Stercorius, Crepitus e Cloacina acima de todos, por Fábio de Oliveira Ribeiro

Frases de Bolsonaro revelam um homem capaz de confundir o público com o privado, a religião com a política, a política com a violência e a atividade estatal com a discriminação dos pobres.

Stercorius, Crepitus e Cloacina acima de todos

por Fábio de Oliveira Ribeiro

Esta semana o presidente brasileiro proferiu três frases históricas.

O estado é laico, mas eu sou cristão.

Se tiver arma de fogo, é para usar.

Eles gostam de pobre.

Com essas três frases é possível compreender perfeitamente o imaginário político de Jair Bolsonaro. Elas revelam um homem capaz de confundir o público com o privado, a religião com a política, a política com a violência e a atividade estatal com a discriminação dos pobres.

A crença numa religião pertence exclusivamente à esfera privada do cidadão. A laicidade estatal é um conceito de direito público que foi construído para garantir a paz civil entre pessoas que pertencem a religiões diferentes. Entretanto, Jair Bolsonaro parece acreditar que o Estado pode ser laico desde que se submeta à religião dele. A captura do Estado por uma religião despertará o ódio nos seguidores das outras religiões, mas a preservação da harmonia social não interessa ao presidente. Ele acredita que a crença dele pode e deve se impor, com o uso da força bruta.

Numa democracia os cidadãos são iguais em direitos e obrigações. Salvo raríssimas exceções (digo isso pensando especificamente na legítima defesa), o uso da violência não é permitida aos cidadãos. Apenas o Estado pode usar a força, mas isso deve ser feito dentro dos limites da Lei. Quem possui uma arma de fogo não pode e não deve usá-la para resolver suas disputas com os outros cidadãos. Apenas o Judiciário pode interferir nas relações interpessoais para dizer quem tem ou não razão impondo a solução com o uso legítimo da coação.

O ódio do presidente pelos pobres e/ou o amor dele pelos ricos não é um fundamento jurídico plausível para ele vetar ou deixar de vetar uma Lei. Como presidente da república, Jair Bolsonaro está obrigado a cumprir e fazer cumprir o princípio constitucional da impessoalidade. A regra prescrito no art. 37, caput, da CF/88, existe justamente para garantir que o poder público não fará distinções entre os cidadãos qualquer motivo.

As duas últimas frases de Jair Bolsonaro são incompatíveis com a religião que ele disse praticar. O cristianismo rejeita o uso da violência. O culto das armas de fogo e/ou do seu uso equivalem a uma rejeição de princípios éticos como “não matarás”, “amai-vos uns aos outros”, “os mansos herdarão a terra”, “ofereça a outra face”, etc… Cristo não morreu na cruz porque utilizou ou instigou o uso da violência entre os judeus ou contra Roma. O mais provável é que ele tenha sido condenado porque fez uma opção pelos pobres, doentes e escravos que foi considerada sacrílega pelos sacerdotes da religião judaica que viviam da exploração econômica dos serviços religiosos prestados no Templo em Jerusalém.

Preocupado com a queda de sua popularidade, Bolsonaro divulgou o vídeo de um pastor que disse que ele foi eleito por deus. Impossível dizer qual é esse deus. Talvez Bolsonaro tenha chegado ao poder com a ajuda de uma divina trindade. Refiro-me obviamente a Stercorius, Crepitus e Cloacina. Afinal, cada uma destas divindades pode ser considerada associada a uma das frases ditas pelo presidente. O ódio aos pobres é uma merda, a crença na virtude da violência cheira tão mal quanto um peido e a politização da religião transforma o Estado num esgoto.

Fábio de Oliveira Ribeiro

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