Especial GGN: Mais armas não reduzirão a violência no Brasil, pelo FBSP

Patricia Faermann
Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.
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“Fakenews eleitorais e o ódio disseminado pelas redes sociais implicaram em agenda simplista e altamente contaminada por discursos salvacionistas. Não foram discutidos os reais interesses por trás dessa medida. Agora que a eleição terminou, espera-se mais responsabilidade para discutir uma questão de tamanha relevância”

Jornal GGN – A Revogação do Estatuto do Desarmamento, possibilitando o porte de armas aos brasileiros, foi uma das bandeiras de campanha do presidente eleito Jair Bolsonaro para a área de Segurança Pública. Prometendo ser uma de suas prioridades assim que tomar posse, em 2019, a liberação de armas é alvo de críticas de organizações da sociedade civil, que avaliam a medida como um retrocesso na segurança, na defesa de direitos humanos e na proteção à vida.

Dois projetos em pauta no Congresso Nacional trazem a promessa do futuro presidente de serem votados no início do próximo ano [confira aqui o que tratam estas propostas]. Buscando compreender os riscos e as consequências da revogação do Estatuto do Desarmamento no Brasil, o GGN consultou diversas organizações e entidades da sociedade civil que apresentaram seus posicionamentos a respeito da medida. Abaixo, a colaboração do Fórum Brasileiro de Segurança Pública para o debate.

Especial GGN: É preciso debater a revogação do Estatuto do Desarmamento

Mais armas não reduzirão a violência no Brasil

Pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública

O debate sobre a revogação do Estatuto do Desarmamento embute algumas armadilhas perigosas, que precisam ser discutidas à exaustão para evitar que um assunto de extrema delicadeza seja tratado como uma solução pronta para combater os graves problemas de segurança que atingem o país. Ideologias à parte, a narrativa eleitoral em torno da liberação do porte de armas trata-se de mais uma questão diversionista, calculada para tirar a responsabilidade da segurança das mãos do Estado e transferi-la ao cidadão comum, que assim estaria livre e preparado para fazer justiça com as próprias mãos em situações de risco.

Em primeiro lugar, é importante lembrar que as armas de fogo não são proibidas no Brasil. Na realidade, o que existe atualmente é uma exigência de controle para a liberação desse porte, obrigando os interessados a cumprir requisitos impostos pela legislação, entre eles o de comprovar, por exemplo, tratar-se de uma pessoa psicologicamente estável para portar armamentos. É um tipo de controle do Estado muito semelhante ao dispensado ao álcool e ao tabaco, entre outras substâncias causadoras de males para o indivíduo e para a saúde pública em geral.

Essa exigência é bem razoável, na medida em que vivemos em uma sociedade violenta, que apenas no ano de 2017 foi impactada por quase 64 mil homicídios, de acordo com os dados do último Anuário Brasileiro de Segurança Pública. Diante desse cenário, é impossível imaginar que o afrouxamento das regras atuais e a consequente liberação de mais armas possa frear a tendência de alta registrada nos últimos levantamentos produzidos pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, que são comparáveis ao lançamento de uma bomba atômica de Nagasaki por ano em território nacional.

A contaminação do debate pelas campanhas eleitorais pode ser apontada, em grande parte, como a principal causa desse apelo armamentista em nossa sociedade. As fakenews eleitorais e o ódio disseminado pelas redes sociais ampliaram a já crescente sensação de insegurança da população, impondo uma agenda simplista e altamente contaminada por discursos salvacionistas, que propõe o uso de mais violência como resposta para conter o avanço dos vergonhosos índices de mortes violentas em nossa sociedade. Ao mesmo tempo, não foram discutidos os reais interesses por trás dessa medida, ou sequer ações para reduzir o número das armas que estão ao alcance do crime.

O que temos atualmente no país é uma crônica falta de integração e coordenação entre o trabalho desenvolvido pela Polícia Federal e pelo Exército, que são de fato os responsáveis pelo controle das armas que circulam nas mãos dos civis e criminosos que fazem uso ilegal desses armamentos. Para se ter uma ideia da complexidade do tema, o Anuário Brasileiro de Segurança Pública apontou que 94% das 119.484 armas apreendidas no país não estavam catalogadas no Sistema Nacional de Armas (Sinarm), e que 13.782 armas legais foram perdidas, extraviadas ou roubadas, o que equivale a 11,5% das apreensões do ano, ou cerca de um mês de trabalho das polícias.

