Trama golpista faz Exército mudar batalhão dos “kids pretos”

Revisão da doutrina e remoção do curso de operações psicológicas estão entre as mudanças em batalhão dos kids pretos

Foto: Divulgação/Exército Brasileiro
Foto: Divulgação/Exército Brasileiro

Por Caio de Freitas

Da Agência Pública

Nos bastidores, a cúpula do Exército admite que as investigações sobre a trama golpista causarão mudanças na caserna. A Agência Pública apurou que, desde a apresentação do relatório final da Polícia Federal (PF) sobre o caso, em novembro de 2024, o comando militar ordenou uma revisão completa na estrutura e na formação das Forças Especiais do Exército, além de implementar alterações no Comando de Operações Especiais (Copesp), o reduto dos “kids pretos”.

Foi nas mesmas instalações do Copesp, em Goiânia, que o tenente-coronel Mauro Cid delatou ao Supremo Tribunal Federal (STF) que ouviu, pela primeira vez, militares das Forças Especiais sugerirem “causar o caos” para impedir a posse do presidente Lula (PT). O fato teria ocorrido em plena crise golpista do fim de 2022, como já reportado pela Pública.

POR QUE ISSO IMPORTA?
Ao menos 12 “kids pretos” foram denunciados por envolvimento na trama golpista que pretendia impedir que o resultado das eleições de 2022 fosse respeitado.
Mudanças no batalhão e revisão na formação desses profissionais servem de indicativo de que ataques à democracia não devem passar impunes.
São esperadas mudanças significativas no Copesp para depois de março, mas já há alterações – ainda que tímidas – em andamento.
As mudanças iniciais, as primeiras na formação dos “kids pretos” em mais de 15 anos, foram publicadas na edição de 20 de dezembro de 2024 do Boletim do Exército.

Por ora, a Força apenas excluiu o próprio Copesp do processo de seleção de alunos para os próximos cursos de Forças Especiais, realizados há mais de 20 anos no Centro de Instrução de Operações Especiais em Niterói (RJ). O Comando Militar do Planalto e o Departamento-Geral de Pessoal do Exército, em Brasília (DF), serão responsáveis pela escolha das novas turmas.

O número de vagas, porém, continua igual desde 2009: no máximo 24 vagas para sargentos e outras 24 para oficiais.

À Pública, o professor emérito da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército (Eceme) Francisco Teixeira disse que vê com pouca expectativa as mudanças prometidas nos “kids pretos”.

“Quem ensinará a nova doutrina, se não os mesmos oficiais que ensinavam a anterior? Para mim, o correto seria encerrar o batalhão”, afirmou Teixeira, que é também professor titular de história na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

“Um dos problemas é que o batalhão tem uma tradição de enviar oficiais para cursos no Exército dos Estados Unidos [em Fort Moore] desde os tempos da Escola das Américas, onde se passa uma noção de ‘ameaça interna’ aos militares latino-americanos. O curso nos EUA tem a função de direcionar eles contra aquilo que os americanos chamam de ‘forças subversivas’, mas das próprias sociedades em que se encontram… se a lógica do ‘inimigo interno’ for mantida, mudanças pontuais não vão adiantar”, disse o professor emérito da Eceme.

Curso de operações psicológicas sai do batalhão dos kids pretos

A Pública apurou que uma das primeiras mudanças em relação aos kids pretos foi a retirada do curso de operações psicológicas do Copesp. A unidade o abrigava desde 2017, quando o curso foi criado pelo então comandante do Exército general Eduardo Villas Bôas. De 2025 em diante, as atividades ocorrerão no Centro de Estudos de Pessoal da Força, no Rio de Janeiro. O Exército agora entende que “não é conveniente” que o curso ocorra “junto ao próprio batalhão”. 

A decisão passa também pelo caso do oficial que, até 8 de fevereiro de 2024, comandava o 1º (e único) Batalhão de Operações Psicológicas do Exército, em Goiânia: o tenente-coronel Guilherme Marques Almeida.

Como outros denunciados, o militar é mais um dos colegas de Mauro Cid na turma de formandos do ano de 2000 da Academia Militar das Agulhas Negras (Aman) envolvidos na trama golpista. A Procuradoria-Geral da República (PGR) denunciou Marques Almeida por suposta participação em “operações estratégicas de desinformação” na trama golpista. 

