Gilberto Maringoni
Gilberto Maringoni de Oliveira é um jornalista, cartunista e professor universitário brasileiro. É professor de Relações Internacionais da Universidade Federal do ABC, tendo lecionado também na Faculdade Cásper Líbero e na Universidade Federal de São Paulo.
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Esquerda: como proceder com governos incômodos?, por Gilberto Maringoni

Esquerda: como proceder com governos incômodos?

por Gilberto Maringoni

A posse de Nicolás Maduro, em seu segundo mandato presidencial, enseja um importante debate entre várias vertentes da esquerda: como tratar administrações que – sem serem de direita ou neoliberais – apresentam tantos problemas que se tornam incômodas para as forças democráticas e progressistas?

Vale a pena examinar alguns exemplos.

O CASO VENEZUELANO é complicado. Hugo Chávez (1999-2013) jamais caminhou rumo a uma ruptura socialista. Antes, realizou uma política de desenvolvimento centrada no Estado e na riqueza petroleira, cujos preços atingiram recordes históricos na década passada. Teve condições de expandir programas sociais importantes, melhorar a vida da população e sua inteligência política e carisma pessoal o transformaram em líder global. No entanto, durante sua gestão, a dependência econômica em relação ao petróleo aumentou. Para um país sem indústrias – é um debate complexo verificar os motivos de não se ter avançado nesse quesito – trata-se de aposta arriscada. A economia e o orçamento público flutuam ao sabor das cotações internacionais. Com a grande queda dos preços entre 2014-16, as contas públicas implodiram.

MADURO LUTA PARA SE MANTER NO PODER. Não faz uma gestão democrática. Há denúncias de corrupção e a ineficiência dá o tom em vários níveis de governo. Mas nem mesmo o melhor dos “gestores” conduziria melhor a economia, nas condições dadas. O desemprego decolou e as condições de vida despencaram em sentido vertical. O colchão de proteção social dos anos Chávez praticamente desapareceu.

O problema maior está no autoritarismo e na violência. O governo perdeu as eleições legislativas, em 2015. Conseguiu evitar – valendo-se de artifícios jurídicos – que a oposição não obtivesse maioria qualificada para promover alterações constitucionais, mas perdeu a maioria simples.

Sem força no Legislativo, o mandatário apelou para um expediente de duvidosa eficácia: convocou uma Constituinte, sem esclarecer a necessidade de uma nova arquitetura institucional. A Carta de 1999, elaborada no governo Chávez, até agora não sofreu qualquer mudança estrutural para melhor.

Na verdade, buscou-se ali virar o jogo institucional com a Assembleia Nacional e ganhar tempo para colocar a casa em ordem, enquanto os preços do petróleo não subiam.

MEDIDAS DESESPERADAS FORAM TENTADAS. O país passou a vender à China cerca de 30% de sua produção petroleira, com vários contratos no mercado futuro, alguns com vigência de 40 anos. O interesse de Pequim na Venezuela não é fortuito: o gigante asiático defende ali SEU petróleo, já pago, que ainda se encontra debaixo da terra.

Apesar de todos os percalços, a Venezuela controla sua produção, mantém o petróleo sob controle nacional, não adota o neoliberalismo como diretriz e não mudou sua política externa. Há excessos contra a oposição, mas o cerco econômico, político e comunicacional é brutal, bem como ações explícitas de sabotagem.

Detalhe: não há alternativa imediata à esquerda de Maduro. A queda do governo conduzirá o país – sob a batuta da extrema-direita local – à condição de semiprotetorado dos EUA, com a alienação das maiores reservas petrolíferas do mundo.

PARA NÃO NOS ALONGARMOS, uma menção á Nicarágua: o governo Ortega é indefensável. Uma gestão que investe com mão pesada sobre manifestantes e provoca quase duas centenas de mortes em poucos meses nada tem de popular.

Nos dois casos, a esquerda não pode agir com o cinismo do Departamento de Estado, que sempre manteve seus “friendly dictators” tratados a pão de ló. Mas importa saber que algumas linhas não podem ser ultrapassadas.

Aos que se incomodam com o repúdio ao movimento golpista imperial contra Maduro e o apoio à sua posse, vale a pena recordar um caso muito próximo.