Outro ponto bastante sensível desse debate é a falácia sobre as dificuldades para obtenção dos registros. Reportagem publicada pelo jornal Correio Braziliense mostrou que o número de pedidos e de licenças cresceu nos últimos anos, ao contrário do que diz o senso comum das redes sociais e do whatsapp. A partir de dados obtidos por meio da Lei de Acesso à Informação, o jornal mostrou que existem hoje mais de 331 mil pessoas com registros ativos no Sinarm, e que o número de novas licenças subiu 175% nos últimos oito anos, passando de uma média de 12 mil para 33 mil por ano.

Diante desse quadro, seria mais produtivo discutir como e quando garantir o controle da violência do que simplesmente desviar o foco para uma discussão sobre a necessidade de armar a população. A qualidade dos argumentos dos defensores da revogação do Estatuto do Desarmamento esbarra na agressividade que tomou conta das redes sociais, levando-nos também a refletir se as pessoas que encampam essa ideia estão realmente preparadas para usar uma arma.

Agora que a eleição terminou, espera-se mais responsabilidade para discutir uma questão de tamanha relevância. Mas, acima de tudo, parece que o momento também é apropriado para incluirmos na agenda outros temas sensíveis, e muito mais eficazes para o controle da violência, como a coordenação da inteligência das forças policiais, a melhoria das condições de trabalho e de remuneração dos policiais, a vigilância das fronteiras e a situação dos presídios do país, hoje verdadeiras escolas para criminosos, entre outras medidas que podem impactar a vida do cidadão comum.

 

Acompanhe os outros artigos e debates aqui!

 
Patricia Faermann

Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.

3 Comentários

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  1. Quando começará o debate?

    Até agora só apareceram pessoas e organizações favoráveis ao desarmamento. Os que são desfavoráveis são apenas citados pelos autores dizendo isso ou aquilo. 

    Por que não chamar os defensores das armas? Querem sugestões? O advogado Fabrício Rebelo é um especialista em legislação de desarmamento e suas consequências, e é sempre chamado a depor no Congresso Nacional sobre o assunto. O Instituto Defesa mostra argumentos totalmente divergentes aos até agora apresentados. Por que não deixá-los falar?

  2. Programa de governo.

    Excelente. Trocamos o programa “Mais Médicos” pelo “Mais Armas”. Que maravilha, não?  Classe média (e médica) brasileira está radiante! Que exemplo de civilidade…

  3. SEGURANÇA PÚBLICA 2019
    SEGURANÇA PÚBLICA 2019

    Não precisa ser um vidente do Oráculo de Delfos para entender de uma vez por todas que medidas homicidas não trarão sensação de segurança nas cidades, nas quais o chamado ‘homem de bem’ é o responsável pelo consumo de drogas, pelo contrário, excessos de ações letais dos governos a bandidagem gera o efeito estilingue – faz recuar depois a energia se volta com mais violência a médio prazo por conta do desencadeamento de descrenças na dignidade da pessoa humana, que está cientificamente comprovado por análises comportamentais de contagiados pela osmose, idiossincrasias e dos campos morfogenéticos.

    Como assim?

    Ex: Verás o comunismo brasileiro, quase extinto, se reestruturar com muito mais militantes. Isso se contempla quando o opressor contrário à ideologia cai em descrédito.

    Na contramão dessa programação epidemiológica, na medida em que se cria uma massa crítica salubre, através de alguns fatores como o medo da real punibilidade, com pesados investimentos na polícia investigativa para resolução dos crimes cruéis com tolerância zero, a de uma polícia militar e outros departamentos públicos mediando mais conflitos, antes da desgraça, via disque denúncia específico para essa finalidade, que não tão absurdamente, o Crime já os fazem.

    Também as esferas governamentais precisam criar uma espécie de ‘marketing do trabalhador’ e não do opressor, (ninguém pensou nisso na campanha eleitoral deste ano, nem em ano algum), pois sua auto-estima está totalmente ligada a configuração do caráter de seus filhos na primeira infância, parte deste arcabouço ético, não só é forjado com a conquista de uma função remunerada, pois o movimento gerador de empregos dos anos dourados do governo Lula (Mapa da Violência), nem a ascensão das Igrejas, ditas da prosperidade, não reduziram os índices de mortalidade por armas de fogo.

    Já imagino a objeção: Ah, mais papo-furado humanista!

    Blz então, só não me venha reclamar quando uma das inevitáveis baixas nessa guerra higienista de pobre x pobre, sejam seus próprios filhos fardados em campo de batalha.

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