Populismo: um mal de direita e esquerda, por Marcos Villas-Bôas

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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Populismo: um mal de direita e esquerda[1]

Por Marcos Villas-Bôas

O termo “populismo”, como é natural nas línguas humanas, pode ser definido de diferentes formas. Na Ciência Política, alguns o definem como o programa político voltado para atrair a massa popular e criar uma vinculação direta com ela. Normalmente, trata-se de um líder carismático que busca/recebe uma visão de protetor do povo, valendo-se muito do discurso e do marketing/propaganda.

Com base nessa definição, não é à toa que muitos líderes da América Latina sejam associados ao populismo. Mesmo com programas diferentes, Hugo Chávez, Nicolás Maduro, Pepe Mujica, Evo Morales, Lula e outros são considerados populistas.

Como eles são de esquerda, é natural que os opositores tratem o populismo como algo extremamente negativo, porém, como tudo na vida, ele tem aspectos positivos e negativos.

O pensamento brasileiro conservador, como lembra Jessé Souza, fez um papel muito eficiente, apesar de imoral e nocivo ao país, ao definir toda medida em favor dos mais fracos como populista e, assim, conferir uma pecha de negatividade a programas sociais, como o Bolsa Família, e a políticas, como a de aumentos reais sucessivos do salário mínimo praticados no governo do PT.  

Diz-se que o PT tem votos porque é populista, e não porque usou de medidas para melhorar a vida da população pobre e essa quer, por isso, a continuidade do partido no poder. É uma típica falácia criada pela direita contra populistas de esquerda, mas que tem alguma procedência.

O problema do populismo não está em proteger a massa trabalhadora, pois, desde que as medidas tenham mais benefícios do que custos, é fundamental empoderar a classe mais fraca para que o país tenha aumento de consumidores e, principalmente, de produtores formais.

O problema é que muitas medidas tidas por sociais são ruins para o próprio social. Toda medida precisa passar por uma análise de ao menos três critérios: a) ser adequada a atingir o fim pretendido; b) ser a melhor disponível para atingir aquele fim; e c) gerar mais benefícios do que custos. Muitas políticas defendidas pela esquerda, como a criação de um Imposto sobre Grandes Fortunas e o não aumento do limite de idade para aposentadoria, não estão pautadas na melhor técnica e em dados concretos, mas num moralismo difuso que pode causar problemas.  

É pena também que os populistas da América Latina estejam, em regra, mais preocupados com o lado fácil, a simples realocação de uma pequena parte da renda dos ricos para os pobres, e não consigam ir muito além disso. Infelizmente, a crítica da direita no sentido de que os populistas dão o peixe e não ensinam a pescar é pertinente, apesar de que a direita, quando governou, não fez nenhum dos dois.

Como diz Ben Schneider[2], professor do MIT, fazer programa de transferência de pequenas rendas e aumentar salário mínimo são medidas fáceis. Basta assinar a lei e ter caixa para pagar. Difícil é ter um projeto de desenvolvimento para empoderar muitos milhões de pessoas carentes e fazê-las ingressar na economia formal.

Não se pode negar que é preciso, antes de tudo, fazê-las comer e lhes dar o mínimo de estabilidade financeira para que possam ascender moral e intelectualmente, que deve ser o objetivo maior de todos. Para tanto, o Estado deve também oferecer uma educação básica gratuita de muita qualidade em todas as partes do país, garantindo-a a qualquer um, independente de onde nasça, da sua cor, renda etc.

Para uma verdadeira proteção dos menos favorecidos, é preciso ainda criar os meios para que eles tenham acesso aos modos de produção, sobretudo os mais avançados. Sem um projeto inovador de desenvolvimento, está comprovado que até mesmo os países desenvolvidos podem ter graves problemas de baixa demanda agregada e desemprego, não bastando um bom nível de educação.

