O novo Fundeb, um salto na educação, e os paradoxos do liberalismo à brasileira, por Luis Nassif

Os educadores liberais não conseguem se desvencilhar das amarras ideológicas para se debruçar sobre a realidade brasileira. A grande disputa ideológica se dá em torno do orçamento

Nas discussões sobre modelos de políticas públicas, os projetos liberais engasgam no seguinte dilema:

Sabem que há um subfinanciamento da educação e saúde. Propõe políticas de aumento de produtividade. Mas são contra qualquer forma de aumento das dotações para o setor. O objetivo dessas políticas é apenas o de reduzir a carga tributária.

Repetem o mesmo modelo de gestão consagrado por Jorge Paulo Lehman:

1. Maximização de resultados no curtíssimo prazo.

2. Desatenção com investimentos com prazos de maturação mais longos.

3. Foco exclusivo em eliminar custos.

Não significa que se deva ignorar metodologias de melhoria da educação, mas entender a melhoria dos métodos educacionais, proposta pelos liberais, visa apenas reduzir as disputas pelo bolo orçamentário – e não resolver definitivamente os problemas da educação.

Um bom exemplo disso foi na votação do FUNDEB (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica) incluindo o CAQ (Custo Aluno-Qualidade). O projeto parte de um diagnóstico já aceito por todos os movimentos de educação no país: tem que se dar plenas condições aos professores; dadas as condições, há que se fazer avaliações e cobrar resultados. A cobrança virá na ajuda aos professores para identificação dos problemas e a busca conjunta de soluções.

O índice de qualidade das escola inclui questões básicas, como saneamento, Internet, bibliotecas, laboratórios e professores recebendo pelo menos o piso nacional. Caberá ao Ministério da Educação garantir os recursos necessários dentro do conceito do piso social – que começa a ganhar corpo no próprio Supremo Tribunal Federal.

Dadas as condições, haverá a avaliação, mas com aprimoramentos sobre o IDEB (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica). Este é um indicador relevante, mas que iguala todas as escolas, não as diferencia de acordo com os indicadores sociais do entorno e das famílias dos alunos.

Há consenso de que escolas em regiões de melhores condições sociais já partem com vantagem sobre escolas de periferia. Portanto, igualando todas as escolas, apenas acentua-se a diferença social. E sem as diferenciações sociais, não haverá como montar políticas educacionais eficientes. Continuarão sendo beneficiadas as escolas com alunos em melhor condição social, em detrimento das escolas instaladas em regiões mais necessitadas.

O novo índice juntará ao IDEB indicadores do nível social das regiões onde a escola esteja instalada. Com isso, cada região terá um indicador de CAQ, ou seja um custo por aluno. Para regiões mais carentes, o custo será maior; para menos carentes, custo menor. O resultado final será uma maior isonomia e redução das desigualdades.

Em suma, o novo Fundeb, se aprovado, permitirá retomar a evolução da educação brasileira.

O terceiro elemento – central – é o da participação de professores, pais e alunos na busca de modelos pedagógicos de cada escola. Segundo Daniel Cara – da Campanha Nacional Pelo Direito à Educação -, os grandes avanços na educação do Ceará, Piauí, e, agora, no Rio Grande Norte e Maranhão, são promovidos pela integração entre professores, pais e aluno com os dirigentes estaduais.

O orçamento e o neoliberalismo

Há tempos se sabe que a educação só se tornará bandeira definitiva quando seguir o exemplo de saúde, e montar sua própria bancada, independentemente dos partidos, colocando o objetivo da saúde acima das conveniências de cada partido.

Os educadores liberais, no entanto, não conseguem se desvencilhar das amarras ideológicas para se debruçar sobre a realidade brasileira.

A grande disputa ideológica se dá em torno do orçamento. Paulo Guedes repete toda semana que, nessa disputa, pode mais quem grita mais. Isto é, o orçamento está exposto às demandas de grupos politica e financeiramente mais influentes.

A Constituição de 1988 permitiu blindar parte do orçamento, incluindo setores essenciais – como educação e saúde – nos gastos obrigatórios dos três níveis de governo. Foi esse direcionamento que permitiu a consolidação do Sistema Único de Saúde (SUS), os avanços na educação.

Os liberais defendem o descontigenciamento total para permitir maior eficácia na alocação dos recursos. Ora, quem irá definir a eficácia? Burocratas indicados pelo mercado? Políticos indicados pelo governante de plantão? Todos eles sem a blindagem social proporcionada pelos gases obrigatórios?

