Por Jean-Philip Struck
Ao anunciar sua indicação para o Ministério da Educação, o presidente Jair Bolsonaro destacou o que seria um currículo sólido do escolhido, o professor Carlos Decotelli, apontando, entre outras coisas, que ele é “doutor pela Universidade de Rosário, Argentina”.
No entanto, nesta sexta-feira (26/06), um dia após o anúncio, o reitor da instituição argentina rebateu o presidente e disse que Decotelli nunca obteve o título de doutor pela universidade.
“Precisamos esclarecer que Carlos Alberto Decotelli da Silva não obteve na @unroficial o título de doutor mencionado nesta comunicação”, escreveu no Twitter o reitor Franco Bartolacci, da Universidade Nacional de Rosário, em resposta ao tuíte de Bolsonaro que mencionava o currículo do novo ministro.
Nos vemos en la necesidad de aclarar que Carlos Alberto Decotelli da Silva no ha obtenido en @unroficial la titulación de Doctor que se menciona en esta comunicación. https://t.co/s4cipmc7Ur
— Franco Bartolacci (@fbartolacci) June 26, 2020
Em entrevista à coluna da jornalista Mônica Bergamo, da Folha de S. Paulo, Bartolacci disse: “Ele [Decotelli] cursou o doutorado, mas não finalizou, portanto não completou os requisitos exigidos para obter a titulação de doutor na Universidade Nacional de Rosário.”
Segundo a Folha, o reitor tambem apontou que a tese apresentada por Decotelli foi reprovada. “Ela foi avaliada negativamente pelo jurado constituído para tal efeito [avaliar o trabalho]”, disse.
Em seu currículo Lattes, Decotelli aponta que fez “doutorado em Administração” na universidade argentina entre 2007 e 2009. O título da tese foi “Gestão de Riscos na Modelagem dos Preços da Soja”.
Depois da publicação do reitor argentino, o MEC encaminhou para diversos veículos um certificado que atesta que “o ministro Carlos Alberto Decotelli da Silva concluiu, em fevereiro de 2009, todos os créditos do doutorado em Administração pela Faculdade de Ciências Econômicas e Estatística da Universidade Nacional de Rosário, na Argentina”.
No entanto, o documento só aponta que ele concluiu as disciplinas do programa, e não esclarece se o ministro apresentou uma tese e obteve a titulação de doutor.
O jornal O Estado de S. Paulo relatou que questionou o ministro sobre a apresentação da tese, mas que ele não respondeu.
Após os questionamentos sobre sua formação terem sido levantados, Decotelli alterou seu currículo lattes, excluindo informações como o título da tese e o nome do orientador. Também inclui a informação “sem defesa de tese”.
Pós-doutorado na Alemanha
Na mesma publicação de quinta-feira, Bolsonaro também havia destacado que Decotelli é “pós-doutor [sic]” pela Universidade de Wuppertal, na Alemanha, se referindo incorretamente à atividade de pós-doutorado como se ela proporcionasse um título.
No site da Bergische Universität Wuppertal há poucas informações disponíveis sobre Decotelli. Uma notícia de 2015 aponta que ele iria realizar um curso de três meses na instituição.
Outro site, de uma professora aposentada da Faculdade de Artes e Design da universidade chamada Brigitte Wolf, indica que em 2016 Decotelli passou “alguns meses” no departamento de design industrial estudando “metodologia, planejamento e estratégia”.
O relatório de pesquisa de Decotelli, escrito em alemão e disponível no site da FGV, aponta que ele pesquisou sobre o design de máquinas agrícolas durante sua estada na Alemanha.
Já o currículo lattes do novo ministro não informa muitos detalhes sobre esse estágio de pesquisa em Wuppertal, se limitando a indicar “2015-2017 Pós-Doutorado. Universidade de Wuppertal, UNI-WUPPERTAL, Alemanha”.
A Universidade de Wuppertal não estava disponível na noite desta sexta-feira (horário alemão) para comentar as atividades de Decotelli na instituição em 2016.
No período em que esteve na Alemanha, Decotelli concedeu uma entrevista ao site de Brigitte Wolf sobre sua experiência no país europeu. Ele elogiou a forma como empresas e universidades da Alemanha cooperam na condução de pesquisas e criticou o modo como isso ocorre no Brasil.
“No Brasil, a pesquisa é realizada em prol de instituições e autoridades públicas, os orçamentos estão sujeitos a diretrizes políticas e os resultados da pesquisa permanecem no ambiente acadêmico. Na Alemanha, resultados de pesquisas não são boicotados por greves trabalhistas, como no Brasil.”
Decotelli é a mais recente autoridade brasileira envolvida numa controvérsia sobre currículos acadêmicos. No ano passado, o site The Intercept Brasil apontou que o ministro Ricardo Salles (Meio Ambiente) assinou um artigo num jornal em 2012 como se tivesse um mestrado na prestigiada Universidade Yale, dos EUA. Ao longo de anos, a informação foi repetida por diversos veículos de imprensa. No entanto, o ministro nunca obteve qualquer título na instituição americana. Salles afirmou que o erro original partiu da sua assessoria.
Em 2019, o governador fluminense Wilson Witzel também foi acusado de maquiar seu currículo, indicando que teria estudado em Harvard, nos EUA. Após ser confrontando com o fato de que não havia registros que apontassem qualquer ligação dele com universidade, Witzel disse que mencionou Harvard porque tinha a intenção de estudar lá, mas que os planos foram cancelados após sua eleição. Ele não explicou por que chegou até mesmo a colocar o nome de um orientador americano no currículo lattes.
Indicação
Carlos Alberto Decotelli da Silva, de 67 anos, foi indicado para o cargo de ministro da Educação com aval da ala militar do governo e apoio do ministro da Economia, Paulo Guedes.
O anúncio ocorreu uma semana depois da saída de Abraham Weintraub, que deixou a chefia do MEC após se envolver em disputas desgastantes com o Supremo Tribunal Federal (STF) e controvérsias envolvendo acusações de racismo.
Sua indicação também está inserida numa nova estratégia do governo Bolsonaro para tentar diminuir a tensão com outros poderes, em meio ao avanço das investigações que envolvem a família do presidente e parlamentares bolsonaristas, em casos que vão de suspeita de corrupção até a propagação de fake news e organização de atos antidemocráticos.
Apesar de Decotelli ser conservador, há alguma expectativa de que ele pelo menos venha a adotar um estilo menos explosivo do que o de Weintraub, que acabou gerando problemas para o governo. “Não tenho nem preparação para fazer discussão ideológica, minha função é técnica”, disse o novo ministro em entrevista ao jornal O Globo.
O novo ministro também tem um perfil bastante distinto dos seus dois antecessores no MEC, Weintraub e Ricardo Vélez Rodríguez, indicados pelo guru ultraconservador Olavo de Carvalho, que exerce forte influência sobre os filhos de Jair Bolsonaro. A própria substituição de Vélez se deu mais por conta de disputas fratricidas entre “olavistas” do que pela gestão ineficiente do ministro.
Por outro lado, mesmo nomes que chegaram a ser propagandeados inicialmente como “técnicos” ao longo da gestão de Bolsonaro acabaram por vezes tendo que adotar a cartilha bolsonarista de confronto.
Por enquanto, os olavistas têm se mantido em silêncio sobre a perda de espaço no comando do MEC. Alguns integrantes dessa ala ainda continuam na pasta, apesar da saída de Weintraub, como Carlos Nadalim, secretário de Alfabetização. Ainda não se sabe como eles pretendem se comportar.
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