Algo de novo no fronte? Parece que não.
A única novidade desde o discurso na ONU (“Dilma vai dizer golpe ou não vai?”) foi hoje a indicação dos membros para a comissão do impeachment no Senado.
A seleção desses nomes e não de outros indica alguma tendência?
Não sei dizer. A mim parece que não. Nessa comissão o jogo já está jogado antes mesmo de começar:
– PMDB (5) e bloco de oposição (4) somam 9 senadores;
– bloco de apoio ao governo (PT-PDT), 3;
– bloco PSB-PCdoB-PPS, 3 (apenas Vanessa Grazziotin favorável ao governo entre os titulares);
– os outros dois blocos, independentes mas hostis ao governo, mais 5.
Alguma dúvida sobre o resultado da votação?
Não tenho nenhuma.
Ah, dirão alguns, o Senado – a “câmara alta” do nosso Parlamento – há de permitir um debate de nível bem mais elevado que o da Câmara – aliás, algo quase impossível de não se fazer, em vista da nossa BAIXÍSSIMA câmara baixa.
Ah, sim? Debate mais elevado?
Não creio. Talvez não tenhamos mais o festival de votos “TFP/Marcha da família”: por Deus, pela família e pela liberdade. Mas se houver discussão técnica, ainda será marcada pela falácia das “pedaladas” e dos decretos de crédito suplementar como crimes de responsabilidade.
Tomo, metonimicamente, por parte que há de representar o todo dos votos pelo impeachment o do Sen. Garibaldi Alves Filho PMDB/RN. Creio que seja reflexo fidedigno do voto médio do PMDB na comissão. Segundo o GGN, Garibaldi votará a favor do impeachment no mérito porque:
– (…) (Dilma) cometeu crime de responsabilidade ao atentar contra as leis orçamentária e de responsabilidade fiscal.
Talvez para compensar minimamente o cinismo da afirmativa anterior, acrescenta um juízo político – com lastro na realidade – a essa consideração jurídica (sic):
– Além disso, o resultado da votação na Câmara dos Deputados demonstrou que, lamentavelmente, a presidente Dilma perdeu as condições mínimas de apoio parlamentar.
Concordo com a constatação. Isso seria razão para fazer cair o governo de fato, vivêssemos num regime parlamentarista. Não é o caso. A legitimidade de Dilma repousa no voto majoritário de todo o colégio eleitoral brasileiro, em sufrágio universal, secreto e em dois turnos.
Dilma não a adquiriu em votação no Congresso e, considerando-se apenas a Lei e não a política, prescinde de apoio parlamentar para permanecer no cargo para o qual o povo lhe indicou.
Para concluir, o Senador apela “às ruas”:
– As manifestações populares e as pesquisas de opinião pública também demonstram que uma expressiva maioria da sociedade deseja o impeachment.
Ah, sim, Senador? Manifestações e pesquisas de quando? As mais recentes – de todos os institutos – refletem tendência contrária.
Mesmo tomando essas mais antigas, em que o senhor se baseia, expressam elas um desejo majoritário por Temer presidente? De forma alguma. E muito menos o fazem as pesquisas mais recentes.
Se é para ouvir “as ruas”, que o façamos da maneira prevista em Lei: por meio de eleições diretas. O que pensa dessa proposta, Senador? Certamente encontrará eco no seu desejo democrático (sic) de dar resposta às manifestações e às pesquisas de opinião.
Bom, deixando de lado argumentações inúteis destinadas a quem nenhuma importância lhes daria, vejamos em que momento estamos.
A votação na comissão se dará na semana que vem.
Fora debates inúteis na mesma, creio que os próximos dias não trarão novidades de impacto no cenário político, incluindo “vazamentos” e delações. Por que mexer com um jogo jogado?
Vivemos uma espécie de calmaria depois de duas semanas bastante intensas. Calmaria que antecede o “juízo final”.
Isso me lembra de uma fala de “O Senhor dos Anéis: o retorno do rei”, em que o mago Galdalf compara a calmaria que precedia a batalha final à respiração profunda que antecede o mergulho.
Creio que é aí que estamos.