DILMA ROUSSEFF REALIZOU uma gestão abertamente neoliberal e de direita, em especial em seu segundo mandato. Sob nenhuma hipótese era possível apoiar um governo cujas marcas maiores foram mentir em campanha (2014), aplicar um duríssimo ajuste fiscal que tinha o objetivo de provocar uma recessão, dar uma guinada na política externa de Lula, retomar as privatizações, reduzir os assentamentos de reforma agrária a um patamar mais baixo do que os de FHC e legar disparates como a Lei Antiterrorismo, entre outras coisas.

O estelionato eleitoral de Dilma levou ao rompimento do PT com sua base social tradicional e a um desencanto geral de largas parcelas da população com a atividade política. Isso sedimentou o terreno em que vicejaram o golpismo e a extrema-direita. Essas duas vertentes são muito piores do que a gestão da petista jamais foi, mas não se pode deixar de vislumbrar que entre 2014-16 foram criadas as condições objetivas para a situação agora enfrentada no Brasil.

Mesmo assim, praticamente nenhuma força séria de esquerda deixou de se colocar contra o golpe de abril de 2016 e de denunciar seu caráter antidemocrático, antipopular e antinacional.

A QUEDA DE DILMA FOI UM DESASTRE para a democracia brasileira – com impacto global – e a derrubada de Maduro implicaria uma supremacia avassaladora da Casa Branca sobre o continente, com o isolamento ainda maior de Cuba, Bolívia e Uruguai. Talvez o mesmo se possa dizer da Nicarágua (embora eu tenha sérias dúvidas a respeito).

A defesa da legitimidade do mandato de Nicolás Maduro, em um mundo no qual a direita joga sujo para conquistar espaços, é iniciativa sobre a qual a esquerda não pode vacilar.

A política não é o reino da pureza e nem dos nítidos contrastes entre o bem e o mal. É o território das nuances e das alianças difíceis e intrincadas. É o território do pragmatismo. Em situações-limite, há que se tomar lado.

Não fazê-lo clara e concretamente agora implica abrir caminho para o inimigo.

 

Gilberto Maringoni

Gilberto Maringoni de Oliveira é um jornalista, cartunista e professor universitário brasileiro. É professor de Relações Internacionais da Universidade Federal do ABC, tendo lecionado também na Faculdade Cásper Líbero e na Universidade Federal de São Paulo.

17 Comentários

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  1. Gostaria de saber quais

    Gostaria de saber quais denúncias sérias de corrupção há sobre o governo de Maduro. Ele mesmo fala que a corrupção é pior que o ataque do imperialismo, mas este problema da corrupção na Venezuela não está sequer colocado como visível de algum modo. Em todo caso, não sei se é cabível ou se é justo falar-se em “denúncias de corrupção” sem que se dê sobre isso o mínimo de visibilidade sobre sérios indícios. Pode parecer que se está indo na onda imperialista da demonixzação generalizada e grotesca, sem que se aponte como, quando, onde e porquê.

  2. GOVERNO MADURO

    Boa noite

    Gilberto, leio e gosto muito de seus textos.

    Hoje, contudo, gostaria de discordar da conclusão. 

    O governo de Maduro, apesar da pressão norte-americana, não pode ser apoiado por quem é de esquerda e democrata.

    As notícias que nos chegam, além do caos econômico, é de grande corrupção, com a “compra” do apoio da oficialidade das Forças Armadas para que mantenham o apoio ao regime.

    Além disso, não devemos esquecer que há grupos paramilitares que mataram dezenas de manifestantes quando ocorreram manifestações contra o regime.

    O emprego da palavra socialismo por esse governante, e a retórica anti-americana são, em minha modesta opinião, um desserviço às propostas socialistas. 

    Creio  ainda que um repúdio ao massacre que Ortega vem perpetrando na Nicarágua é uma medida da maior urgência para os partidos de esquerda. Massacrar civis desarmados é algo inadmissivel, independente do rótulo de qualquer governo.

     

    Um abraço

     

    LULA LIVRE !!

