carne o salário desemprego. 

— Afinal, perguntou Angeline, por que esse ministro tipo Cândido, que em geral acha que tudo vai bem no melhor dos mundos, desta vez ficou tão nervoso?

— Porque ficou mau na fita do FMI, do The Economist, das agências de risco, dos comentaristas da Globo e dos economistas tucanos da PUC, ou seja, de todo mundo que acha que o desenvolvimento do Brasil depende de estrangular o setor público, arrochar salários, provocar desemprego e contrair o investimento. Em suma, fazer no Brasil a política estúpida que estão fazendo nos países do sul da Europa, responsável hoje por uma taxa de desemprego, em alguns deles, de mais de um quarto da população ativa.

— O economista ortodoxo nos disse que cortando o gasto público deixa-se mais espaço para o gasto privado. Os empresários ficam mais alegres e confiantes e retomam os investimentos, comentou Simplício.

— Vai esperando isso. Empresário não investe sem perspectiva de vender sua produção. Quando a economia está em marcha lenta, como é o nosso caso, é preciso que o setor público amplie seus gastos para puxar a demanda e o investimento privado. Não é um problema de psicologia. É de cálculo de negócio. Nesse sentido, o déficit público, que é o governo gastar mais do que arrecada, ajuda. É lamentável que Mantega não tenha aprendido isso. Ou que tenha se deixado colonizar.

— Então os R$ 9 bilhões de déficit ajuda a economia?, provocou Angeline.

— Vou explicar como isso funciona, disse o economista heterodoxo. O déficit de setembro significa que o Governo gastou, ou seja, jogou na economia R$ 9 bilhões a mais do que retirou dela sob a forma de impostos. Isso significa que o setor privado recebeu essa quantia adicional em relação a seus próprios gastos correntes. De onde veio esse dinheiro extra? De dinheiro que estava parado na mão de aplicadores que não sabiam o que fazer com ele, a não ser investir nos papeis mais seguros, ou seja, na dívida pública, cobrindo o déficit.

— Estou começando a entender, interveio Simplício. O gasto adicional do Governo é receita adicional do setor privado, que com ele acelera o crescimento da economia.

— Isto mesmo. Mas é bom entender também o déficit nominal. É a conta de juros da dívida pública. Esse é rolado, não é pago. Sabem por quê? Porque não há alternativa de investimento produtivo para ele. O cara que ganha juros quer mais juros. Com isso, a rolagem dos títulos da dívida não afeta a economia real.

— Não afeta como?, perguntou Angeline. 

— Ou compra mais títulos com os juros, ou enfia no…

— Respeite Angeline, protestou Simplíciio.

— Desculpe-me, essa conversa sempre me deixa irritado. Nós não temos nenhuma razão econômica para seguir as instruções do FMI, do The Economist e dos comentaristas da Globo, e assim mesmo vemos nosso Ministro da Fazenda insistindo em cortar gastos públicos para lhes prestar vassalagem. Aliás, se ele gosta tanto de superávit primário, porque diabos andou distribuindo desonerações fiscais para todo lado nos dois últimos anos?

Simplício registrou na agenda vermelha, vigiado por Angeline: “Gasto público é receita privada, e receita privada é base para o investimento e o aumento do emprego.”

Redação

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