O Brasil policêntrico

País não tem plano para superar desequilíbrios

Por Lilian Milena, no Brasilianas.org
Da Agência Dinheiro Vivo

Clélio Campolina Diniz, da UFMG, apresenta as principais mudanças da matriz econômica nas regiões brasileiras .jpg

Ainda é possível dividir o Brasil em dois países, quando se fala em dinamismo econômico: o do grande norte, com um corte que vai da metade do estado de Minas Gerais para cima, e do grande Sul, parte que engloba o restante de Minas, São Paulo em diante. Mas, nos últimos 60 anos essa linha divisória tem-se apagado, e as políticas de redistribuição de renda, aplicadas na última década, aceleram o fenômeno.

Segundo especialista em desenvolvimento regional e reitor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Clélio Campolina Diniz, convidado para falar no 16º Fórum de Debates Brasilianas.org, o país tem passado por grandes movimentos econômicos que impactam no seu formato de desenvolvimento agropecuário, industrial e de serviços. Essas mudanças foram responsáveis, por exemplo, na transformação dos movimentos migratórios.

O Nordeste foi, historicamente, uma região de saída de milhares de pessoas a procura de melhores condições de vida no Sudeste. Nos últimos cinquenta anos, a região expulsou em média 870 mil habitantes por ano. Porém, esse volume caiu para 430 mil/ano, entre os anos de 2003 e 2008. “Seguramente as políticas sociais e o crescimento econômico contribuíram para frear esse movimento migratório”, explicou Diniz. A região Sudeste, em especial São Paulo, que historicamente absorvia 1 milhão de habitantes, passa a receber anualmente 250 mil pessoas.

Do ponto de vista industrial ocorreu no país um processo de descentralização da chamada Região Metropolitana de São Paulo (RMSP), que chegou a ter 47% da produção industrial brasileira, em 1970, e hoje responde por menos de 25%. Segundo o economista, outro dado importante relacionado às mudanças na industrialização do país é o crescimento das fronteiras agropecuária e mineral que impactam na atração de indústrias no Norte e Centro-Oeste.

Nessa última região a principal atividade econômica é a agropecuária. O Centro-Oeste, em 1970, era responsável por 10% da produção total de grãos do país e passa, em 2009, a responder por 34% do volume produzido. No mesmo período, seu rebanho bovino passa de 22% a 34% da criação nacional. Já na região Norte do país a produção de grãos saltou de 0,7% para 2,7%, no mesmo período, e de rebanho, de 2,2% para 8%. No Nordeste a produção de grãos caiu de 12% para 7,9%, e a criação de gado de 17% para 13,8%.

Mapa do retrato nacional

Diniz apontou que está havendo expansão da fronteira agrícola na parte oeste do Nordeste, pegando os estados da Bahia, Piauí e Maranhão e não “se trata do agronegócio primitivo convencional, mas do mercantilizado de alta tecnificação e efeito sobre o setor urbano de serviços”. Entretanto, o que predomina no Nordeste é ainda a agricultura de características atrasadas, ou seja, de mão de obra intensiva e baixa uso de tecnologias.

No Sudeste ouve retração da produção de grãos, de 30% para 12%, e de 34% para 18% em relação a criação de gado. A representatividade do Sul na oferta de grãos caiu de 45% para 43%, apenas, e na criação de gado, de 24% para 13%.

Nas últimas décadas a principal atividade econômica do país passou a ser a de serviços, ao invés da produção de bens (indústria e agropecuária) que, em 1976, era responsável por 65% do PIB, e por 59% da renda do brasileiro. Em 2008, a participação do setor de bens na economia como um todo cai para 40%, e na renda do trabalhador, para 29%.

Automaticamente, o setor de não bens (serviços em geral) aumenta sua participação de 34% do PIB e 40% da renda, em 1976, para 59% do PIB e 70% da renda gerada, em 2008.

Um país policêntrico

Para Diniz falta ao Brasil um plano estratégico de desenvolvimento para o médio e longo prazo e que não leve em consideração a terminologia das cinco macrorregiões (Norte, Nordeste, Centro-Oeste, Sul e Sudeste), pois “elas são suficientemente heterogêneas”, ou seja, não abrangem todas as diferenças geográficas, ambientais e econômicas que existem dentro da própria macrorregião Nordestina, por exemplo, que reúne nove estados mais metade de Minas Gerais.

O economista coordenou um trabalho encomendado pelo Ministério do Planejamento para desenhar um modelo de país policêntrico. O levantamento resultou num relatório com mais de mil páginas com indicadores geográficos, econômicos, ambientais e de identidade populacional que resultou na divisão do Brasil em 118 mesorregiões.

Mapa das mesorregiões

Cada uma dessas mesorregiões poderiam seguir certas orientações de políticas públicas, até decidir a localização dos equipamentos públicos como escolas, distribuição de rede de saúde. A proposta, explicou Diniz, ainda ajuda a reorientar as redes urbanas e combater a guerra fiscal.

Em seis décadas, a população brasileira foi multiplicada por quatro, atingindo 190 milhões de pessoas. No mesmo período o país passou de uma sociedade predominantemente rural, para predominantemente urbana, com 85% da população vivendo em regiões urbanizadas.

Mapa redes desenvolvimento na perspectiva do policentrismo

O principal conglomerado urbano no Brasil é a Região Metropolitana de São Paulo (RMSP), também conhecida como grande São Paulo, que reúne 39 cidades, com uma população total de 20 milhões de habitantes. Na concepção do economista Diniz, o conglomerado pode ser ainda maior, com 30 milhões de habitantes, se forem incluídas as cidades de São José dos Campos, Campinas, Sorocaba e Santos, que não estão oficialmente na RMSP.

Pontos azuis e vermelhos mostram a posição atual das grandes cidades

Os conglomerados urbanos surgem do chamado fenômeno da conurbação, ou seja, da unificação não controlada de várias cidades à medida que crescem. Surge nessa situação uma série de problemas a serem enfrentados em conjunto pelas cidades: saneamento, habitação e transporte urbano (mobilidade), estão entre os principais apontados por Diniz.

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