Durante o governo Bolsonaro, o tenente-coronel Marques Almeida cumpriu “missão” para o Exército Brasileiro atuando como instrutor na “Escola de Operações Psicológicas do Exército Peruano” durante parte do período da pandemia, entre maio de 2020 e janeiro de 2022, segundo o Diário Oficial da União. 

A acusação da PGR se baseia, entre outros elementos, em áudios atribuídos ao tenente-coronel – nos quais ele dizia atuar para “influenciar” grupos mobilizados no WhatsApp com desinformações sobre as urnas.

Em um dos áudios obtidos pela PF, o militar especialista em operações psicológicas fala em “direcionar o povo” para “a frente do Congresso” e em “explorar a dimensão informacional” disso – nas palavras dele, essa seria “a nossa parte”, sem detalhes.

Em outro áudio, Marques Almeida descreve com exatidão as cenas que todos veriam no dia 8 de janeiro de 2023 em Brasília: uma multidão fora de controle invadindo as sedes dos Três Poderes, funcionando como um “mecanismo de pressão” contra a posse de Lula. “Dá pra fazer um ‘trabalho bom’ nisso aí”, disse ainda o militar.

Ao mesmo tempo que afirmava que os militares tinham “os meios e gente” para conduzir as atividades contra a posse do presidente eleito, o tenente-coronel disse que, “dentro das Forças Armadas, ninguém quer se arriscar” para não “acabar preso depois”.

A PF não informou a data da gravação dos áudios do militar, mas a denúncia da PGR sugere que o material foi produzido durante a crise do acampamento golpista no Quartel-General do Exército em Brasília, no fim de 2022.

Seis meses após o fatídico 8 de janeiro de 2023, Marques Almeida foi promovido a comandante do 1º Batalhão de Operações Psicológicas. A promoção foi publicada no Diário Oficial da União em 7 de junho de 2023, assinada pelo atual comandante do Exército, general Tomás Paiva.

Pouco depois, em fevereiro de 2024, o tenente-coronel foi um dos alvos da Operação Tempus Veritatis, da PF, noticiada pela Pública. Chama atenção que Marques Almeida foi removido do comando do batalhão no mesmo dia dessa operação, 8 de fevereiro de 2024, também a mando do comandante do Exército. 

A reportagem não localizou a defesa do tenente-coronel Guilherme Marques Almeida até a publicação desta reportagem. 

Exército quer revisão completa sobre “kids pretos” até março

As mudanças em andamento na unidade dos kids pretos começaram oficialmente em 13 de dezembro de 2024, com a criação de um grupo de trabalho para “levantar as ações visando o aprimoramento da capacidade de Operações Especiais” do Exército.

De acordo com o Boletim nº 51/2024, o grupo foi criado por ordem do Estado-Maior do Exército – responsável por elaborar a política militar terrestre e o planejamento estratégico e orientar o preparo e o emprego dos recursos.

O grupo tem de se reunir no quartel-general do Exército semanalmente e deve entregar um relatório final, “com todas as informações para a tomada de decisão” quanto à reestruturação do Copesp (desde seu ensino e doutrina até a sua estrutura e efetivo) até o próximo dia 28 de março.

O grupo de trabalho é coordenado pelo terceiro subchefe do Estado-Maior do Exército, general de divisão Jayro Rocha Júnior. O material de conclusão do grupo será submetido à chefia do Estado-Maior, a cargo do general e membro do Alto-Comando do Exército Richard Nunes.

“O relatório final [para o “aprimoramento” das Operações Especiais] deverá apresentar as conclusões acerca dos trabalhos realizados e a proposta de uma Diretriz específica sobre o tema”, de acordo com o que foi determinado pelo Comando do Exército.

Ao todo, o grupo de trabalho possui 12 oficiais, lotados no gabinete do comandante do Exército; no Centro de Inteligência e no Centro de Comunicação Social do Exército; no Comando de Operações Terrestres e no Comando Militar do Planalto (que gere as Forças Especiais); no Departamento de Educação e Cultura e no Departamento-Geral de Pessoal do Exército.

Vale lembrar: ao menos 12 kids pretos já foram denunciados por envolvimento na trama golpista. O número pode aumentar, dada a falta de respostas sobre quem são os militares que vigiaram e planejaram a “neutralização” (assassinato) do ministro Alexandre de Moraes, do STF, por meio da “operação Copa 2022”.

Procurado, o Exército ainda não se manifestou sobre as mudanças em andamento no batalhão dos kids pretos. Em caso de resposta, esta reportagem será atualizada.

