O cinema tem um papel crucial em retratar os períodos obscuros pelos quais o país atravessa, por evitar o esquecimento coletivo. É exatamente esse caminho que o cineasta José Walter Lima segue em seu novo filme “Brazyl: uma ópera tragicrônica”, ao revelar as faces do fascismo manifestadas na era Temer-Bolsonaro.
Ao explorar temas de grande relevância e atualidade apropriados pela extrema-direita, o filme alterna entre cenas de cinema e teatro para expor questões como o racismo, a meritocracia que ignora a desigualdade, críticas superficiais ao comunismo, as privatizações e o neoliberalismo que beneficiam o empresariado, o desprezo pelos pobres e muitos outros horrores observados nos últimos anos.
O romancista e dramaturgo Izaias Almada avalia que “o filme é um soco bem dado no estômago do brasileiro que, infelizmente, desconhece a história do próprio país. Uma produção de alto nível, com um belo roteiro e um elenco encantador. Um filme que merece ser visto por quem realmente quer o bem do país e não apenas da boca para fora.” Almada destaca ainda a linguagem cuidadosa do filme, que dialoga com o cinema atual.
A linguagem do longa incorpora referências que permitem ao espectador revisitar momentos trágicos do noticiário, fazendo jus ao seu título. Em uma das cenas, os atores expõem a deslegitimação do Judiciário ao parafrasear Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), que, em 2018, afirmou que “bastariam um soldado e um cabo” para fechar o Supremo Tribunal Federal (STF).
Nesse contexto, o filme também aborda o racismo nas altas esferas de poder, com uma ativista negra acusada falsamente e privada de voz em seu julgamento, em claro contraste com um homem branco e rico que, ao apresentar sua versão dos fatos, continua a ser tratado com credibilidade.
Entretenimento para manter o povo disperso
Em uma hora e meia de crítica hiperrealista, o cineasta denuncia o modus operandi daqueles que detém o poder – os bancos, o empresariado – e a classe dominante que usa e abusa do entretenimento para manter o povo disperso. “O povo é ficção”, afirma uma das personagens.
A dominação pelo capital é ilustrada em uma cena impactante, na qual um economista, indiferente à justiça social, expõe como a corrupção é legalizada pelos bancos, que financiam até mesmo o genocídio indígena.
Dessa forma, o filme revela as diversas formas de alienação, com a política como a mais nociva, por manter o indivíduo inconsciente ou apático diante das injustiças que enfrenta quase sempre e contente com o mínimo no “caos do conformismo”, ignorando que o “Estado tem responsabilidade sobre os desvalidos”.
O auge da fragilidade: deixar-se comandar por um fascista
A situação se agrava quando as massas, no auge da fragilidade, se deixam iludir, na crença de que estão seguras sob o comando de um líder autoritário, representado pelo lema “Deus, Pátria e Família”.
Além de temas atuais, a obra mergulha em um vasto conteúdo histórico para esclarecer o que é ser fascista: misógino, racista, fanático, ditador e/ou autoritário? Fascismo que está intrinsecamente ligado a interesses exploratórios, focados exclusivamente no lucro, à custa da dignidade humana — “a interligação do capitalismo com a escravidão”, denuncia o filme.
Nova consciência para sair do caos do capital
Por fim, o filme de Walter Lima lança luz sobre os riscos de repetir esse ciclo sombrio, e ressalta que “só através de uma nova consciência sairemos do caos promovido pelos crimes do capital”.
De acordo com a brilhante interpretação do elenco, a evolução humana ocorre através das catástrofes que ele próprio provoca, e o pacifismo passa a ser, nessa visão, um pacto com o inimigo.
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