     

  3. Onde esta a conjuntura e o contexto externo e interno.

    Maringoni faz uma análise centrada em uma abstração dos contextos internos e internacionais. A análise é simplista, e definitiva ao mesmo tempo. Me parece que o termo  Governos incomodos, é um termo que  legitima as provocações, dos que fazem de tudo para golpear governos  que não são de interesse. Este discurso jamais alcança USA, França e Grã Bretanha que classificam de incomodos os que não são de seus interesses,( diga-se de suas empresas).  No Brasil isto foi colocado em pauta, não pela preocupação com a Venezuela ou Nicaragua, mas sim porque isto desgastava os partidos de esquerda e as acusações de que o Brasil viraria uma Venezuela com cenas diárias de refugiados e de pessoas catando comida no lixo, fizeram parte do repertório golpista. ( Como se o desemprego aqui não criasse cenas semelhantes) .  Era   uma falsa questão, deslocando o foco. Uma Venezuela cercada pelo controle artificial do preço de petróleo, assim como o pré-sal brasileiro e se debatendo com estes problemas. No Brasil, ninguém comentou que a crise no Rio de Janeiro é fruto principalmente da queda dos Royalties do Petróleo e do fechamento de estaleiros e outras tantas indústrias. Ficou mais fácil colocar a culpa no Cabral. Mas ninguém se referiu a esta situação em termos de direitos humanos e ou rupturas com a democracia. . E parte de nossos intelectuais discutindo como proceder com governos incomodos.  E o momento agora é mais inoportuno ainda, pois  a discussão não se refere  às políticas internas de Maduro, mas sim a preparação de uma intervenção ou  golpe para derrubá-lo, sob a égide de defesa da democracia. Não vi Maringoni falar do instrumento das sançoes e do cerco a economia Venezuelana ora vigentes.  Será que estes instrumentos são”democráticos e condizente com os direitos humanos” , ou seriam instrumentos incômodos?

  4. Gostei “há que se tomar lado.

    Gostei “há que se tomar lado. Não fazê-lo clara e concretamente agora implica abrir caminho para o inimigo”. 

  5. MADURO e esquerdinha LEBLON/PASSE LIVRE

    A esquerda  LEBLON-Movimento Passe Livre R$ 0.20 é uma abdução intergaláctica, será que eles sabem que LULA está preso por “ato de ofício indeterminado”? Pelo que entendi eles defendem a queda de Maduro e a entrega da Venezuela aos CAPRILLES, uma espécie de AÉCIO CUNHA de lá.

    A esquerdinha LEBLON, uma mistura de MBL com  PSOL, condena e defende que o PT ajude a isolar o MADURO, e por aí destila seu boquirrtismo a la Ciro Gomes.

    Ao condenar MADURO, a esquerdinha LEBLON, ao fim de tudo, se alinha aos EUA e ex-potências coloniais, no que também são seguidos pelos presidentes párias de países como Brasil, Peru e Paraguai.

    Me parece haver um outro caminho, estou enganado que China, Rússia, Irã, Cuba e o  Movimento dos Países não alinhados reconhecem a aleição de Maduro? A OPEP? Teve mais delegações internacionais na posse de Maduro que de Bolsonaro?

    LAMENTÁVEL, mas ao ler o rapaz e assistir as manifestações da esquredinha LEBLON/PASSE LIVRE chegamos que  a única OPOSIÇÃO real a Bolsonaro está presa em CURITIBA, tem o nome de LULA.

    O moço poderia usar toda essa capacidade de se abduzir do planeta terra para gritar junto com a gente: #LULALIVRE

  6. O cínico do Ciro Gomes,
    O cínico do Ciro Gomes, crítica a Gleison Hoffmann por ter ido a posse de Maduro e não a de Bolsonaro. A resposta é simples: O Maduro não odeia e não prejudica o povo brasileiro, já o Bolsonaro e quem o elegeu (a Globo foi o maior cabo eleitoral), não fazem outra coisa a não ser disseminar ódio e desprezo contra este povo.

  7. Muito simples.
    Maduro não é
    Muito simples.

    Maduro não é bom governante seja para seu Pais e muito menos para o Brasil.

    Portanto o Prudente é se afastar.

    O que qualquer partido do Brasil ganha defendendo ele ? Ou passando a imagem que defende ? Nada.

