Homofobia, até quando?, por Moisés Guimarães

Sugerido por Gunter Zibell – SP

[Nota de comentarista: a mídia, como o mundo, não é apenas composta de “sempre bons” ou de “sempre maus”. Se há momentos em que a Veja derrapa (como três matérias em 10 meses em posição contrária a direitos civis LGBTs), e há momentos em que as Organizações Globo derrapam (como manter espaço para programas humorísticos com gosto para lá de duvidoso, até resvalando no racismo), há também a circunstância que a maior parte da ‘blogosfera progressista’ (com a honrosa exceção de Cynara Menezes e GGN) não dá (ou finge não dar) importância à questão da homofobia no Brasil. Nesse contexto deve ser reconhecido o mérito da coluna Opinião do Globo de domingo passado.]

Do O Globo

Homofobia, até quando?

À época, os jovens que os atacaram justificaram sua ação dizendo tê-los confundido com um casal gay. A barbárie está para toda a gente.

Recentemente aconteceu uma morte que chocou a cidade de Palmas, Tocantins. Um professor de português de 56 anos foi morto a pedradas na saída da escola onde trabalhava. A barbárie de sua morte teve motivação: o professor assumiu ser gay. Infelizmente, o crime ainda não foi esclarecido. Neste contexto, a demora na apresentação dos culpados acena para um problema ainda maior: o fracasso do poder público em garantir o pleno exercício dos direitos humanos no Brasil. A história da morte desse professor que era pai de três filhas nos faz pensar se o brasileiro está sabendo lidar com as questões ligadas à livre manifestação de afetos, também estas, um direito humano. Não é de hoje que o MEC vem tentando apresentar material didático que possa contemplar as carências de abordagem sobre o tema. Os parâmetros curriculares mencionam a necessidade de trabalhar a diversidade sexual nas unidades escolares como tema transversal, mas falta ainda capacitação adequada ao corpo docente.

Alguém ainda se lembra do pai que teve a orelha decepada num rodeio em São Paulo só porque estava abraçado ao seu filho? À época, os jovens que os atacaram justificaram sua ação dizendo tê-los confundido com um casal gay. A barbárie está para toda a gente e por todos os lados! Quem será a próxima vítima?

Vivemos em tempos nos quais a capacidade humana de racionalizar e reagir se mostra condicionada a uma matriz que nos estagna e corrompe. Num contexto onde a revolução digital proporciona ao homem avanços significativos, assistirmos ainda e de forma recorrente casos de homofobia e, muitos deles, sem que a vítima possa se defender; é um retrocesso.

O que falta para que o poder legislativo compreenda a emergência de atuar no combate às mortes por crime de ódio? Os jovens ou adultos que cometeram esse ato de crueldade com o professor tocantinense continuarão no anonimato e serão incentivados por nossa indiferença. Já é hora de o Brasil acordar!

Vergonhoso para um país como o nosso ter em sua gente alguém que julga ser legítimo decidir e executar a morte daqueles que se declaram gays. Já não basta a chacota diária que sofrem todos os efeminados? Faz décadas que Chico Buarque compôs “Geni e o Zepelim” e a pedra lançada contra Geni, destituída de sua força poética, ainda sustenta os que valem pela homofobia e por tantas outras ações preconceituosas. Enquanto negarmos direitos às mulheres, aos negros, aos portadores de necessidades especiais, reconhecer a diversidade sexual como uma questão legítima e humana será uma premissa sempre relegada a segundo plano.Enrijecemos muito nosso olhar e nossa sensibilidade com essa pseudotolerância. O comandante do Zepelim que o diga!

Espero ainda viver num país em que nossas escolas possam ter professores capazes de se assumirem sexualmente sem correrem o risco de serem apedrejados. Que nossas autoridades possam assegurar os direitos de todos, garantindo sua cidadania e dignidade.

Moisés Guimarães

Redação

4 Comentários

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  1. Gunter, achei desnecessária e

    Gunter, achei desnecessária e mesmo injusta sua introdução á matéria do Globo. Não sou, e nuncia fui daqules que reclamam do suposto excesso de post seus (mas não só, a Tamara também posta) sobre a questão LGBT. Nunca é demais denunciar intolerancia de nenhum tipo.

    Portanto não vi necessidade de voce justificar o post. Ainda mais “como uma demonstração” de que a mídia, aqui e ali, defende o secularismo, noves fora as derrapagens da Veja e dos humorísiticos da Globo. Isso é fato, concordo.