A esquerda brasileira e os populistas, como diz Roberto Mangabeira Unger, ex-ministro e professor de Harvard, no seu livro “O que a esquerda deve propor”[3], precisam ir além da solução da desigualdade por programas sociais e de transferência de renda, construindo soluções avançadas para que essas medidas sejam cada vez menos necessárias.

Ocorre, contudo, que isso não significa assumir o discurso da direita da América Latina, que não costuma trazer esses resultados e que é, frequentemente, populista também.

Se tomarmos o termo “populista” numa acepção apenas um pouco mais ampla, considerando todo aquele que desenha o seu programa político com olhos nos interesses de grupos específicos, nas pesquisas de intenções de votos e nas próximas eleições, praticamente todo político na América Latina é populista, é paternalista.

Apenas variam os alvos dos seus programas e, muitas vezes, um mesmo político de direita ou de esquerda toma medidas ruins que buscam agradar uma parcela pobre ou rica para obter apoio ou reduzir protestos[4]. Populistas pensam apenas em curto prazo, enquanto grandes estadistas pensam em curto, médio e longo prazo.  

Observa-se uma grave escassez de alternativas no mundo político e econômico, pois falta profundidade para propor medidas (ou conjuntos delas) complexas que consigam gerar reduções de desigualdade sem redução de eficiência e mantendo a saúde fiscal. Sem saber exatamente para onde ir, os políticos seguem as pressões das bases que lhes dão votos e/ou que sustentam financeiramente as campanhas, tomando medidas elementares que já são esperadas por elas.

Os políticos e a população precisam se basear em dados concretos e em teorias avançadas para avaliar a qualidade das medidas. Se olharmos o resultado da gestão de Fernando Haddad em São Paulo, ela revela inúmeros dados positivos, como uma sensível melhoria na mobilidade urbana, um dos principais objetivos do seu programa de governo.

O trânsito de São Paulo, de acordo com a pesquisa de congestionamentos da empresa TomTom, uma das mais respeitadas do mundo[5], passou do 7o pior do planeta ao 58o, revelando uma sensível evolução, que se deve a inúmeras medidas tomadas pela gestão Haddad, como obras que alteraram as vias, investimento em ciclovias, em faixas de ônibus, redução de velocidades em vias arteriais e maior fiscalização.

Muitas dessas medidas, que receberam duras críticas de parte da população e levaram a uma queda de popularidade de Haddad, melhoraram a vida das pessoas. Apesar de estar dando resultados concretos positivos a São Paulo em diversas áreas, até recentemente as pesquisas indicavam uma baixa popularidade do prefeito.

Por outro lado, até recentemente o prefeito de Salvador/BA, ACM Neto, era o mais popular do país, se é que podemos confiar nas pesquisas, que já erraram feio muitas vezes. Se tomarmos o mesmo exemplo do trânsito, Salvador/BA assumiu a posição de São Paulo, tornando-se a cidade com o 7o pior trânsito do planeta, 2o pior do país, apenas atrás do Rio de Janeiro.

Os dados de Salvador/BA são péssimos. Os resultados da Prova Salvador, que começou a medir o ensino fundamental no município apenas em 2014[6], indicaram que a ampla maioria (mais de 85%) das crianças deixa o ensino fundamental sem conseguir interpretar um texto e realizar cálculos matemáticos simples.

Se os resultados em Salvador são ruins e em São Paulo são bons, por que o prefeito da primeira cidade vinha sendo o mais aprovado, enquanto que o prefeito da segunda o menos aprovado? Dentre outros fatores, a resposta é que o primeiro é populista e o segundo não.

Haddad tomou inúmeras medidas impopulares, mas pautadas no que há de mais avançado no mundo, enquanto que ACM Neto voltou à política do seu avô, com demoradas obras pela cidade, sobretudo em áreas bem frequentadas, e propaganda massiva em redes sociais e na TV Globo, que é de propriedade da sua família na Bahia (TV Bahia).

O populismo de direita vem se fortalecendo neste cenário propício, com crise econômica mundial, terrorismo e imigração crescentes. Donald Trump (Estados Unidos) e Marine Le Pen (França) são apenas dois dos vários exemplos que poderiam ser citados.  

O argentino Maurício Macri vem sendo endeusado por alguns, apesar de não ter explicado ainda a sua relação com uma offshore no exterior. O fato de ele ter sido mencionado no Panama Papers e denunciado pelo Ministério Público na Argentina é deixado de lado pelos seus fãs, quase sempre os mesmos que até outro dia bradavam contra a corrupção.

Macri tomou medidas positivas contra o intervencionismo estatal na Argentina, como a desindexação de preços e certa liberação do câmbio, o que também foi feito pelo segundo governo Dilma e foram as principais causas do aumento da inflação em 2015, que apenas vem arrefecendo nos últimos meses.

Macri o fez, todavia, de modo desastrado, sem gradualidade, tendo gerado um aumento de inflação gigantesco no seu país, prejudicando toda a população e, sobretudo, a mais necessitada. A inflação na Argentina chegou a 30% em 2015, enquanto que no Brasil ela ficou em 10,67%, mas, mesmo assim, alguns brasileiros dizem que preferiam viver na Argentina por conta do seu presidente.  

Macri tomou medidas drásticas, pois é mais um populista. Usou a cartilha que agradaria aos seus apoiadores e à sua ideologia, mas sem dosar bem os efeitos. Agora, com uma enorme perda de popularidade e com protestos gigantescos nas ruas, realizou um aumento grande do salário mínimo, que soa como uma tentativa de acalmar os opositores, sendo, portanto, mais uma medida pensada com base no clamor popular, e não nos efeitos socioeconômicos complexos que daí advirão.

Com a inflação enorme que assola o país, realmente era preciso que houvesse um aumento no salário mínimo para aumentar o poder de compra, mas será que as contas do Estado e das empresas estão preparadas para o novo valor? Houve correlativo aumento de produtividade?

No Brasil, assim como Dilma havia feito em 2015, Temer realizou uma falsa reforma ministerial. Fundiu inúmeros ministérios, o que pode criar graves problemas na administração dos projetos que eles vinham tocando, mesmo apesar de a redução de despesas ser pequena.

Isso foi feito na primeira semana de governo Temer, sem qualquer planejamento para realocação de servidores, definição de quais comissionados permanecerão, quais serão cortados etc., ou seja, utilizou linha semelhante à de Dilma, demonstrando que ambos são populistas, pois não se preocuparam com os aspectos técnicos, mas com o clamor popular em relação à grande quantidade de ministérios.

Tanto os cortes de Dilma como os de Temer nos ministérios sequer chegam próximos de corte de 1 bilhão em despesas e, como diz Ciro Gomes, se não “dá bi”, não é tão relevante assim. Emergencial é a alta taxa de juros, que, como visto, não foi a causa do aumento da inflação, assim como é urgente uma reforma no arcaico sistema de previdência, as duas maiores despesas da União Federal e que totalizam muitos bilhões de reais, aproximando-se de 20% do PIB do Brasil e ultrapassando 50% das despesas.

Temer montou um governo com liderança sem mulheres, negros, especialistas em questões sociais e, de quebra, extinguiu o Ministério da Cultura. Após ser amplamente criticado, em atos evidentemente populistas, voltou atrás para anunciar algumas mulheres no segundo escalão e decidiu retornar com o Ministério da Cultura, extinto alguns dias antes.

Enquanto isso, inúmeras reformas imprescindíveis para que o Brasil possa se desenvolver, como a política, a administrativa, a tributária, a educacional etc. nem sequer são discutidas.

Se o objetivo era reduzir despesas com pessoal, deveria ter sido feita uma reforma administrativa que estabelecesse metas claras e bem definidas para todos os cargos, realizando avaliações periódicas com feedback e coaching. Deste modo, seria possível dispensar aqueles que não estivessem conseguindo acompanhar o que lhes era exigido e aumentar a eficiência do pessoal remanescente.

O Ministro da Fazenda, por sua vez, assumiu sem falar em reforma tributária, dizendo que não aumentará a progressividade e vendo com bons olhos a CPMF, mais um tributo cumulativo e regressivo no imensamente regressivo sistema brasileiro. É outra medida simplória não replicada em nenhum país mais desenvolvido.

O novo Ministro de Relações Exteriores, José Serra, em vez de fazer diplomacia, após assumir o poder sob suspeitas e acusações de inúmeros países, resolveu revidar, especialmente sobre aqueles de esquerda, buscando agradar a uma parcela conservadora da população.

Quanto mais se procura agradar uma parcela específica com propostas supostamente mágicas e fora da realidade técnica, mais populista é o programa. Além do governo interino, no caso da direita, Jair Bolsonaro e outros do mesmo estilo são exemplos populistas clássicos que estão se aproveitando da polarização na sociedade para, sem qualquer projeto técnico, se aproveitar das paixões conservadoras e difundir uma ideologia que lhes apetecem.

O Brasil não chegará a nenhum lugar enquanto continuar elegendo políticos populistas. A imensa maioria deles é despreparada e não sabe o que fazer. Somando isso com um sistema político falido e com uma imprensa que ajuda imensamente no populismo de quem lhe interessa, os políticos buscam agradar os seus grupos, ainda que seja um grupo de ricos ou um grupo de religiosos extremistas.

A imprensa deveria exercer um papel importante de questionar os populismos e divulgar conhecimento avançado, mas, frequentemente, escolhe um populista para defender e apenas critica o outro lado, ajudando até mesmo a realizar golpes de Estado.

O populismo é um mal da América Latina, mas não somente dela. É uma mal de esquerda, mas também de direita. Pode até trazer medidas boas, mas elas costumam ser ruins. É preciso redefinir esse termo e prestar atenção nas suas consequências, pois o populismo vem causando há muito tempo uma porção de problemas na sociedade brasileira.

O país precisa de políticos muito preparados e corajosos, que ajam pelo bem da população como um todo, sendo capazes de tomar medidas que, no seu conjunto sistemático, beneficiem todas as classes e, no conjunto dos resultados, consigam diminuição de desigualdade com aumento de produção.

Não há mais espaço para supostos salvadores, mas apenas para indivíduos moral e intelectualmente diferenciados que tomem medidas populares e impopulares de curto, médio e longo prazo pautadas nas melhores teorias e práticas do mundo e adaptadas minuciosamente para a realidade brasileira.

Marcos Villas-Bôas é doutor em Direito Tributário pela PUC-SP, mestre em Direito pela UFBA, Advogado, atualmente faz pesquisas independentes na Harvard University e no MIT – Massachusetts Institute of Technology.


[1] Agradeço a Daniel Almeida Filho e Giovana Egle pela leitura do texto e comentários.

[2] Vide aqui entrevista que este autor realizou com Ben Schneider recentemente: https://jornalggn.com.br/noticia/ben-schneider-do-mit-acredita-que-vai-ser-dificil-brasil-sair-da-crise

[3] http://www.robertounger.com/portuguese/pdfs/livros/o_que_a_esquerda_deve_propor.pdf

[4] Sobre populismo de direita, ver, por exemplo: http://www.goethe.de/ins/br/lp/kul/dub/med/pt13364894.htm

[5] http://quatrorodas.abril.com.br/materia/cidade-de-sao-paulo-tem-melhora-no-indice-de-congestionamentos

[6] http://www.provasalvador.caedufjf.net/wp-content/uploads/2015/01/SALVADOR-PROVA-SALVADOR-2014-SE-WEB.pdf

 

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

7 Comentários

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  1. Só pela frase 
    “Como diz Ben

    Só pela frase 

    “Como diz Ben Schneider, professor do MIT, fazer programa de transferência de pequenas rendas e aumentar salário mínimo são medidas fáceis.”

    já está claro que tanto o autor do texto quanto o autor da frase nada sabem da História do Brasil. Ou que não têm qualquer compreensão do que é luta política nesse país ou em qualquer país do mundo. Saiam dos gabinetes e vão para os acampamentos de sem-tetos, de sem-terra, para as ocupações de escolas. Quem sabe compreendam algo. Mas saiam sem o benefício de seus salários e de seus ganhos, fáceis, aí sim.  

  2. Populismo tambem é um termo

    Populismo tambem é um termo usado por quem não tem popularidade para para atacar o que é popular quando o popular não for de seu interesse.

  3. Vi apenas um amontoado de clichês da academia contra o populismo

     

    Marcos Villas-Bôas,

    Tenho lido de relance alguns textos seus que aparecem aqui no blog de Luis Nassif. Este texto “Populismo: um mal de direita e esquerda” transformado neste post “Populismo: um mal de direita e esquerda, por Marcos Villas-Bôas” de terça-feira, 24/05/2016 às 10:57, interessa-me mais pelo tema. Eu sempre procuro acompanhar as idéias de quem faz a incursão sobre o assunto do populismo.

    Infelizmente seu texto nada acrescenta ao que já foi dito e pareceu-me uma tentativa vã de se passar por imparcial o que me parece ser uma tarefa impossível ao ser humano. Mais bem faz quem tenta apenas ser racional, lógico e fundamentado, ainda que a razão em que se apoia o raciocínio seja equivocada. A racionalidade e o erro são humanos.

    Além de não trazer nada de novo, o seu texto é muito cheio de chavões, de considerações subjetivas e de afirmações vagas e abstratas. Utiliza de uma definição da Ciência Política que é bem amorfa. Defender a pena de morte é um programa político voltado para atrair a massa popular? Construir habitações populares é um programa político voltado para atrair a massa popular? Aumentar a pena de corrupção (Como fez o PT logo no início do governo) é um programa político voltado para atrair a massa popular?

    E quando você cria critérios técnicos para dizer se uma medida é correta ou não, você o faz de forma bem vaga, ou pouco técnica, ou bastante subjetiva. Transcrevo a seguir os critérios que você enumera para avaliar uma medida. Diz lá você:

    “Toda medida precisa passar por uma análise de ao menos três critérios: a) ser adequada a atingir o fim pretendido; b) ser a melhor disponível para atingir aquele fim; e c) gerar mais benefícios do que custos.”

    Eu pergunto: adequada para quem, a melhor disponível para quem, gerar mais benefícios para quem e gerar mais custos para quem? É só considerar um exemplo drástico para ver quão pouco técnico são os seus critérios. Assim, só para argumentar, supõe-se que se pretende aplicar uma política para eliminar com a pobreza e se entendesse a expressão “eliminar com a pobreza” literalmente e se eliminassem todos os pobres. Então nesse caso eu voltaria a perguntar a política foi adequada, a política foi a melhor disponível, a política vai gerar mais benefícios e a política vai gerar mais custos? Não formulo estas questões para você, mas sim que você formule estas questões para diferentes grupos sociais e verifique se a resposta vai ser a mesma.

    E a abstração e imprecisão do seu texto aparece a todo momento como no exemplo questionável de você considerar que a criação de um Imposto sobre Grandes Fortunas não estaria pautado na melhor técnica e em dados concretos.

    Aproveitando a menção ao Imposto sobre Grandes Fortunas, eu gostaria de fazer referência a meu questionamento sobre o termo populismo. Penso que este termo é mal visto na academia e por essa mesma razão ele é mal tratado pela academia. E a direita instruída utiliza a crítica acadêmica ao populismo para então acusar a esquerda de populista.

    Não considero, entretanto, que o populismo deva ser visto como algo de ruim. Populismo para mim é facilidade de interação com as massas. É algo de bom que um político deve ter. E normalmente considero que a facilidade de interação do populista com as massas assenta em dois pressupostos. Primeiro o político populista tem carisma e segundo o líder populista acredita nas palavras que ele diz. Normalmente o líder populista não é mentiroso. Muitas idéias do populistas são erradas, mas ele acredita nelas. O grande problema que em vez de criticar com a informação técnica correta as ideias equivocadas do populista, a academia passa a criticar os populistas.

    E em oposição do líder populista eu coloco o líder demagogo. O líder demagogo não tem carisma e por isso tem que fazer interlocução com a massa utilizando de crenças já assentes no inconsciente coletivo. A diferenciação fica ainda maior e mais precisa quando se tem um líder populista com baixo conhecimento acadêmico e um líder demagogo com elevado conhecimento acadêmico, pois enquanto o líder populista acredita no que ele diz, o líder demagogo não acredita no que ele diz. O líder demagogo é mentiroso. É claro que muitas vezes há demagogia no discurso do populista. Já no caso do demagogo, todo o discurso dele é falso e ele sabe disso, salvo aquele que foi arrastado para o grupo de demagogos sem saber que o discurso era de demagogo e o reproduz sem saber, portanto, que o discurso é falso. Se tiver carisma pode virar um populista. Se não tiver carisma, também não seria, na minha definição, um demagogo, porque o demagogo na minha definição não acredita no que ele diz.

    Dou a seguir alguns exemplos de discursos demagogos. O primeiro que me vem à mente é o combate à corrupção, pois qualquer um com um mínimo de conhecimento sabe que o combate a corrupção deve ser algo natural do processo de repressão à criminalidade e não algo a se transformar em política pública. É como um político fizesse campanha apoiando no combate ao homicídio.

    Outro exemplo é o combate ao fisiologismo. No seu significado puro fisiologismo é uma prática lícita só possível entre humanos de proceder composição de interesses conflitantes mediante barganhas. No entanto, no inconsciente coletivo o fisiologismo é visto como uma prática vinculada a atos ilícitos como corrupção, peculato etc. Assim, um político demagogo, que tem conhecimento sobre a natureza do fisiologismo, sabendo-se que se trata de prática lícita e que é imprescindível à atividade democrática da representação no processo de compor interesses conflitantes, diz-se contra o fisiologismo apenas para ter maior interação com o povo.

    Outro exemplo é dizer que “governo bom o povo põe, governo ruim o povo tira”. Frase assim recebe o aplauso das massas. Só que uma pessoa com um mínimo de conhecimento acadêmico sabe que essa frase é falsa, ou tem tudo para ser falsa. Quem acredita no processo democrático deve se fundamentar sua crença no princípio da igualdade que a democracia privilegia, mas não porque os escolhidos serão os melhores. Então quando se trata de um político demagogo, ele vai dizer uma frase assim sem, entretanto, acreditar na frase.

    Outro exemplo é dizer que “a inflação é o mais injusto dos impostos, pois atinge os mais pobres”. Também quem possui um mínimo de conhecimento do funcionamento do sistema capitalista sabe que esta frase é falsa. O que atinge mais os mais pobres é o desemprego. É frase própria de políticos demagogos.

    Bem lembrei de fazer a distinção entre o populista e o demagogo em razão do seu exemplo do Imposto sobre Grandes Fortunas como política não pautada na melhor técnica. Não creio que seja essa a crítica a se fazer ao Imposto sobre Grandes Fortunas. Aliás, a criação do Imposto sobre Grandes Fortunas é por mim considerada como uma política própria de políticos demagogos, por que eles sabem que há dois pontos fracos no Imposto sobre Grandes Fortunas. Um é que no sistema capitalista é possível que os donos das grandes fortunas consigam repassar para o mais pobre o ônus de suportar o imposto e o outro é que ele sabe que o Imposto sobre Grandes Fortunas acaba fornecendo menos recursos do que se imagina.