Até o mais preparado dos liberais – André Lara Rezende – embarca nessa falácia. Em palestras em defesa da Nova Teoria Monetária, critica a visão dos burocratas do FMI, de definir regras gerais para todos os países. E defende, no Brasil, o descontigenciamento total para que burocratas de Brasilia – expostos a toda forma de pressão – definam regras gerais para saúde, educação e outras políticas públicas.

Qualquer padrão moderno de gestão privada sabe que o ponto central de políticas de qualidade tem que ser o foco no cliente – ouvir o cliente, ouvir quem está na linha de frente atendendo o cliente.

Mas, no Brasil, há um vício recorrente da visão autocrática dos “iluminados” – o gestor que domina algumas ferramentas de gestão e quer impor ao mundo. É uma praga que atingiu o mundo corporativo através do CEO genérico (o sujeito que vai presidir empresas e só conhece o lado financeiro) e dos gestores genéricos. É um vício do qual não está livre nenhum partido.

Nos governos petistas, por exemplo, havia o modelo participativo de Fernando Haddad e Renato Janine Ribeiro, e o autocrático de Aloisio Mercadante. São Paulo nunca se livrou do padrão burocrático-autoritário de Maria Helena Guimarães. Em nenhum dos casos autocráticos houve avanços.

Dois episódios desta semana mostram esse descolamento da realidade por parte dos ditos liberais.

O primeiro, o Movimento Todos Pela Educação, uma ONG bancada por empresas privadas que ganhou grande destaque assessorando políticas estaduais, e que se recusou a engrossar a frente pela aprovação do novo FUNDEB. Cara acusa a ONG de não batalhar pela aprovação do novo Fundeb.

Pelo menos nas redes sociais, Todos Pela Educação engrossou a torcida.

Outra é o Partido Novo, com seus discursos recorrentes de que o Estado deve se concentrar em suas funções básicas. Votou contra o novo Fundeb.

Em São Paulo, João Dória Jr propõe acabar com duas das mais bem sucedidas políticas públicas brasileiras: a autonomia orçamentária da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) e das universidades estaduais (que recebem 10% do ICMS); e com o programa de habitações populares (financiado com 1% do orçamento). O primeiro transformou São Paulo no mais importante centro de pesquisas da América Latina; o segundo permitiu o financiamento de mais de 1,5 milhão de habitações.

Enquanto não evoluir para o conceito de responsabilidade social, o liberalismo brasileiro será apenas um simulacro de modernidade.

Luis Nassif

5 Comentários

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    1. Muitas palavras e um belo texto para chegar à uma conclusão pífia:

      “Enquanto não evoluir para o conceito de responsabilidade social, o liberalismo brasileiro será apenas um simulacro de modernidade”.

      Alguma dúvida sobre o liberalismo brasileiro ser mera fachada para a espoliação da grande maioria dos cidadãos em benefício de uma pequena minoria, muitos deles apenas agentes funcionais desta dominação, que permite ganhos extraordinários para 0,1% da população total?

      Numa coletividade, toda dominação política, econômica e social de uma pequena minoria sobre a grande maioria dos cidadãos sempre constrói uma fachada de ideias para esconder a desigualdade ($$), abissal no Brasil, e faze-la aceitável pela maioria, desmobilizando a reação dos explorados, notadamente nas urnas.

      Os paradoxos do liberalismo são apenas as demonstrações práticas do descompasso entre sua bela fachada de ideias e as práticas efetivas, que resultam na pobreza e miséria da maioria.

      Uma leitura mais consequente sobre os paradoxos do liberalismo, tupiniquim e alhures, nestes tempos de fascismo bolsonarista, pode ser vista aqui mesmo neste jornal.

      Um bom exemplo está no link: https://jornalggn.com.br/analise/os-acordos-de-livre-comercio-e-a-globalizacao-do-fascismo-por-franklin-frederick/, numa bela contribuição da “Lourdes”.

  1. É preciso não se iludir muito com o novo Fundeb, pois o atual não garantiu a manutenção e desenvolvimento da educação básica pública. O número de matrículas e escolas estaduais e municipais caiu entre 2007 (primeiro ano do Fundeb) e 2019, mas o de matrículas e escolas privadas cresceu. A redução municipal aconteceu mesmo nas redes que receberam complementação federal significativa, como foi o caso das do Pará e da maioria dos estados nordestinos.
    Nicholas Davies, prof. titular aposentado da Faculdade de Educação da Universidade Federal Fluminense, Niterói, RJ

  2. Como quase tudo na vida, envelhecer também tem vantagens. Uma delas é ficar menos besta e entender que há coisas mais simples do que parecem.

