Manuel Domingos Neto
Manuel Domingos Neto nasceu em Fortaleza em 1949. Graduou-se em História pela Universidade de Paris VI, mestre pela Universidade de Paris III e Doutor em História pela mesma universidade, em 1979. Professor da Universidade Federal do Ceará e professor associado da Universidade Federal Fluminense
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Lula não pode temer o militar, por Manuel Domingos Neto

A orientação governamental para que os agentes públicos silenciem sobre o golpe de 1964 é esdrúxula e inexequível. Como entende-la?

Agência Senado

Lula não pode temer o militar

por Manuel Domingos Neto

(Para Oswald Barroso)

A ministra Luciana Santos e o ministro Camilo Santana suspenderão o financiamento de pesquisadores que estudem o golpe de 1964 e a ditadura que se seguiu?

A UNB será impedida de promover homenagem póstuma a Honestino Guimarães, assassinado pela ditadura?

O Ministério da Educação sustará reverências a Anísio Teixeira e Paulo Freire? Deixará de implementar políticas contrárias ao ensino cívico-militar propugnado pelos fascistas? Punirá professores que aludam ao golpe militar em sala de aula?

A ministra Marina Silva cancelará estudos ambientais que se refiram à devastação da Amazônia promovida pela Ditadura?

O ministro Sílvio Almeida coordenará o “esquecimento” do terrorismo de Estado praticado por mais de duas décadas?

A ministra Anielle Franco ignorará a homofobia e a misoginia praticada nos quartéis?

As homenagens aos golpistas serão suprimidas dos logradouros das cidades brasileiras?

O busto do golpista Castello Branco será retirado do hall da Escola de Comando e Estado Maior do Exército?

A orientação governamental para que os agentes públicos silenciem sobre o golpe de 1964 é esdrúxula e inexequível. Como entende-la?

Dissemina-se entre certos democratas a falsa ideia de que a contenção do intervencionismo político castrense deve ser operada pela Polícia Federal, Ministério Público e STF. O governo não teria nada a ver com isso. Lula teria agido corretamente ao interditar, no âmbito governamental, iniciativas relacionadas ao Golpe de 1964. Assim, apaziguaria “tensões” e governaria com tranquilidade.

Essa ideia destitui Lula da condição de Comandante Supremo das Forças Armadas, conforme definido pela Constituição. Cabe ao presidente definir as diretrizes para a organização, funcionamento e emprego do aparelho militar. Cumpre-lhe exigir que seus subordinados acatem a lei.

A orientação de Lula confere autonomia descabida às Forças Armadas. As corporações militares não podem ser entregues à sua própria vontade. Isso respaldaria a noção de que o militar constitui poder moderador, conforme o discurso fascista. Militar não é responsável, em última instância, pelos destinos do Brasil.

Não cabe ao Comandante Supremo negociar politicamente com os comandantes. Comandante comanda; político negocia com político.

A ideia de confronto entre o poder político e as Forças Armadas admite a insubordinação. Ao poder político cumpre exercer autoridade constitucional cobrando obediência e disciplina. A atuação do Judiciário não suprime a responsabilidade do Presidente.

É compreensível a atitude temerosa de Lula diante dos quartéis. Todos nós tememos o desconhecido e Lula, como a maioria dos brasileiros, desconhece o militar.

Lula parece não entender que o militar é um agente público educado para cumprir ordens. Se não as recebe, decidirá por conta própria o que fazer. Tramará em busca do comando político. Desavisado, Lula está estimulando a insubordinação da caserna.

É verdade que a Polícia Federal, o Ministério Público e o Judiciário cercam os militares mais reconhecidos como atuantes na arena política. Mas trata-se de um cerco limitado: o conjunto das corporações têm responsabilidades na eleição de um promotor do descalabro. A punição de algumas dezenas de oficiais, mesmo de alta patente, será recado importante, mas insuficiente.

O Brasil precisa de novas diretrizes para a Defesa Nacional. Se bem definidas, essas diretrizes orientarão uma reforma do aparelho militar.

Não se trata de punir e, muito menos, promover desforra. Trata-se de preparar o Estado para exercer sua soberania em um mundo conflagrado. Neste mister, o Comandante Supremo é insubstituível.

O grito “sem anistia” exprime a vontade democrática. Mas há um enorme fosso entre essa vontade e a organização Forças Armadas missionadas para garantir a soberania nacional e democracia.

Quando Lula detiver conhecimento dos problemas da Defesa e dos assuntos militares, compreenderá que não tem direito de temer o soldado. Nem terá motivo para isso. Emitindo ordens claras, amadurecidas e justificadas, o soldado lhe obedecerá.

Manuel Domingos Neto é doutor em História e autor de “O que fazer com o militar” (Editora Gabinete de Leitura).

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2 Comentários

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  1. O arcabouço de governança, quando não se tem maioria e meta de governabilidade não está ancorada nos aspectos nefastos da história, é compreensível e indispensável acordos e uma pauta comum para seguir em frente, não significa aceitar a nuances brutais e horríveis da história, é essencial que elas não aconteçam mais, as transgressões já não são mais assunto de governo, é assunto da justiça. Neste momento tão delicado que as instituições estão passando e falta de norte dos últimos mandatários que ainda estão operando e desestabilizando, a hora é de sensatez de governabilidade, hoje as denominações religiosas, são muito mais perigosas que militares, porque o passado não se muda e o presente está ameaçado por locupletas da fé de incautos. Cobrar do governo isso hoje, é uma insanidade estratégica e sem valor de estabilidade, não é passar pano para torturadores, porém isso hoje é assunto de justiça, e não de governo, principalmente se tiver responsabilidade.

    1. Eu acho que ele deveria fazer do mesmo modo que os argentinos fizeram. Na Argentina os Kirchner não atacaou os militares, mas também não deu aumentos de salários, protagonismo e o mais importante, não quis conversa com eles. Os tratou com grande indiferença. Até que o representante do alto comando perguntou ao Kirchner qual era a condição para eles retomarem o “diálogo”. Daí ele disse que a condição era eles reconhecerem seus crimes na ditadura. E assim eles fizeram. Removeram todas as fotos dos quarteis dos ditadores. Era isso que o Lula deveria ter feito e não tê-los colados em missões espalhafatosas e em obras de engenharia.

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