Edição: Ed Wanderley

20 Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

  1. Tirem o bode da sala.

    O problema não são os bobocas pretos, mas a própria concepção das FFAA, em um país que de acostumou a ser capacho geopolítico dos EUA.

    Todas as FFAA do mundo têm “comandos”, e núcleos de Psy-ops e outras tarefas que são executadas a margem (tênue) da legalidade.

    A questão é, no fim das contas, a insubordinação ao poder civil neste país de ataque.

    Nunca houve, e nunca haverá.

    As FFAA daqui servem aos verdadeiros donos do país, que não falam português.

  2. E para quem dúvida, eis os exemplos:

    Mossad e as “extrações” (sequestros) dos nazistas no pós guerra.

    As “extrações” pós 11/09/2001.

    SEAL e etc no assassinato de Osama Bin Laden.

    A despeito do debate sobre ilegalidade ou não, no âmbito do direito internacional, o fato é:

    São ações legitimadas pelos poderes civis dos países envolvidos, e quase sempre voltado às disputas soberanas desses países, nunca contra seus cidadãos.

    Quando tais ações se dirigem ao espaço interno, o que é raro, sempre são chanceladas e fiscalizadas posteriormente, também por esse poder civil.

    1. Os mesmos especialistas em Ações de Comando de escritório e ar condicionado, viverão para implorar a ajuda dos soldados de preto.
      COMANDOS, FORÇAS ESPECIAIS, PRECURSORES, BDA PQDT, FZL NAVAIS, COMANF, GRUMEC, PARASAR e os PRECURSORES são pilares da garantia da lei e da ordem em nosso país.
      Menosprezar os seus serviços é alegrar o DESGOVERNO.

      1. É emocionante arrumar briga só pra virar herói. Só na cabeça de quem não tem nada de útil para fazer a não ser oprimir o próximo. Vontade de poder.

      2. Hahaha.

        Só se forem os primeiros a correr.

        Não deram conta dos “atividades” nos morros cariocas na intervenção.

        Paneleiros (fuzileiros?) que andam em SK-105mm, que nem possuem as atualizações da série SK-105 A (que dispara em movimento).

        Aquele vexame na esplanada, fábrica de empadas, tanta fumaça soltavam.

        As FFAA daqui não aguentam 5 min contra a Bolívia.

        Para Sar, os assassinos do episódio do gasômetro, impedidos pelo capitão Sérgio Macaco.

        Forças especiais, piada!!!

        Bando de imbecis, comedores de picanha e pintores de meio-fio.

        Vergonha no Haiti, abusos sexuais e assassinatos.

          1. Rereee, engraçado, no seu caso e6 muito poder de síntese.

            Muita bobagem escrita em uma só frase.

            Parabéns

      3. Está se vendo que essas forças são “garganta da lei e da ordem”, assassinando as autoridades máximas da República e outras ações subversivas.

        1. Aí é que mora a questão.

          É um horror, mas e se as FFAA estivessem, junto com a maioria organizada da população, na direção de abolir esse sistema de castas, que exclui e massacra os pobres?

          E se fosse uma revolução socialista?

          É esse o nó, o modo que atolamos quando passamos a defesa dessa “neutralidade” ou da criminalização das FFAA.

          Foi essa sacada que Genoíno teve, lá em 2003/2004, quando pensou em um movimento estratégico de atração das FFAA para um pensamento do campo popular, colocando as FFAA subordinadas a um projeto de nação que melhorasse as condições dos mais pobres, como fez Hugo Chávez na Venezuela.

    2. Gostei de sua visão geopolítica. Realmente todos os exércitos de democracias tem integrantes de FE e A Psi, faz parte. Mas são para defender seus interesses externos, quase nunca contra o público interno; ao falar dos SSK sem tiro estabilizado da marinha, esqueceste de mencionar os obsoletos leopard 1A5. Realmente, nosso problema é fazer esses coturnos se submeterem a um governo civil legitimamente eleito e reconhecido mundialmente.

      1. Um país de 8 mil km de costa, um oceano de petróleo sob oceano, com 8 mil km quadrados de território e nenhum porta-aviões.

        Se juntar os jatos de nossa força aérea toda, eles não encheriam os conveses do US Nimitz.

        Vergonha.

  3. Militares possuem atividades especificadas na CF e deveriam ser os primeiros a obedecer. Sendo assim, puna – se os desobedientes.
    Obrigado

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador