Paraíso do Tuiuti e o enredo que marcará época

Fátima Bernardes

Nilson Lage

32 min ·  

Acompanhei o trabalho da Fátima Bernardes desde o tempo em que foi minha aluna na Universidade Federal do Rio de Janeiro, menina gordinha do Méier com passado de bailarina que decidiu mudar de carreira, contou ela, quando lhe dei nota alta pela qualidade do texto em um trabalho escolar.
É profissional competente que se confinou à apresentação de telejornais e, .por escolha pessoal, à condição de editora coadjuvante, mas se destacou nas oportunidades que teve de voo solo, como na coordenação da cobertura da Copa do Mundo no Japão em Coreia, em 2002.
Hoje apresentadora de um programa de variedades na linha de espetáculos, faz extras anuais coordenando a transmissão do desfile das escolas de samba do grupo especial no Rio de Janeiro.
Acabo de assistir atentamente á gravação do desfile da Paraíso do Tuiuti que vira, em parte, de madrugada.
Acompanho as transmissões de desfiles de Carnaval desde 1979, quando participei da coordenação de um, na Televisão Educativa do Rio de Janeiro. 
Naquela época, a TV Globo, então “emissora da Revolução”, vinha reduzindo a flashes a cobertura dos festejos carnavalescos, com o slogan “A programação normal e o melhor do Carnaval”. E tome Roberto Carlos em videoteipe
A razão disso variava – ia da pressão de grupos moralistas conservadores influentes no regime até a falta de interesse dos gringos e paulistas gestores de agências de publicidade e a preferência dos executivos da empresa pelos encantos dos quatro dias de verão nas praias de Angra dos Reis, em processo de ocupação pela grã-finagem.
Foi quando o Fernando Pamplona, da Escola de Belas Artes da UFRJ, da Acadêmicos do Salgueiro e superintendente da TVE, decidiu pôr os equipamentos da emissora na Marquês de Sapucaí e transmitir, na íntegra, o desfile. 
Eu gerenciava o jornalismo. Foi emocionante: no controle-mestre da pequena emissora, gastei muito tempo, noite adentro, junto ao telefone, autorizando a abertura de sinal para a retransmissão por emissoras de lugares que nem sei onde ficam.
A Globo passou o recibo, pôs dinheiro na mesa nos meses seguintes e comprou a exclusividade nas transmissões.
Jamais gostei do trabalho deles. Muita falação, muito desrespeito com a festa que o povo leva tão a sério, muitos gaiatos e palpiteiros de classe média que só veem no Carnaval sacanagem e bebedeira.
Volto a Fátima.
Obrigo-me a dar-lhe parabéns: com ela no comando, melhorou muito. O desfile que vi foi narrado correta e honestamente, na sequência, de forma didática, tal como concebido, em que pese alguma intempestividade nas entrevistas de passarela. 
Os comentaristas -, obviamente constrangidos porque a Globo é patrocinadora e responsável pela desgraça atual que o enredo da Tuiuti denuncia, saíram-se bem diante das alegorias que glosaram a armação do golpe de estado, a agressão aos direitos dos trabalhadores e exibiram a torpe figura vampiresca que tenta fingir que manda na esculhambação reinante.
Nunca vi o programa-show da Fátima, mas asseguro que, se a Globo um dia quiser fazer jornalismo como manda o figurino, precisa reconvocá-la. E não só ela; há outros lá, na geladeira e nas coxias.