Entidades médicas responsabilizam governo do Amazonas por colapso na saúde

Governo de Wilson Lima (PSC) realizou compra de ventiladores pulmonares inadequados por preço 316% maior que o mercado

Na última terça (2)1, mortos da covid-19 foram enterrados em valas comuns, também conhecidas como trincheiras, em Manaus (AM) – Sandro Pereira/Reprodução Facebook

do Brasil de Fato

Entidades médicas responsabilizam governo do Amazonas por colapso na saúde

Catarina Barbosa
Brasil de Fato | Belém (PA)
As imagens que ilustram a crise pela qual passa o estado do Amazonas em função da pandemia do novo coronavírus e as mortes decorrentes da enfermidade repercutiram nacional e internacionalmente. Para o presidente do Conselho Regional de Medicina do Amazonas (Cremam), José Bernardes, a tragédia já era esperada no estado. Segundo ele, as deficiências do sistema de saúde amazonense já vinham sendo alertadas pelos profissionais de saúde há mais de 10 anos.

 

“Essa tragédia estava anunciada. Todo mundo sabia. Esse governador sabia também. Ele já está há um ano e pouco no governo e já era para ter melhorado, mas, pelo contrário, está cada vez pior. Em Manaus, hoje em dia, está difícil conseguir médico, porque o governo paga com atraso e às vezes nem paga. Então, além da saúde e as condições de trabalho estarem muito ruins, há hospitais sucateados, não funciona quase nada direito, falta insumos básicos, falta EPIs”, aponta Bernardes.

As críticas do presidente do Cremam se somam às do Sindicato dos Médicos do Amazonas (Simeam), que entrou com um pedido de impeachment do governador do Amazonas, Wilson Lima (PSC), e do vice-governador, Carlos Almeida Filho (PTB), na Assembleia Legislativa do Estado (ALE-AM). A entidade alega má gestão da saúde no período da covid-19 no documento entregue na terça-feira (21).

A má gestão da saúde no estado é exemplificada pelo presidente do Cremam no caso da compra de 28 ventiladores pulmonares no valor de R$ 2,9 milhões. Segundo o médico, os equipamentos nem mesmo são adequados para o tratamento de pacientes com covid-19.

“O governo fez uma compra de quase R$ 3 milhões. Aquilo não é para UTI, é para apneia do sono, não tem utilidade nenhuma. E no manual do aparelho está escrito: ‘Esse aparelho não serve para a manutenção de terapia intensiva para suporte avançado da vida’. Está escrito no manual e o governador comprou como se fosse um respirador de UTI. Quando esses respiradores custam, normalmente, R$ 16 mil, ele foi comprado por R$ 104 mil. Esses respiradores que eles compraram, o governador diz que foi enganado. Quem foi que disse que servia para UTI aquilo?”, questiona.

Segundo nota fiscal obtida pelo portal UOL, em compra feita pelo governo do Amazonas, 24 aparelhos da marca Resmed foram adquiridos pelo valor de R$ 104,4 mil cada, sendo o local da venda uma loja de vinhos.

Ainda segundo o periódico, o mesmo equipamento é encontrado por cerca de R$ 25 mil em revendedores nacionais e do exterior, o que indica um sobrepreço de 316%. Na mesma reportagem, é apontado que quatro respiradores da marca Phillips também foram comprados na mesma loja por R$ 117,6 mil cada, sendo o valor unitário do produto o de R$ 38 mil em revendedoras nacionais, uma diferença de 209,4%.


Nota fiscal de compra de aparelhos respiratórios pelo governo do Amazonas / Reprodução

Grandes distâncias e falta de diálogo

José Bernardes, acrescenta que características regionais também ajudam a explicar o colapso em que se encontra o estado. Na análise do presidente do Cremam, o Amazonas, assim como outros estados da Região Amazônica, sofre com as grandes distâncias e a falta de investimentos em procedimentos de baixa e média complexidade nas localidades, o que sobrecarrega o sistema.

“O governo tem que descentralizar a saúde do Amazonas, porque aqui nós estamos atendendo praticamente todo o interior e a capital. No interior não tem assistência nenhuma. O paciente é obrigado a vir até a capital para operar uma hérnia, operar uma vesícula, uma catarata. Às vezes, se viaja dez dias de barco para fazer uma cirurgia de catarata, que demora dez minutos”.

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Como exemplo, o médico cita a localidade de Tabatinga. Da cidade até a capital, Manaus, são mais de 1.300 quilômetros.”Daqui até Tabatinga, a passagem é mais cara que Manaus-São Paulo. De barco, deve demorar uns dez, 12 dias. Em Murupé, são 12 dias de barco, 24 horas andando dia e noite”, afirma.

Dados atualizados nessa quarta-feira (22) pela Secretaria de Saúde do estado indicam 2.480 casos confirmados de covid-10 e 207 óbitos no Amazonas, a grande maioria na capital, Manaus.

Para o médico, tudo no estado está no limite. “Vai piorar. Nós estamos no limite aqui de atendimento. Eles vão ter respirador e não têm intensivista para ficar na UTI. Vai ter o equipamento e não vai ter profissional que saiba operar aquele equipamento, que saiba trabalhar com terapia intensiva”.

A reportagem do Brasil de Fato procurou o governo do Amazonas através de sua secretaria de comunicação, por e-mail e telefone, mas até o fechamento do texto não obteve respostas às perguntas enviadas.

Edição: Vivian Fernandes e Leandro Melito

Redação

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