    Mas também é fato que não é verdade que os “blogs progressistas” dão pouco espaço à denuncia da homofobia. Cito o Rovai e o Azenha, por exemplo. E se alguns pouco tocam no assunto, talvez por serem tematicamente mais restritos, nunca, jamais, dão espaço para “derrapagens” tipo da Veja e da Globo. Derrapagens essas, que eu chamo de homofobia grosseira mesmo.

    PS: Acho legítimo sua postura oposicionista por conta das concessões do governo aos evangélicos. É uma prioridade em sua agenda, e a respeito. Não pego em seu pé (como reclamou a Vania) para tentar “cooptar” seu voto. Apoio o governo sim, mas não incondicionalmente. Meu debate com voce é porque considero que a esquerda brasileira (a petista, no caso)  tem cedido a tais pressões circunstancialmente. O que lamento, mesmo porque questiono a “utilidade’ disso. Mas sustento que o preconceito, a intolerancia contra negros. nordestinos, mulheres e gays é departamento da direita brasileira, sempre foi

    1. Juliano, eu vejo sim como

      Juliano, eu vejo sim como necessário ter feito a introdução ao post. Para esclarecer as coisas, para agregar conhecimento.

      A abordagem padrão nos comentários é de que tudo que é do “PIG” é ruim, tudo da “Blogo” é bom. Não é mais ou menos assim, sempre?

      Só que a realidade presencial não é essa e haverá um embate político no ano que vem. No qual parte da oposição tentará mostrar um ‘lado bom’.

      Quanto antes o PT perceber que precisa voltar a fazer um discurso mais ‘politicamente correto’, melhor pra ele. Melhor para todos, claro.

      Mas o PT acha necessário para haver vitória se coligar a Feliciano e Bolsonaro. E mais recentemente Malafaia. Boa sorte para o PT, eu racionalmente e conscientemente não posso apoiar um trem desses.

      Se a mídia defende o secularismo, isso é bom para quem? Além de ser bom para os secularistas, claro, é também para a confluência mídia-classe média-campanha de Eduardo Campos.

      Você sabia que em simulações de 2º turno, embora ele perca para Dilma no total, tem 63% da preferência daqueles com superior completo/incompleto?

      Não seria interessante para o PT voltar a disputar esse público, que no médio prazo é formador de opinião?

      O debate é esse. Você acha que o PT ceder a tais pressões é algo circunstancial e útil (para quem?) no longo prazo.

      E eu acho que é uma estratégia deliberada e equivocada de atração de voto conservador moral que acabará trazendo prejuízos para o PT. Aliás, já traz, não é mesmo? Para nenhuma dessas ações que eu sempre cito (e das quais fiz uma lista ontem) o PT consegue articular alguma defesa.

      O PT traiu todas as propostas e projetos direcionados aos LGBT nos últimos anos. É o pior gargalo, mas há outros (como direitos reprodutivos e de Povos Indígenas). E fez isso por eleitoralismo (como anos antes fez o contrário, acenando para LGBTs, apoiando PNDH, etc.) Se é incômodo para os defensores do PT reconhecerem esse ato falho não sou quem tem que “passar a mão”.

      Eu não sou preocupado com PT, PSB, PSDB ou PMDB. Eu realmente os acho muito parecidos na condução do país e dos estados. Aliás, cada vez mais parecidos e isso não está no meu foco. Há muita propaganda da ‘opção pelos pobres’ e o PT que use isso em campanha sim, e o PSDB que tente rebater (se quiser e puder.) O que mais temo hoje, no entanto, é o PT, pela crescente presença de discursos do tipo que Gleisi faz.

      Mas eu não estou ocupado de conscientizar apenas militantes de partido A ou B. Estou ocupado de conscientizar todos, LGBT ou não, de que o discurso atual do governo para direitos civis de LGBTs é péssimo.

      Se o PT colhe os bônus de fidelizar os votos do público conservador-moral, é justo que colha também os ônus, isto é, as críticas.

      Não adianta, nesse contexto, você ficar comentando sempre o mesmo em qualquer post sobre o assunto. Não existe um único blog de frequência LGBT publicando artigos a favor do governo federal.

      Mas por que você se preocupa tanto? Só pela perda da imagem de simpatizante que havia até 2008? Não há risco eleitoral para Dilma com essa estória toda.

