Quem salvou Marina

Uma coisa precisa ser dita.

Marina não embarcou no avião de Eduardo Campos por que não aprovou a aliança do PSB com o PSDB em São Paulo.

Todo mundo sabe que o jatinho sem dono de Campos caiu em Santos, mas ninguém se perguntou – exceto você, talvez – o que ele estava fazendo lá.

Campos foi a Santos para participar de um evento sobre o assunto que ele mais entendia: portos.

O ex-governador de Pernambuco cresceu sob o sol do porto de Suape, construído graças ao apoio do governo federal dado a ele por Lula.

Foi por causa das obras de dragagem e construção do complexo de Suape e da refinaria Abreu e Lima que Campos se aproximou do diretor de abastecimento da Petrobrás Paulo Roberto Costa, como informou o Tijolaço a partir do Cais do Porto.

Recebeu 475 milhões da Petrobrás em 2008 como adiantamento de tarifas portuárias. As obras deveriam estar concluídas em 2010, mas só foram iniciadas em 2011. Foram interrompidas no ano passado por que a Secretaria de Portos da Presidência rejeitou a prestação de contas do então governador pernambucano e suspendeu o repasse de verbas.

O processo foi parar na CGU, onde sua mãe seria nomeada ministra apenas três anos depois. Nascia assim a terceira via e a nova política no Brasil.

Longe das ideologias políticas, o que uniu Campos e Marina foi algo muito mais humano, mesquinho e terreno do que se imagina: o ciúme e a inveja.

No dia em que sofreu o acidente que lhe custou a vida, Eduardo Campos estava a caminho da Santos Export – um forum internacional sobre a expansão do porto de Santos, promovido pelo jornal local A Tribuna.

Um dos temas do seminário de Santos foi exatamente a dragagem do porto, o pomo da discórdia com Dilma em Suape.

Geraldo Alckmin participou da abertura do evento, na véspera, dia 12. No dia seguinte, quem o aguardava era o candidato a vice na chapa de Alckmin, o deputado federal do PSB e ex-prefeito de São Vicente Márcio França.

Estava prevista uma recepção em alto estilo para Campos em Santos: entrevistas no rádio e TV, encontros políticos, desfile pela região central e travessia de barco para Vicente de Carvalho, distrito pobre do Guarujá onde daria uma entrevista coletiva antes de ir ao encontro dos empresários portuários no sofisticado hotel Sofitel Jequitimar na praia de… Pernambuco!

A praia de Marina era outra. Ela sabia que deveria evitar o mar de São Paulo, especialmente agitado pelos ventos daquele dia frio e nebuloso de agosto.

Ela se opusera à aliança com Alckmin desde o princípio. Apesar de todas as contradições que foi revelando a partir daquele dia, essa foi a única que ela tentou evitar e, de certa forma, até agora conseguiu.

Embora tenha se apropriado e até radicalizado o programa de governo do PSDB, ela sabe que não pode e não deve correr o menor risco de se envolver no maior desastre ambiental da história de São Paulo: o esgotamento do sistema Cantareira e a falta d’água de proporções saarianas que se avizinha.

No dia em que as urnas forem definitivamente fechadas em São Paulo após esta eleição, serão fechadas também as válvulas de abastecimento da Sabesp.

Mas a ex-ministra do meio ambiente e fundadora da Rede Sustentabilidade sabe perfeitamente por que São Paulo secou, e quem destampou o ralo.

Enquanto ministra e senadora, Marina acompanhou de perto toda a gestão das bacias dos rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí que, juntamente com os rios e represas que formam o sistema Cantareira, levam água potável a 14 milhões de pessoas das regiões metropolitanas de São Paulo e Campinas.

Água para beber, lavar e cozinhar, não para lavar carro, encher piscina e fazer concreto. Nem para gerar dividendos a acionistas da Sabesp.

Em 2008, Marina Silva sobrevoou as bacias de helicóptero, visitou o Cantareira e prometeu que dali sairiam as propostas brasileiras a serem levadas ao Fórum de Águas das Américas, em Foz do Iguaçu, e ao Fórum Mundial das Águas de 2009, na Turquia.

De lá para cá – numa surpreendente demonstração da estabilidade que hoje lhe falta – Marina não arredou pé da defesa das águas.

A ponto de, em 21 de março último, na véspera do Dia Mundial da Água, em pleno vigor da aliança de seu partido hospedeiro com o PSDB de Geraldo Alckmin, ter assinado artigo na Folha de São Paulo com o certeiro título “Líquido e Incerto”.

Nele, Marina demonstra uma outra capacidade, que ainda não perdeu.

A do contorcionismo.

Em nove parágrafos curtos ela evapora a política ambiental do governo Alckmin e converte seu supostamente maior aliado em São Paulo em um chuchu seco. Sem dó, piedade ou sermões:

“Faz tempo que o Brasil precisa discutir com mais profundidade os efeitos das mudanças climáticas, para se preparar e prevenir situações, em vez de apenas socorrer as vítimas com soluções emergenciais. Isso é evidente na escassez, o drama do Sudeste. Aí se revela o atraso da gestão pública, no limite da irresponsabilidade. Chega a ser ironia que o problema maior esteja em São Paulo, estado que foi exemplar nos anos 90, quando o Brasil definiu avançados marcos regulatórios para a gestão da águas.”

E avisa, antes de concluir:

“[… o sistema] Cantareira passou por um sério período de escassez na década passada. Desde então a gestão do sistema pouco mudou e quase não existem medidas de redução do consumo ou de ampliação das condições para que as bacias do sistema possam produzir água. Resta menos de 25% de vegetação natural no entrono dos reservatórios, segundo o Diagnóstico Socioambiental da Cantareira”.

Nem os marqueteiros do PT teriam sido tão eficientes em desnudar o candidato ao governo do estado de São Paulo apoiado pelo partido alugado por ela.

Antes da queda do avião, o vice, deputado Márcio França, considerou que Eduardo e Marina eram os únicos capazes de “pacificar” o país, polarizado entre PT e PSDB. Após a morte repentina do líder do PSB, Marina indica que pretende apenas retirar a letra “D” do segundo polo.

Redação

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