O custo da Lava Jato para a economia: uma entrevista com Luiz Fernando de Paula

Os prejuízos causados pela Lava Jato à economia brasileira superam os recursos que a força-tarefa afirma ter recuperado no combate à corrupção

Jornal GGN – O economista Luiz Fernando de Paula, um dos fundadores da Associação Keynesiana Brasileira e professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro, assinou um artigo em conjunto com Rafael Moura, no Valor Econômico do dia 28 de agosto, que teve grande repercussão. A pauta: as consequências econômicas (desastrosas) da Lava Jato.

Em março de 2019, quando completou 5 anos, a Lava Jato divulgou uma projeção indicando que, entre o que já havia recuperado e o que estima recuperar com as condenações e acordos, R$ 40 bilhões voltariam aos cofres públicos.

De efetivo, a Petrobras ficou com bem menos, R$ 2,5 bilhões, sendo que o valor é exatamente o mesmo que a própria estatal foi obrigada a pagar em multa decorrente de ação movida nos Estados Unidos graças à Lava Jato.

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Por mais difícil que seja estimá-las, as perdas com a operação, portanto, são muito maiores do que o que foi recuperado ou o que os procuradores acham que vão conseguir recuperar nos próximos anos.

Somente entre 2015 e 2016, a Lava Jato teria sido responsável por até 2,5% da retração do PIB, um impacto de cerca de R$ 146 bilhões relacionado ao golpe sentido pelos setores metalomecânico, naval, construção civil e de engenharia pesada, apontou o artigo.

“Além do fato de que teve um efeito direto negativo muito agudo em termos de produto, investimento e de emprego, a Lava Jato teve impacto também sobre os setores da economia brasileira onde existiam grandes empresas nacionais e competitivas. São setores que agora estão se atrofiando e desnacionalizando”, afirmou Luiz Fernando em entrevista exclusiva ao editor-chefe do GGN, Luis Nassif.

Na conversa, o economista apontou que há dificuldade em calcular os prejuízos totais que a Lava Jato impôs à economia por conta das consequências da operação sobre a política nacional. A troca de governos e as medidas adotadas em meio à crise resultaram na contração dos investimentos públicos, por exemplo, algo que também refletiu sobre a construção civil, para falar de um dos setores atingidos diretamente pela operação.

Luiz Fernando também falou ao GGN sobre o método Paulo Guedes de tirar o Brasil da recessão: privatizar tudo. Para o professor, o liberalismo do governo Bolsonaro é “primário” e pode até existir alguma lógica nas ações deflagradas, mas não há garantia nenhuma de “eficácia”.

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Luis Nassif: Dias atrás você publicou no Valor Econômico um artigo estimando as perdas para a economia brasileira por causa da Lava Jato. Você focou em quais pontos específicos?

Luiz Fernando de Paula: As pessoas acham que a Lava Jato, em função da suposta limpeza da corrupção, vai gerar efeitos econômicos benéficos para o país, no sentido de que, uma vez acabada a corrupção, sobrará mais dinheiro para investir. Evidentemente, os efeitos a longo prazo são mais difíceis de mensurar, mas na realidade o que já se observa é uma grande perda em termos de crescimento do PIB e aumento do desemprego, em função de que dois dos setores mais importantes para a economia foram afetados.

No caso da construção civil, é um setor em que a mão-de-obra é intensiva. E a Petrobras está num setor que tem engajamento em termos de produção e crescimento de renda, e também tem uma miríade de firmas como fornecedoras, que dependem dela. É o que a gente chama de engajamento, esse efeito de irradiação muito forte.

Algumas consultoras fizeram estimativas em relação às perdas, e estima-se que entre 2 e 2,5% em perda do PIB em 2015 e 2016 se deva à operação Lava Jato. Por que? Porque afetou dois setores estratégicos da economia brasileira. Para ter uma ideia da dimensão do estrago: somente entre 2014 e 2016, 5,1 milhões de trabalhadores perderam o trabalho. Desse total, 22% correspondem à construção civil.

Nassif: Ou seja, o impacto é direto…

LFP: Sim, direto. Por outro lado, tem ainda as empresas diretamente afetadas pela Lava Jato – como Queiroz Galvão, Andrade Gutierrez, Camargo Corrêa – que também tiveram quedas de receitas em torno de 30%. O número de funcionários evidentemente caiu bastante.

Outro efeito que se observa é que essas empresas, em função das dificuldades que tiveram por causa dos acordos para ressarcir valores significativos, elas tiveram de vender várias subsidiárias.

Então, além do fato de que teve um efeito direto negativo muito agudo em termos de produto, investimento e de emprego, a Lava Jato teve impacto também sobre os setores da economia brasileira onde existiam grandes empresas nacionais e competitivas. São setores que agora estão se atrofiando e desnacionalizando.

Nassif: Se você pegar as perdas não diretas, há comprometimento do próprio desenvolvimento tecnológico da economia brasileira.

LFP: Sem dúvidas. Esse é outro ponto. Por um lado, a própria queda de investimentos da Petrobras, e do setor da construção civil que atendia às demandas da estatal. E de outro lado, o governo abre mão da questão do conteúdo nacional. É um fator estrutural que afeta. Com todos os problemas que tinha, esse era um setor em que o Brasil era competitivo, forte, tinha presença internacional. É lamentável o ocorrido.

Nassif: E os estaleiros? Em que pé estão eles?

LFP: Totalmente parados. É difícil também separar o efeito de uma paralisia política, que acabou afetando esses setores, da paralisia econômica. É difícil porque tivemos uma baita de uma recessão econômica até 2016. A recuperação a partir de 2017 é muito lenta, a economia continua estagnada. Esses fatores políticos também são consequência da Lava Jato, e contribuem para a desaceleração. Mas voltando aos estaleiros, estão totalmente parados. Com a construção civil parada, a economia parada, investimento público pífio, não tem muita perspectiva.

Nassif: A demonização dos investimentos públicos também contribuiu para a mudança completa do quadro político e para a paralisia dos investimentos do governo…

LFP: Pois é. Nós economistas temos que ter humildade porque há fatores políticos e ideológicos que afetam a economia.

A minha percepção da política econômica do governo Bolsonaro é de que foi vendida uma ideia de que qualquer intervenção estatal é ligada ao petismo. Então a forma de desidratar o PT é você retirar o Estado da economia e deixar tudo para o setor privado. Isso é problemático porque há complementariedade grande entre setor público e privado. O atual governo está fazendo uma aposta arriscada de que a privatização por si só vai trazer investimentos privados. Isso é muito duvidoso.

Nassif: E o investimento privado que estão apontando é de troca de ativos, ou seja, não é acréscimo de ativos na economia brasileira.

LFP: Pois é, obviamente o primeiro efeito é nulo, é pura troca de ativos. O que o governo está pensando é que o Estado supostamente está falido e que transferir ativos para o setor privado vai salvar porque, num segundo momento, o setor privado vai canalizar recursos para investir. Não é tão simples assim, porque na realidade temos setores estratégicos e vitais, e cujo o investimento é de longo prazo, como no setor elétrico. O privado quer pegar o filet mignon, a distribuição de energia, mas não quer pegar a parte dura.

Tenho dúvidas, por exemplo, se a Vale do Rio Doce foi uma boa venda. Imagina se o Brasil, hoje, grande exportador de minérios, fizesse transações como no Chile, onde o cobre foi estatizado e tem peso enorme nas exportações. Isso é receita direta na veia do Estado. Eu não sou contra a privatização por si só. Você tem que olhar e analisar se esses setores são estratégicos.

Nassif: Você já conseguiu ver alguma lógica – um modelo que para em pé, nessa substituição de modelos paralisados por novos – na gestão Paulo Guedes?

LFP: Alguma lógica, sim. Alguma eficácia, não. É uma espécie de thatcherismo tupiniquim. A impressão é que há sim intenção [de mudança estrutural grande]. Para além da questão da privatização para obter recursos para abater a dívida pública, há um projeto claro de retirar o Estado completamente da economia. Por que essa aposta é arriscada? Porque estamos falando de uma economia em desenvolvimento, ainda não desenvolvida. Esse tipo de política de Paulo Guedes praticamente vai destruir a indústria brasileira. Ele acha que o agrobusiness vai dar dinamismo à economia. Ele é grande, tem competitividade, mas não tem capacidade de irradiação para uma economia de um país do tamanho do Brasil. É como achar que o rabo vai conduzir o cachorro. Não vai. É um liberalismo muito arcaico, primário, achar que tirar o Estado da economia, trocando pelo setor privado, vai resolver todos os problemas. Não vai.

 

 

Redação

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  1. A menos que alguém demonstre o contrário, as toscas e não comprovadas “contabilidades” desta operação “Entrega-Brasil-a-Jato” conseguem até duplicar um suposto prejuízo admitido de 6 bilhões em 10 anos, lançando-o novamente como prejuízo no balanço. Juntamente com “impairment tests”, multas e indenizações auto-infringidas e outros truques não operacionais, com o objetivo de demonstrar (farsescamente) ao “vulnerável” público que a mais importante empresa brasileira, internacionalmente reconhecida por sua produtividade e know-how em águas profundas, estaria “quebrada”.
    Ora, se hipoteticamente uma empresa deixou de lucrar 6 bilhões a mais porque foi roubada neste valor (prejuízo), como, depois de descobrir o roubo, lança novamente este valor como prejuízo?
    Um país cuja “inteligência governamental atual não passa de cortar gastos para equilibrar receitas que não sabe aumentar e para pagar as inevitáveis paga juros extorsivos a bancos, está fadado a ser uma terra arrasada, habitada por zumbis.

  2. No início daquela que foi o instrumento utilizado para realizar o maior prejuízo já visto neste país, o semideus moro anunciou que havia encontrado desvios de 6 bilhões de reais nas obras da Petrobras, declaração que era inteiramente absurda e, principalmente, prá lá de leviana, ou seja, tinha as impressões digitais do super moro.
    Na ocasião a Petrobras, acuada, precipitadamente lançou em seu balanço os 6 bilhões de reais do tal desvio que só estava presente na cabeça do marreco de Maringá, e até agora não se conseguiu comprovar desvio da metade daquele valor.
    Foram embora, para não mais voltar, milhares e milhares de empregos, o setor petroleiro e o da construção civil nacional forai para o espaço, as licitações para grandes obras públicas evaporaram, até porque o empresário precisa ter muita coragem para executar obras para governos num ambiente em que todos podem vir a serem rotulados como ladrões.
    Os efeitos da desgraça vaza-jato, como diz o post, certamente assume valores estratosféricos sem que a mídia produza matérias sobre o assunto, bem de acordo com a mídia tupiniquim, a pior de todas entre os países que podem ser reconhecidos como democráticos.
    Neste momento, o grupo dos Marinho se reveza em sua posição diante de tudo o que acontece, ora é a favor, ora é contra o governo, ainda não sabe prá que lado vai pular quando sempre pulou prá um dos dois lados.

  3. Dados do IBGE de 2014 indicam que o número de subutilização da força de trabalho eram de 15 milhões e 2 milhões de desalentados – somados, tínhamos 17 milhões de desempregados. Hoje, o número de subutilização da força de trabalho é de 25 milhões e 5 milhões de desalentados – somados, somos (sou desalentado) 30 milhões de desempregados. Se subtrairmos 30 -17 = 13. Ou seja temos um aumento de 13 milhões de desempregados entre 2014 e os dias atuais.

    O valor médio do salário é praticamente o mesmo: R$2.100,00. Se multiplicarmos R$2.100,00 por 13 milhões = R$27,3 bilhões por mês, e por ano, teríamos R$354,9 bilhões a mais, movimentando a economia. Só no seguimento de empregos o INSS estaria arrecadando R$103,47 bilhões por ano; em 10 anos, R$1,065 Trilhões.

    Então, está claro que o que se precisa de imediato não é a reforma da previdência – precisa-se de empregos – principalmente recuperar esses 13 milhões de empregos que foram destruídos e atingiram diretamente os trabalhadores. A reforma da previdência deveria vir depois e certamente seria só um ajuste de idade mínima progressiva em função do aumento da expectativa de vida. Nada de cortar benefícios da prestação continuada e de quem ganha até o teto atual.

    Mas, por quê e como se deu a destruição de tantos empregos? Tudo se resume num partido político “justicialista” clandestino, sem registro e o PIG (partido da imprensa golpista) que, a partir de 2014 entrou de cabeça na destruição de empresas, empregos, destruição de reputações de políticos e da política (não esquecer que protegeram muitos dos seus apoiadores para não melindra-los) e o resultado é o que temos. E hoje, com a VAZA JATO em andamento, ninguém tem mais dúvida de que a operação LAVA JATO, nada mais era que uma operação FARSA JATO e que precisa urgentemente de uma CPI para punir os mentirosos e trapaceiros.

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