      Eu também acho que você pega um pouco no pé sim. Quase não tem post do assunto em que você não tente fazer a defesa da ‘realpolitik’. O que não adianta nada, pois eu rebato sempre, não é? Quantas vezes isso ocorreu nos últimos meses, algo como 10 vezes?

      E vejamos como já avançamos. Você nota que é um fato que há muitas matérias em ‘O Globo’ (e também FSP, Exame, Estadão) defendendo o secularismo. Pode notar que quase não há matérias similares na blogosfera. (Até tem aparecido algumas, maliciosamente explorando o fato de Marina ser evangélica. Mas curioso que isso nunca incomodou à blogosfera quando ela era ministra, não é mesmo?) 

      (Obs. é perceptível – eu não omito nem deixo de lembrar – que Cynara Menezes é exceção, ela já publicou posts criticando o PTe Putin. Também lembro sempre que falta ao PSB ‘enquadrar’ o deputado Eurico, na CDHM.)

      Também nota que a ‘utilidade’ das concessões do governo é questionável. Olha, bota questionável nisso. Se a mídia escolher defender mesmo o secularismo (o que hoje o faz timidamente ainda), haverá um monte de matérias por fazer.

      Falta pensarmos o seguinte: preconceitos de cunho classista, como o racismo e contra imigrantes, é uma coisa, preconceitos de cunho sexista é outra.

      É importante perceber, por pesquisas, como eles se dão diferentemente por classes sociais e níveis de instrução e como podem ser usados diferentemente por políticos.

      Então, quanto a racismo e xenofobia eu concordo com você, quanto a questões de gênero, definitivamente não.

      Há “direita econômica”, que é consistentemente oposição ao governo do PT (e que é mais resistente a conceitos como cotas, programas sociais.) E há “direita conservadora moral”, que aceita negociar com o governo, que aceita fazer concessões à mesma. Isso é algo com o que se deve lidar.

      (E eu não entro no mérito de concessões que o governo faça à direita econômica, como juros altos, privatizações, desonerações tributárias porque simplesmente esse não é o meu foco e eu não sou uma ‘pessoa de esquerda’. Soaria falso se eu criticasse o governo por esse lado.) 

      Eu não me importo se o PT é de esquerda de verdade ou não, acho isso discurso de propaganda porque pega bem dizer-se de esquerda. Eu não me importo se a maioria da população brasileira prefere discurso de centro ou de direita em economia, sei que os estamentos não vão mudar (o mais importante é o sistema tributário.) Em havendo empate nas questões secularistas eu vou preferir o discurso mais social-democrata e pronto.

      O que eu implico é se alguém quiser posar de ‘simpatizante’ sem sê-lo na verdade. Defender, simultaneamente, os retrocessos do governo e direitos civis LGBT me parece impossível de fazer com algum respeito à lógica.

      Eu critico bastante o Azenha, inclusive escrevi isso em um post dele e ele publicou (isto é, não moderou e não apagou o comentário) e segue meu amigo no facebook.

      Ele faz a crítica “pela esquerda” do governo porque sabe que a oposição de direita não aproveitará isso, mas ele também omite muito das questões do secularismo, ora por perceber que a oposição mais moderna pode usá-las, ora pela contingência de que fazer parte do grupo Record não é base para independência. Ora por lembrar que Padilha, Gleisi, Agnelo e Lindbergh não são ‘campeões’ No assunto.

      E ele já publicou um texto pavoroso criticando o casamento gay, escrito por um comentarista e publicado como post a título de ‘exposição de opinião’. Isso foi em 2011. Não acho agora, então pode ter apagado. 

      Não se vê na blogosfera muitos elogios ao Casamento Gay também, atribuo isso ao ativismo contra o STF e o CNJ. (mas em maio o Azenha publicou texto de Pedro Serrano.)

      Só que adianta agora? Quando todo mundo sabe que é constitucional e Alckmin, Aécio, Campos e Marina já se declararam a favor? Ser contra o Casamento Gay é que se tornou ridículo, isso já não é mais questão.

      O que vale mesmo é combater a homofobia. Cadê os artigos pedindo pela PLC 122? Ou pelo retorno do ‘Escola sem Homofobia’? Cadê as críticas ao recolhimento pelo Min. da Saúde das cartilhas de educação sexual?

      Posar de simpatizante com discurso genérico é fácil. Eu quero ver é dar nomes aos bois, criticar os acordos políticos que são feitos.

      Você diz que “Mas também é fato que não é verdade que os “blogs progressistas” dão pouco espaço à denuncia da homofobia. Cito o Rovai e o Azenha, por exemplo.” Então, traga os links criticando o governo. No Rovai não sei, mas não conheço um único post do Azenha criticando o governo na área LGBT. Quando do kit antihomofobia ele fez total silêncio (somente Rodrigo Vianna não fez, na época). E ele defendeu em posts a PEC do Plebiscito, de interesse da bancada fundamentalista, do Fonteles, justamente o deputado capaz de em plenário criticar a normatização do casamento gay pelo CNJ…

      Há posts ‘genéricos’ criticando a homofobia, sim, ou elogiando a importância dos direitos civis LGBTs. No Viomundo há muitos mesmo.

      Mas, maliciosamente, sempre escapam de comentar a responsabilidade do Governo Federal com sua omissão proposital. Fica na conta de tentar preservar a imagem de simpatizante, mas a sinceridade disso precisa ser posta à prova. Que tal criticar em público a coligação com o PSC? Que tal criticar Agnelo por revogar a regulamentação da lei antihomofobia do DF?

      E uma matéria cobrando a implantação do “Homofobia sem Escola” eu só vi na revista de pedagogia da… Abril!

       

  2. Gunter, a Veja vive “cantando

    Gunter, a Veja vive “cantando pneu” em diversas áreas, então embora concorde com uma “visão cinza” de mundo, alguns são mais cinzas que os outros, no geral …ou em assuntos específicos, como você mesmo colocou.

    E sobre a matéria que trouxe, na parte que fala que falta que o poder legislativo compreenda a emergência de atuar no combate às mortes por crimes de ódio…diria que o problema já começa mais embaixo, pois mesmo as mortes “normais” são ignoradas e são (quase) tão banais quanto esses casos absurdos relacionados com a homofobia.

    Ontem mesmo eu colei em outro post, meio que desviando o foco lá (que era o racismo) um estudo que mostra a motivação dos crimes de homicídio. No estudo mostra que 83,03% dos homicídios com identificação de causa provável em SP em 2011/2012 foram baseados em impulso e futilidade. Coisas como vingança, desavença, crimes passionais (aí poderia entrar a questão da mulher na socidedade), briga de trânsito e por aí vai.

    Deixando claro que não quero dizer que questões envolvendo, por exemplo, a mulher ou o grupo LGBT não tenham que ter um tratamento “diferenciado”, pois cada problema pode ter particularidades que precisam ser identificadas e tratadas de forma específica para que o mesmo possa ser realmente resolvido. Tanto que postei lá no Fora de Paulta isso aqui que o RS vai começar a fazer para lidar com a questão das mulheres que são agredidas pelos parceiros:

    https://jornalggn.com.br/fora-pauta/agressores-serao-monitorados-com-tornozeleiras

    Mas não dá misturar as coisas também, como achar que o negro (ou mulher) que morre, por exemplo, numa disputa relacionada ao tráfico é a mesma coisa que um (não) LGBT sendo agredido ou morto devido a homofobia…como tem sido feito quando o pessoal começa a mostrar números pra defender uma tese, sem considerar o todo da realidade violenta…ou a particularidade de cada caso que gera aquele total de vítimas.

    Segue o link de novo para quem quiser olhar com mais calma o estudo, pois não tive tempo para isso ainda. http://www.cnmp.mp.br/portal/images/stories/Noticias/2012/Apresentao2.pdf

    1. É claro que o problema da

      A Veja é uma bobajada sim. Mas a Exame e outras revistas do mesmo grupo, não. Isso precisa ser observado. A Exame, inclusive, é muito simpatizante.

      É claro que o problema da violência é amplo.

      Mas temos que separar algumas coisas.

      Crime de ódio homofóbico é uma coisa que ainda falta ser tipificada na legislação. Os crimes de ódio racista e de gênero já o são.

      Fiquemos no básico: não há motivação racional para o Senado não colocar em votação um projeto como o PLC 122, que conta com aprovação popular.

      E nunca esqueçamos do duplo preconceito. A homofobia se sobrepõe a outros preconceitos já existentes. Afinal, há LGBTs pobres, negros, nordestinos, adolescentes e mulheres.

      Nós já notamos que colegas quando querem desqualificar a questão da violência homofóbica propositadamente se esquecem disso, como se LGBTs fossem apenas ‘homens adultos brancos de classe média’.

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