    O Brasil como Estado sim, deveria se aproximar para mediar a situação. Mas partidos de oposição que não tem mais poder de estado nada ganham com isso.

  8. A esquerda nao pode sacrificar o presente!

    Moro em Lima no Peru, vejo todos os dias na rua dezenas de venezuelanos pedindo esmola. Lembremos de Salvador Allende que preferiu a morte própria do que colocar o seu povo em uma guerra civil. Nao podemos lancar nossos povos a morte por estar contra o anti-imperialismo.

    Nos anos noventa, todos os nossos países estavam sendo governados pela direita e nao foi o fim da picada, houve rea´cao popular,  a qual come’cou, justamente com o Caracazo de 1990. Nao é possível apoiar o Maduro, menos ainda o Ortega. Eles devem renunciar e devemos acreditar que os povos seguirao lutando, mesmo se estiverem (como é provável) contra governos violentos como o brasileiro. Quanto mais tempo eles estiverem, mais sofrerá o povo e mais difícil será sua organizacao futura.

    Desculpem a ausencia de acentos e til neste meu computador.

  9. Uai
    Apesar de reconhecer que as realidades que o texto busca analisar (de forma equiovocada) são complexas eu resumo assim:

    Tá na dúvida? Olhe onde está a Globo e os EUA… estarei sempre do lado oposto.

    Esses chiliques da esquerda Alice com os alegados gestos autoritários e supostos massacres contra reacionários é bem o reflexo da NABA que está enterrada no nosso fiofó, ou seja, querem luta de classes sem ódio de classes…

    Querem uma revolução-Primavera, com selfies e closes para o YouTube…

    Se Nicolas ou Ortega não tiverem uma outra única qualidade sequer, resta a coragem de resistir…

    Quem é Gilberto para falar de um líder sandinista que desde a década de 80 vem colocando o dele na reta e tem sido saboreado até com dinheiro de conexões tipo Irã contras?

    1. Opção perigosa.

      Essa de “onde está o inimigo, estarei sempre do lado oposto” coloca a referência focada no “outro lado”. Isso permite ao adversário a escolha de quem será o inimigo, a antecipação de movimentos e acaba com a iniciativa do seu lado. É uma não posição, é jogar a tomada de decisões para o lado inimigo.

      1. Arf
        A iniciativa nunca coube ao campo anti-estamento ou contra hegemônico…

        Por isso está no nome do prefixo: anti ou contra…

        Ingenuidade imaginar que você não vá sempre ter como referência a posição do campo inimigo…

        1. Desenhando para menores de 60.

          Anti-estamento ou contra hegemônico, do jeito que você coloca, são outros assuntos. No caso da Globo e dos EUA, caso deixassem de ser hegemônicos, você mudaria seus conceitos? 

  10. Quem apoiar?

    Há muitos anos, referindo-se a um ditador apoiado pelos EUA, um político de lá diz: He is a son of a bitch, but is our son of a bitch.

    Seria este o caso com Maduro e Ortega. Sei pouco do último, e lembro do caso Irã-Contras e outras muitas intervenções naquele país. Quanto a Maduro, algumas coisas são esquecidas, ou lembradas errado:

    – a matança de manifestantes foi bem mostrada no filme South of the Border, de Oliver Stone, em que capangas da direita atiravam como se fossem apoiadores de Chavez. A Concorsituação não deve ter mudado muito.

    – quanto à economia, alguém, por puro acaso, se lembra do bloqueio dos EUA e aliados? E da suspeita queda dos preços de petróleo, que também afetou a Petrobrás e outros produtores? O que esperavam que acontecesse? 

    E, concordando com post anterior, se os EUA apontam para um lado, é de nossa conveniência e defesa ir para o outro. Afinal, para eles só existem dois países, eles e Israel. O resto é o inimigo.

     

  11. “DILMA ROUSSEFF REALIZOU uma

    “DILMA ROUSSEFF REALIZOU uma gestão abertamente neoliberal e de direita, em especial em seu segundo mandato.”   Hein??!! Quer dizer que quando um governo tenta corrigir seus fracassos baseados em delírios progressistas ele está sendo neoliberal?… pensando bem, sob a ótica dos Pochmanníacos, até que faz sentido…

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