Jorge Alexandre Neves
Jorge Alexandre Barbosa Neves professor Titular de Sociologia da UFMG, Ph.D. pela Universidade de Wisconsin-Madison, nos EUA. Professor Visitante da Universidade do Texas-Austin, também nos EUA, e da Universidad del Norte, na Colômbia.
[email protected]

Desigualdade socioeconômica e desempenho educacional, por Jorge Alexandre Neves

Desigualdade socioeconômica e desempenho educacional

por Jorge Alexandre Neves

O mundo poderia ser mais simples, mas, infelizmente, não é. E é por isso que a alta gestão das políticas públicas demanda gente bem preparada para lidar com realidades que são extremamente complexas. De modo geral, essas pessoas capacitadas obtiveram seu preparo com uma mistura de estudo e experiência profissional. Há exceções, como é o caso de Lula, cuja extraordinária inteligência intuitiva proveu uma capacidade fora do comum para a tomada de decisões executivas e para a negociação política.

Nas recentes entrevistas que deu ao Estadão e à Veja e nas manifestações via Twitter, o ministro da Educação, Ricardo Vélez, mostrou que realmente não tem capacidade para exercer o cargo para o qual foi indicado por Olavo de Carvalho(1). Ele analisa o problema educacional brasileiro com a ótica do senso comum, de quem não consegue perceber sua complexidade.

Na última semana, o ministro falou várias bobagens, algumas que causaram até muita indignação, como as ofensas que fez ao povo brasileiro. Contudo, vou me fixar numa afirmação dele que é recorrente no senso comum, a de que se elevarmos a qualidade da educação pública, resolveremos o problema das desigualdades educacionais e, portanto, a política de cotas se tornará dispensável.

Infelizmente, o raciocínio simplório do ministro não tem respaldo nas análises especializadas. No mundo real, a elevação pura e simples da qualidade da educação pública faz aumentar a desigualdade educacional e torna ainda mais necessárias as cotas socioeconômicas e raciais. Para o caso brasileiro, José Francisco Soares e Maria Teresa Gonzaga Alves (http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1517-97022003000100011&lng=pt&tlng=pt), entre outros, mostraram evidências desse complexo problema.

Como essa não é uma realidade apenas brasileira, trago, abaixo, um gráfico para ilustrar o referido problema usando dados de escolas e alunos dos EUA (2). No gráfico, temos a análise interativa entre três variáveis: o nível socioeconômico da família do aluno (NSE), o desempenho do aluno em um teste padronizado de matemática (DESEALUN) e o nível de qualidade da escola (QUALIDAD). A curva azul diz respeito a alunos de escolas de baixa qualidade (nas quais o desempenho médio dos alunos está 2,125 desvios padrões abaixo da média e está no 25º percentil) e a curva vermelha se refere a alunos de escolas de alta qualidade (nas quais o desempenho médio dos alunos está 2,036 desvios padrões acima da média e está no 75º percentil).

O que o gráfico acima mostra é que o efeito do nível socioeconômico da família do aluno sobre seu desempenho é maior nas escolas de maior qualidade. Observe-se que, para qualquer nível socioeconômico, estar em uma escola de melhor qualidade propicia desempenho mais alto do aluno. Todavia, quanto maior o nível socioeconômico do aluno maior também a distância do desempenho entre aqueles que estão em escolas de alta qualidade e aqueles que estão em escola de baixa qualidade. Ou seja, em escolas de melhor qualidade a desigualdade de desempenho pelo nível socioeconômico das famílias dos alunos é maior do que em escolas de pior qualidade.

Como essas evidências podem parecer contraintuitivas para muitos, costumo tentar facilitar a compreensão desse fenômeno com uma situação hipotética. Imagine-se uma escola pública que não conta com uma biblioteca. Em seguida, imagine-se que essa escola, após o período de férias, recebeu uma biblioteca com 1.000 títulos paradidáticos adequados à idade escolar dos alunos. Quais alunos têm maior probabilidade de retirar livros da nova biblioteca para ler? Não é difícil de responder: aqueles que vêm de famílias com maior nível socioeconômico, principalmente nas quais os pais têm o hábito da leitura. Perceba-se que algo desejável – a instalação de uma biblioteca na escola – vai produzir resultados positivos (a elevação da prática de leitura entre os alunos), mas também negativos – uma maior desigualdade de desempenho entre os alunos de maior nível socioeconômico e os de menor.

Há na internet um pequeno documentário sobre o sistema educacional finlandês (https://www.youtube.com/watch?v=oXmOkMj9vyU). Nele, há uma entrevista com Pasi Sahlberg – especialista em educação e principal formulador da reforma educacional da Finlândia – na qual ele vai diretamente ao ponto ao afirmar que políticas educacionais só podem ser bem sucedidas se associadas a políticas sociais. Por que isso? Porque em qualquer sociedade a família é a instituição que mais gera desigualdade. Se o Estado não consegue equalizar as condições socioeconômicas das famílias, a elevação da qualidade da educação causa, inevitavelmente, elevação da desigualdade de desempenho entre os alunos.

No Brasil, em particular a partir da década passada, vínhamos conseguindo evoluir nos dois tipos de políticas públicas, as sociais e as educacionais(3). Infelizmente, corremos sério risco de retroceder.

Jorge Alexandre Neves – Ph.D. em Sociologia pela Universidade de Wisconsin-Madison (EUA), Professor Titular do Departamento de Sociologia da UFMG, Professor Visitante da Universidade do Texas-Austin (EUA) e da Universidad del Norte (Baranquilla, Colômbia), pesquisador do CNPq. Especialista em desigualdades socioeconômicas, análise organizacional, políticas públicas e métodos quantitativos.

(1) Em entrevista ao Estadão, Mozart Neves Ramos – que quase se tornou ministro no lugar do atual titular – resume bem o que ele representa na educação brasileira: “Não conhecia o novo ministro. E milito na gestão da educação desde 1990. Ninguém conhecia”.

(2) Os bancos de dados para a análise resumida no gráfico vem com um software de acesso gratuito do HLM (http://www.ssicentral.com/hlm/student.html).

(3) Há inúmeras evidências de estudos científicos mostrando o efeito do Programa Bolsa Família sobre a redução da desigualdade educacional. Eu mesmo sou um dos autores de um estudo sobre o efeito positivo do Bolsa Família sobre a educação que é o capítulo de um livro que organizei com Murilo Fahel (http://www.repositorio.fjp.mg.gov.br/handle/123456789/192). Quanto à eficácia da política educacional naquele período, citarei um trecho do relatório do PISA-2012 que já havia citado em outro coluna minha no GGN: “Embora o Brasil tenha um resultado abaixo da média da OCDE, seu desempenho médio em matemática subiu desde 2003 de 356 para 391 pontos, fazendo do Brasil o país com a maior elevação desde 2003. Melhoras significativas também foram observadas em leitura e ciências”.

 
Jorge Alexandre Neves

Jorge Alexandre Barbosa Neves professor Titular de Sociologia da UFMG, Ph.D. pela Universidade de Wisconsin-Madison, nos EUA. Professor Visitante da Universidade do Texas-Austin, também nos EUA, e da Universidad del Norte, na Colômbia.

7 Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

  1. cegueira Ideologica ou projeto pensado?

    não gosto da teses de cegueira ideológica, esses caras recebem dinheiro de fundações bem suspeitas e não parecem desconfortáveis com isso.

    Certamente esse é um projeto de longo prazo da oligarquia nacional( e internacional) para manter uma classe de parias que podem eventualmente servir de espantalho para aprovar projetos draconianos como a reforma trabalhista e os cortes de serviços públicos.

     

     

  2. Não foi por falta de

    Não foi por falta de aviso

    Pois é, o mundo deveria ser mais simples mas não é, como lembra o autor

    TIVESSEM os progressitas mergulhado de cabeça – desde o início – no aperfeiçoamento e implementação das cotas SOCIAIS pra ingresso na escolas públicas técnicas e universidades, e milhões de votos não teriam carreado morro abaixo.

    A SOCIEDADE brasileira, com certa razão – os milhões de zés e manés – não se julgam racistas

    O BRASIL de há muito, institucionalmente tentava se imunizar contra o racismo (lei que punia discriminação – sua aplicação é outra seara –  garantia de acesso a locais e concursos etc) ..aí veio a cota racial pra institucionalizar a pratica EUGENISTA, essa foi a dura verdade

    NÃO existe racismo do bem  ..o reparo por cota racial  havido dos EUA e Australia por ex, NÂO tem nada a ver com a nossa realidade contemporânea que bate mais na miséria INDISTINTA (desemprego e informalização crônicos, urbanização dada a toque de caixa e analfabetismo funcional disseminado)

    e depois, mesmo diante dos protestos, ainda instituiram cota RACIAL pra concurso aonde, ali, deveria valer o preparo e o esforço  ..esculhambação completa

    Erros básicos e elementares de alguns ditos movimentos progressistas, eles que se colocacaram contra até à nossa formação católico-cristã (da solidariedade a TODOS de quem dela necessite, tipo como o BOLSA FAMILIA) ..e agora ficam nisso, tentando provar que o sol é quadrado, esqueçam !!! ..por erros destes de cá, colhemos agora uma derrota flagorosa em outras frentes que não mereciam ser abatidas

    ..tudo muito triste

  3. Entendendo o porque das

    Entendendo o porque das coisas

    Com o VAMPIRO o golpe tirou poder político e econômico dos sindicatos ..desidratou a Justiça do TRABALHO ..secou a CLT e informalizou o emprego ..agora é a vez da seguridade e previdência

    Pra evitar com que partidos e trabalhadores se mobilizassem urdiram, processaram, julgaram, condenaram e prenderam LULA em tempo recorde.

    ..então, O DIA que a sociedade perceber que tudo isso é pra DEVOLVER-NOS a um nível de HAITI, tudo pra continuarmos a fornecer custos e insumos baratos pro consumo (e dividendos) dos irmãos EURO-americanos, aí já terá sido muito tarde e a história terá sido, mais uma vez, rasurada e reescrita como um conto de VIGARISTAS.(entenda, a elite permanente nacional que, INCLUSIVE, odeia empresários nativos concorrentes, qual seja, as FFAA e o JUDICIÁRIO)

    em tempo – o BANCO MUNDIAL já avisou que o salário mínimo no BRASIL esta muito alto ..pescou !?

     

  4. “Se o Estado não consegue

    “Se o Estado não consegue equalizar as condições socioeconômicas das famílias, a elevação da qualidade da educação causa, inevitavelmente, elevação da desigualdade de desempenho entre os alunos.”

    Não vejo problema nessa elevação da desigualdade do desempenho entre os alunos, por dois motivos: primeiro, que o sobe o nível de todos, ainda que mais de uns que de outros, e segundo, que a elevação da qualidade da educação não é antagônica nem limita a equalização das condições socioeconômicas, que pode vir em seguida.

  5. tsc tsc tsc

    existem escolas numa mesma cidade em q nas localizadas em bairros de melhores condições de vida os launos tiram notas iguais a média dos alunos dos países da OCDE e nas escolas nos bairros mais pobres o clima é tenbroso de ameças e de notas baixas. Ambos tipos de escolas mantidos da mesma foram pela prefeitura, com os mesmo recursos. Óbvio q a escola está no meio ou no fim do processo de desvirtuamento e são as condições de vida das pessoas que precisa melhorar para q a performance na escola melhore. Com professores como o nosso ministro não se admira pq a tal de aman é uma fábrica de ingênuos q creem q os EUA são nosso amigos…

  6. Desigualdade do Brasil

    Tais reformas, não são do interesse ao bem estar social, vejam as análises da ANFIP, estes conhecem bem as diferenças que há no Brasil, as discrepáncias e comparações são gritantes, mas o povo se iludiu e o futuro dirá o que são estes ultraliberais de direita.

    Tudo que queremos entender sobre a reforma da previdência social do Brasil.

     

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador