Obrigado Cunha e Temer! Ou: a (falta de) justiça distributiva no Brasil

Como disse no post aí de baixo, crise aguda é tempo para reflexão profunda. Serena e ponderada. Se Eduardo Cunha e Michel Temer conseguiram algo bom foi justamente nos fazer pensar em como chegamos aqui e como sairemos do atoleiro.

Suscitado por debates nos comentários ao post “Xadrez do dia do pesadelo“, de Luis Nassif, alinhavei as linhas abaixo. Elas resumem um pouco do meu entendimento sobre (a falta de) justiça distributiva no Brasil. E que consequencias (daninhas) ela nos lega.

À reflexão, pois:

A pesada herança escravocrata – vejam entrevista do Prof. Alencastro ao Nassif no Brasilianas aqui no blog – deixa ainda suas marcas. Como diz o professor, em nenhuma sociedade desde a Roma antiga a escravidão era a mão-de-obra predominante como o era no Brasil-Colônia/pós-Independência.

Heranças malditas por ela deixada: banalização da violência e do valor da vida (pelas punições corporais aos escravos), racismo e “classismo” (será um neologismo?) – que defino como o preconceito de classe mais tacanho e míope, que não consegue ver dinâmicas de interação entre as classes da modalidade ganha-ganha, mas apenas ganha-perde, resultando em apego exagerado a qualquer privilegio e reação violenta a qualquer tentativa de mudança na pirâmide social, por mais débil que seja.

Esses elementos “deveriam estar” apenas na cabeça dos “1%” – os reais beneficiários do status quo. Mas quem dá peso político a essas patologias é não outra que a classe média tradicional. Os membros dessa classe média se apegam aos “querequeques” que caíram para si de cima da mesa do banquete do “1%” e aferram-se a eles para se diferenciar do “povão” (p.e., nível superior, poder de consumo, emprego bom, emprego no funcionalismo, plano de saúde, escola particular, viagem para fora…). São os campeões da (falsa) meritocracia: veem como justíssimo terem seu lugar ao sol, pois “chegaram na frente”. Só não levam em conta que deram a largada 1 minuto antes dos que ficam embaixo.

Contra isso – valores profundamente arraigados –  apenas anos e anos e mais anos de políticas públicas voltadas para a reparação e o avanço social (políticas distributivas e ações afirmativas). E, por que não dizer, a morte de quem pensa dessa maneira pelo passar do tempo. E sua substituição por filhos e netos – oxalá não contaminados na infância e no aprendizado com os pais por esses preconceitos daninhos.

Infelizmente, quanto a essa mudança de pensamento da classe dominante e da classe média tradicional, sou bastante cético. Creio que é coisa para longuíssimo prazo.

Voltando ao aspecto míope dessa visão, permito-me repetir um chavão: o pobre não é problema. O pobre é solução. Porque é justamente a avareza da classe média e do “1%” – em sua prática pessoal mas principalmente em seu controle político sobre a repartição do orçamento do Estado – que trava o desenvolvimento mais célere do Brasil.

A marginalização – antiga e mantida! – de um enorme contingente da população é que impede a consolidação de um grande mercado de massas, requisito fundamental para um capitalismo moderno e sofisticado. Sem consumo não há investimento. Sem escala no consumo, não há escala no investimento. Perde-se, assim, em spill-overs (respingos) positivos, externalidades, sinergias e inovação, que beneficiariam toda a sociedade, porque falta escala nos investimentos a permitir esses requisitos do grande salto.

O maior bem de um pais é o seu povo. E a maior “sorte” de um país é ter uma elite com um projeto nacional e com visão estratégica e de longo prazo. Não é generosidade não… é esperteza. Da mais pura e simples, pois os ganhos de escala beneficiam o próprio “1%” e a classe média tradicional. Infelizmente para nós é esperteza mais sofisticada que a “lei de Gerson”, pelo Brasil tão difundida, pois requer inteligência para enxergar bem adiante – e não apenas o custo do aumento do salário da empregada doméstica por agora a lei trabalhista protegê-la.

Nem preciso dizer se acho que o Brasil deu essa sorte quanto a elite que tem, não é mesmo?

Pensemos num ponto positivo: a passagem do tempo é inexorável. Basta hoje plantarmos as sementes e cuidar para que se desenvolvam bem. Um dia, oxalá, chegaremos lá.

 

P.S.: Agradeço a Eduardo Cunha e a Michel Temer. Por terem proporcionado horas e horas de discursos rasos – mas não por isso menos lamentáveis – na tribuna da Câmara hoje.

Fugi correndo pras montanhas!

Não sem trazer meu notebook comigo. A crise em que meteram o meu país faz a todos nós pensarmos em saídas. Sempre pensei o que vai acima. Talvez não antes tenha sentido necessidade de escrevê-lo e compartilhá-lo com pessoas que não as do meu entorno. Por isso, obrigado a ambos os conspiradores!

 

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