Memória e história de um futuro previsível: contribuição à crítica da Juizolândia dos Trópicos

A cada artigo da CF/88 que o STF revoga expressa ou implicitamente fico mais inclinado a republicar este texto. O colapso da Juizolândia dos Trópicos é inexorável e será barulhento?

Uma das características mais marcantes URSS era a combinação explosiva de burocracia e autoritarismo. A ditadura do partido único gostava de aparentar solidez, mas estava fadada a perecer por causa de suas contradições internas. Sobre estas disse Guy Debord:

“106 – A classe ideológica-totalitária no poder é o poder de um mundo invertido: qunto mais forte ela é, mais afirma que não existe, e sua força serve-lhe em primeiro lugar para afirmar sua inexistência. É modesta apenas nesse ponto, pois sua inexistência oficial também deve coincidir com o nec plus ultra do desenvolvimento histórico, que ao mesmo tempo seria devido a seu infalível comando. Espalhada por toda parte, a burocracia deve ser a classe invisível à consciência, de modo, que toda a vida social se torna demente. A organização social da mentira absoluta decorre dessa contradição fundamental.” (A Sociedade do Espetáculo, Guy Debord, Contraponto Editora, Rio de Janeiro, 2008, p. 72)

Há mais de uma década a esquerda acusa o PIG, Partido da Imprensa Golpista, de sabotar os governos petistas. Os espetáculos midiático-judiciários do Mensalão do PT e da Lava Jato, o primeiro concebido para abalar o governo Lula e o segundo para destruir Dilma Rousseff, teriam sido inventados para afastar o PT do poder.

Os resultados destes espetáculos foram pífios, pois o consenso fabricado pela mídia não foi capaz de impedir Lula de ser reeleito e de fazer sua sucessora. Dilma Rousseff foi afastada do cargo, é verdade. Todavia, ninguém pode dizer que o PT foi mortalmente ferido. De fato, as chances de Michel Temer afundar no buraco que ele mesmo ajudou a cavar são grandes com ou sem o retorno de Dilma Rousseff ao poder.

A crise financeira das empresas de comunicação brasileira é uma realidade visível e discutida nos meios jornalísticos. Mesmo que queira, por falta de caixa, o governo interino não poderá salvar todas elas. Se a mídia não reconquistou o poder que desfrutava durante o governo FHC, é inevitável perguntar: quem afinal chegou ao poder com o golpe de 2016. Michel Temer é um fenômeno transitório demais para ser considerado um vencedor. O PMDB está condenado à divisão interna. Isto para não dizer que vários líderes do PMDB (Eduardo Cunha, Romero Jucá, Renan Calheiros, José Sarney, etc…) afundaram no lodaçal financeiro da Lava Jato.

Os únicos a se beneficiarem ativamente do golpe de 2016 foram os Juízes. Eles conseguiram o que desejavam: afastar Dilma Rousseff do poder e aumentar seus próprios salários nababescos com a ajuda do Legislativo e do Executivo. Por força da judicialização da política promovida pelos adversários do PT (e em menor grau pelo próprio PT), na última década o Poder Judiciário foi dominando rapidamente todos os aspectos da vida pública e social. Ao decidir qual será ou não a agenda pública em última instância, os Juízes se tornaram os verdadeiros governantes não eleitos do Brasil.

O país que emerge da guerra partidária entre petistas e tucanos (petralhas e tucalhas, como eles chamam uns aos outros na internet) foi por mim batizado de “Juizolândia dos Trópicos”. Convém agora refletir sobre os descaminhos deste novo Estado altamente burocratizado comandado por um partido único cuja única virtude é aparecer como uma inexistência.

Na URSS os membros do partido comunista desfrutavam todos os benefícios da civilização enquanto a população fazia fila para comprar pão. O mesmo já está ocorrendo na Juizolândia dos Trópicos: a Justiça do Trabalho está sendo paralisada por falta de verbas, mas os salários dos Juízes estão garantidos e não deixarão de ser pagos. No Rio de Janeiro todas as atividades estatais (educação, saúde, obras, etc…) estão comprometidas, mas os vencimentos dos membros do Judiciário Estadual seguem sendo pagos pontualmente.

Quando o partido único era senhor absoluto da URSS os cidadãos comuns não ousavam desafiar as autoridades estatais. Caso fizessem isto, eles poderiam acabar presos ou, pior, mortos. Na Juizolândia dos Trópicos os cidadãos estão sendo constrangidos e não desafiar os Juízes. Dois fatos exemplificam este fenômeno:

Agente da Lei Seca condenada a indenizar juiz sofre nova derrota na Justiça

http://extra.globo.com/noticias/rio/agente-da-lei-seca-condenada-indenizar-juiz-sofre-nova-derrota-na-justica-15543230.html

Juiz decreta prisão de sargento da PM que prendeu filho de juiz em blitz da Lei Seca

http://www.sociedadeativa.net/2016/07/juiz-decreta-prisao-de-sargento-da-pm.html

Nem mesmo os advogados estão livres de sofrer constrangimentos na Juizolândia dos Trópicos:

https://www.youtube.com/watch?v=I2JL79BfPLo

http://www.migalhas.com.br/Quentes/17,MI197075,91041-Advogado+nao+respondera+acao+penal+por+acusacao+de+calunia+a+juiz

A URSS afundou sob o peso de suas contradições. O mesmo inevitavelmente ocorrerá com a Juizolândia dos Trópicos. Ao se tornarem senhores absolutos da política substituindo os partidos (que se deixaram substituir ao optar pela judicialização de suas disputas), os Juízes se tornaram mais poderosos. Os abusos de poder que eles cometem e cometerão se tornarão mais e mais odiosos aos olhos da população. Em pouco tempo eles começarão a ser vistos como os verdadeiros inimigos políticos do povo que governam sem mandato popular.

As fragilidades da Juizolândia dos Trópicos são evidentes. E tendem a aumentar à medida que a crise econômica se aprofundar. As soluções oferecidas a população por Michel Temer (mais privatização e menos direitos) não conseguirão pacificar os conflitos sociais.

Além de suas novas funções políticas, os Juízes terão que continuar a tocar e julgar os demais processos. O aumento da lentidão das demandas comuns acarretará a proliferação da sensação de injustiça e a auto-tutela começará a se tornar uma realidade mais presente na vida social. Em razão de terem atrofiado ao alimentar a hipertrofia do Judiciário, os partidos não conseguirão mais representar segmentos populares em disputa. O surgimento e a proliferação de milícias armadas é uma possibilidade.

 

Fábio de Oliveira Ribeiro

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