    Os “técnicos liberais” nada mais são do que funcionários dos donos do capital.

    Desenhando. Há os donos do capital: Lehman, Setúbal, Safra, Guerdau, Marinho, Moreira Salles. Há seus funcionários (“técnicos liberais”): economistas, jornalistas, políticos, etc., como: Bonner, Mirian Leitão, Alexandre Garcia, Samuel Pessoa, Ana Carla Abrão, Geraldo Alckmin.

    Os donos do capital e seus funcionários querem ganhar mais. Para isso, os donos do capital precisam controlar o Estado e seus funcionários precisam ajuda-los a fazer isso.

    E como controlar o Estado com menor esforço?

    Convencendo as pessoas de que o Estado (Brasileiro) não presta. Afinal, quem vai se interessar e lutar para melhorar algo que é essencialmente ruim?

    Logo, ao se convencerem disso, todos se afastam do Estado e abrem caminho para os capitalistas assumirem seu controle com menor custo.

    E qual é o primeiro passo para todos acreditarem que o Estado Nacional não presta?

    Como sempre, desde que surgiu o homo sapiens: consultando um “guru”, “pajé”, “papa”, enfim, uma autoridade detentora do saber.

    E quem é a autoridade que detém o saber numa sociedade moderna (até o surgimento de Trump/Bannon – Bolsonaro/Olavo)?

    A universidade, ou melhor, a ciência. Enfim, um saber fundamentado empiricamente que nos mostra a verdade por trás das aparências.

    E a ciência define o brasileiro distinguindo-o do europeu. Assim, o brasileiro é cordial e emotivo, enquanto o europeu é frio e racional.

    E essa característica do brasileiro o faz ser alegre, aberto a amizades, a gostar de festa, samba, praia e futebol. E, por conta dessa sua índole de raiz ibérica, africana e indígena, onde predominam as paixões, ele acaba se tornando um descumpridor de regras formais (leis). Daí a origem de sua natureza corrupta, que deve ser duramente combatida. Uma vez que ela nos leva a sermos um país pobre e subdesenvolvido. E onde se encarna essa essência alegre, indolente e informal do brasileiro?

    Ora, na sua máxima representação: o Estado Nacional. Aliás, uma herança ibérica, forjada por uma corte igualmente corrupta, inepta e indolente.

    Já os europeus, de acepção germânica, francesa e inglesa são eruditos. Possuidores de uma alma nobre, movida pela razão. Construtora de grandes universidades, desde os gregos, passando pela renascença italiana, o iluminismos franco germânico, e o liberalismo inglês. Em suma, um povo construtor do Estado moderno e democrático, erguido sobre um tripé onde três poderes independentes se harmonizam num processo de “check and balances”. Sendo justamente essa alma racional, que os torna cultuadores da norma escrita e, portanto, respeitadores da mesma. Por isso, são desenvolvidos, ao contrário dos brasileiros subdesenvolvidos.

    Essa é a síntese científica da descrição do Brasil e seu povo cordial, vis a vis a civilização racional europeia e americana.

    Uma vez descrita a alma relativamente inferior do povo brasileiro, a qual está encarnada no Estado, o passo seguinte é bater bumbo na imprensa todo dia. De madruga, manhã, tarde e noite. Nas rádios, jornais, revistas, TVs, internet:
    – “Infelizmente” o Estado não presta. Está na alma do brasileiro ser corrupto. E essa alma precisa ser expiada. O Estado até é um instrumento importante, mas aqui no Brasil ele é inchado demais, e precisa ser esvaziado (do povo). Nós, sentimentais brasileiros, precisamos ouvir os nobres e racionais ensinamentos dos liberais europeus e norte-americanos.

    Em resumo. Os políticos são corruptos, não devem ser levados a sério, precisamos nos afastar deles. Colocá-los na cadeia. O Estado brasileiro (por conta da alma do seu povo), é inchado e inepto. Precisamos enxugá-lo, privatizá-lo.

    Lição dos “técnicos liberais”, contratados pelos donos do capital para abrir caminho para eles se apropriarem do Estado Nacional: povo brasileiro, afaste-se da política e despreze seu Estado.

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