    Ressalto, entretanto, que como alguém que defende o aumento da carga tributária eu não sou contra o Imposto sobre Grandes Fortunas, apenas alerto que é mais próprio do demagogo defender este imposto porque ele sabe que este imposto é do gosto popular, mas nunca vai ser instituído; se instituído nunca vai ser cobrado, se cobrado nunca vai ser pago; se pago o valor nunca vai ser alto; se alto, o valor vai ser repassado e se não for repassado, os donos das grandes fortunas vão fugir do país com suas grandes fortunas.

    Assim, o Imposto sobre Grandes Fortunas é o imposto preferido para ser proposto pelo político demagogo. Não significa, entretanto, que não se deve defender o Imposto sobre Grandes Fortunas. Não só o Imposto sobre Grandes Fortunas pode representar recursos para os cofres públicos como também ele pode ter algum efeito distributivo na economia. Além disso, o Imposto sobre Grande Fortunas é representativo de uma sociedade. Uma sociedade que conseguiu vencer todas as etapas contrárias à aplicação de um imposto sobre grandes fortunas é mais evoluída do que uma sociedade que não conseguiu vencer essa luta.

    E mencionei como fragilidade do seu texto a repetição de frases suas imprecisas e abstratas. Já dei alguns exemplos, mas serve também quando você menciona Bem Schmneider e diz que, segundo ele, é

    “Difícil é ter um projeto de desenvolvimento para empoderar muitos milhões de pessoas carentes”

    Exemplo mais calhorda esse, em que lugar do mundo uma política assim foi realizada? Talvez só na Coréia do Sul nos últimos 50 anos e na China se se considera os últimos 40 anos. O Japão já era um país com o povo empoderado quando iniciou a segunda guerra mundial.

    E você segue com mais exemplos que expressam coisas abstratas como “projeto inovador de desenvolvimento” ou construção de “soluções avançadas”. Ou então dizer que “[o]s políticos e a população precisam se basear em dados concretos e em teorias avançadas para avaliar a qualidade das medidas”. Quer dizer como saber a priori que os dados são concretos e as teorias são avançadas. Você dá o exemplo de Fernando Haddad e o de ACM Neto e explica a ação política de um pelo populismo e a ação do outro pelo não populismo, com leve menção a rede de televisão da família de ACM Neto, mas tudo pode ser fruto do apoio de uma mídia favorável a um e a crítica da mídia contrária ao outro.

    É claro que a minha defesa do líder populista em relação ao tratamento que a mídia dá a ele não significa que eu apoie o líder populista. Sou a favor das idéias boas do líder populista e critico as idéias ruins que ele propagandeia. Agora cabe a mim avaliar o que eu considero idéias boas e quais são para mim as ideias ruins, utilizando, portanto, os meus critérios, a minha ideologia. Não haveria como eu ser imparcial nessa avaliação.

    Clever Mendes de Oliveira

    BH, 24/05/2016

  4. Transforme a si mesmo!
    Texto interessante, boa contribuição. Senti um tecnicismo forte e utopico, estilo a crença na razão do séculos XVII e XVIII.
    Parece não considerar a parcialidade humana, e importante, a consciência de sua existência. Parece ignorar a luta de classes, corporativismos e vaidades, e o principal, a saber, o poder econômico.
    Contudo, tem o mérito de apontar os efeitos negativos que o populismo pode causar. Sou por uma sociedade socialista, mas acredito que cabe primeiro viver isso fundamentalmente em mim mesmo e nos entornos (família, vizinhos, rua, bairro, região,município, estado, pais, continente, mundo).
    Não adianta impor meu ponto de vista aos outros. Embates são normais e devem ser respeitosos.
    Será possível agradar a todos?

  5. O pessoal não le o artigo

    O pessoal não le o artigo inteiro, le algumas frases, e ja forma opinião preconceituosa.
    Pessoal, leiam até o final!

    O artigo é brilhante e aponta para uma saída correta e objetiva para problemas reais.
    Vai além do assistencialismo (que o texto diz claramente que é necessário e aponta que a solução da direita nem isso é) e propoem um plano maior e estrategico de médio e longo prazo.

    O exemplo do Haddad é ótimo.

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