O Brasil ainda é um país do futuro?, por Nadejda Marques

Não é por desconfiança que no Brasil o governo prioriza investimentos para o setor do agronegócio é política mesmo. A bancada do agronegócio é a mais organizada (e mais poderosa?) no Congresso.

O Brasil ainda é um país do futuro?

por Nadejda Marques

Nas economias desenvolvidas, sobretudo no contexto da Guerra Fria mas, também em momentos de crise, o financiamento do governo sempre foi fundamental para fomentar pesquisa, ciência, inovação e atividade industrial. Recursos públicos são empregados para esses setores como parte de uma política econômica pois, ainda é consenso que assim se produz empregos, crescimento econômico e desenvolvimento.

Por que seria diferente durante a crise econômica decorrida da pandemia da COVID-19? Não é. Em setembro de 2020, por exemplo, a França anunciou um pacote de estímulo econômico no total de US$120 bilhões de dólares (4% do seu PIB) que serão injetados no setor de startups ligados à tecnologia digital, computação quântica, sistemas de informação, cybersecurity e segurança digital. A Alemanha, como potência política e econômica da Europa, vai investir cerca de € 130 bilhões de euros não apenas na recuperação econômica, mas também em uma economia mais sustentável. Nos Estados Unidos, o Presidente Biden espera aprovar um pacote de cerca de US$ 3 trilhões de dólares para realizar investimentos em infraestrutura, revitalizar a indústria americana, combater a mudança climática e aumentar a competitividade dos produtos made in USA.

“Toda unanimidade é burra”, dizia Nelson Rodrigues. Deve ser por causa dessa desconfiança que no Brasil, há décadas, se abandonou o modelo desenvolvimentista e se permite um processo de desindustrialização rápida que afeta desde produtos de alta, média e baixa tecnologia. Isso é problemático porque além de aumentar a vulnerabilidade econômica do país, a indústria ainda é o setor com maior capacidade de inovação e geração de empregos. Ressaltando que, atualmente, no Brasil, não somente temos um elevado número de profissionais qualificados em situação de desemprego ou subemprego como enfrentamos o problema de sub-financiamento do ensino superior como um todo e, principalmente, de atividades acadêmicas voltadas à aplicação prática em laboratórios ou centros de pesquisa e tecnologia.

Não é por desconfiança que no Brasil o governo prioriza investimentos para o setor do agronegócio é política mesmo. A bancada do agronegócio é a mais organizada (e mais poderosa?) no Congresso. Assim, em detrimento da pesquisa, inovação e indústria, o governo favorece um agronegócio de multinacionais que controlam 70% da produção, comercialização e transporte de produtos agrícolas brasileiros sem muita preocupação com o impacto sócio-ambiental de sua produção ou mesmo os malefícios à saúde dos brasileiros. Aliás, num país de tamanha produção agrícola e pecuária como o Brasil, ter 10 milhões de pessoas em situação de fome é atestado de que essa indústria não tem feito muito para garantir a segurança alimentar do país, contrário ao que a propaganda da TV apresenta.  

O monopólio do agronegócio não se trata de um modelo desenvolvimentista e tampouco é eficaz da perspectiva nacional. Por um lado, o desenvolvimento através de grandes investimentos públicos destinados a um único setor específico, como demonstrou o economista Celso Furtado, trata-se de um mito e as políticas para esse fim estão fadadas ao fracasso. A exclusão social e a dívida pública necessária para financiar esse “desenvolvimento”, se traduz em uma corrida desenfreada para alcançar um alvo sempre em movimento; uma ilusão que alimenta os bolsos de estrangeiros. Além disso, os outros setores da economia que não são considerados prioritários (como saúde e educação), sofrem uma defasagem tecnológica-produtiva-social que gera mais custos ao governo e, no caso da indústria, a empresários também que precisam adaptar tecnologias de um setor a outro. As consequências ecológicas e ambientais devido à pressão por recursos não-renováveis, a poluição dos processos produtivos, a efemeridade dos produtos e a volatilidade das commodities são catastróficas. Isso sem contar que a bancada do agronegócio precisa despender tempo e recursos na persuasão de políticos e eleitores quanto a importância ou necessidade de investimento, de regalias e outros benefícios para seu setor.

Não trabalham de forma colaborativa num projeto de nação. Se geram alguma inovação é uma inovação fechada e altamente protegida por patentes. Inovação excludente, nada democrática, que não salva mas, tira vidas. Brasil, celeiro do mundo! Será que esse é o tal futuro do país? É difícil responder a essa pergunta mas, sim sabemos que os tempos mudam. Em termos globais, hoje somos mais interdependentes e mais dependentes da tecnologia digital. Vivemos em meio a uma catástrofe climática e uma pandemia avassaladora. Falar em país do futuro é complicado porque exige uma mínima dose de esperança e, talvez a pergunta mais pertinente seja, o Brasil ainda tem futuro?

Redação

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