E o que fazer enquanto esperamos? Bem, seguindo a sugestão de Galdalf, respiramos. Inspiramos profundamente e damos uma carga de oxigênio ao nosso sistema.
Para mim, o equivalente axiológico ao que essa respiração profunda representa para o corpo seria absorver, uma vez mais, o que ao longo de nossas vidas alimentou os valores que nos trouxeram até aqui. Por que estamos deste lado do campo de batalha e não do outro? Que valores são esses que orientam nossa tomada de posição? Quais experiências de vida os alimentaram?
Um exemplo chegou hoje à minha timeline, em vídeo postado por Tiago Nunes no Facebook. Trata-se de vídeo de Cynara Menezes, a Socialista Morena. Respondendo à pergunta sobre o que a atraiu para o lado esquerdo do espectro político, ela responde com um poema de Brecht:
Perguntas de um operário que lê
Quem construiu Tebas, a das sete portas?
Nos livros constam o nome dos reis,
Mas foram os reis que transportaram as pedras?
Babilónia, tantas vezes destruída,
Quem outras tantas a reconstruiu? Em que casas
Da Lima Dourada moravam seus obreiros?
No dia em que ficou pronta a Muralha da China para onde
Foram os seus pedreiros? A grande Roma
Está cheia de arcos de triunfo. Quem os ergueu? Sobre quem
Triunfaram os Césares? A tão cantada Bizâncio
Só tinha palácios
Para os seus habitantes? Até a legendária Atlântida
Na noite em que o mar a engoliu
Viu afogados gritar por seus escravos.
O jovem Alexandre conquistou as Índias
Sozinho?
César venceu os gauleses.
Nem sequer tinha um cozinheiro ao seu serviço?
Quando a sua armada afundou, Filipe de Espanha
Chorou. E ninguém mais?
Frederico II ganhou a guerra dos sete anos
Quem mais a ganhou?
Em cada página uma vitória.
Quem cozinhava os festins?
Em cada década um grande homem.
Quem pagava as despesas?
Tantos relatos
Quantas perguntas
Conta Cynara que teve contato pela primeira vez com esse poema na forma de epígrafe ao livro “História da Sociedade Brasileira”, de Francisco Alencar et al., quando entrou no segundo grau.
Coincidência ou não também tive eu o primeiro contato com esse poema no mesmo livro, também ao entrar no segundo grau.
Cynara surpreendeu-se anos depois ao descobrir que o tal “Francisco Alencar” é não outro que o deputado Chico Alencar, eleito pela primeira vez pelo PT e já há mais de uma década no PSOL.
Pois para mim a experiência foi oposta. Seu livro foi adotado no curso de História do Brasil no segundo grau na minha escola, o Colégio de Aplicação (CAp.) da UFRJ. E assim chegou a mim. Muitas vezes vi o autor do livro no pátio do colégio ou na sala dos professores, sempre em animadas conversas com os professores de História da escola.
Já o conhecia de vista, posto que fora candidato a prefeito do Rio de Janeiro no ano anterior (1996) e já exercera dois mandatos de vereador na cidade. Mas mais do que isso, aos 14 anos, não sabia.
Dessa forma, o Francisco Alencar historiador chegou a mim antes do Chico Alencar político. Nessa altura, certamente meu pensamento já pendia para a esquerda moderada, para a social-democracia. Mas nem por isso as lições de Francisco, digo, Chico Alencar, foram menos importantes.
Vejam o vídeo em que Cynara conta a sua história com o livro e recita o poema de Brecht. Vejam também o outro, em que Gandalf descreve com gravidade a calmaria que antecede o caos.
Termino então o post inspirando profundamente.
Mais uma vez.
Nos pulmões e na alma.
Essa lembrança proporcionada por Cynara me deixou um misto de ansiedade quanto ao futuro e nostalgia do passado.
Com um ajuste aqui e outro acolá, com bem menos ambição certamente, os sonhos do jovem de 14 anos ainda são grosso modo os mesmos da maturidade.
Os dias que virão hão de determinar se eles demoram mais ou menos para virar realidade no Brasil.
Eu sei de que lado estou e por quê.
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