Um réquiem para o Plano Real, por Luís Nassif

Até hoje, os economistas do Real - com a notável exceção de André Lara Rezende - repisam bordões primários para sustentar sua luta ideológica.

Poucos episódios têm sido tão ridículos quanto essa auto-celebração do Plano Real. Nem se diga da megalomania de Edmar Bacha, atribuindo a deflagração do plano ao bilhete azul onde ele escreveu um recado para Fernando Henrique Cardoso. Nem a afirmação de que o Real foi essencial para a eliminação da pobreza, reportagem com um gráfico mostrando a pobreza em níveis recordes no período da hiperinflação, depois caindo no período inicial do Real e desabando com as políticas sociais de Lula. 

De Lula? Claro que não. Segundo os gênios da mídia, foi um efeito retardado do Real, em que pese o fato de ter criado o maior endividamento circular da história e a maior transferência de riquezas do orçamento para os financistas.

Em dois mandatos de FHC, duas crises cambiais, um crescimento pífio e um ambiente de negócios tão sufocante que só prosperaram os setores que caminhavam na zona cinzenta – como frigoríficos, jogos-do-bicho, empresas de ônibus urbano.

O grande problema do Real foi a ideologização e o conhecimento raso dos economistas sobre a economia real. Aplicaram a teoria do choque, a mesma irresponsabilidade que liquidou com o império soviético, em vez de uma transição planejada para os novos tempos, como a economia chinesa.

Não tinham a menor noção – ou interesse – sobre as características de cada setor, sobre as empresas estratégicas para o país, que precisavam ser preservadas, sobre as vantagens competitivas. E, olhe, que estava em moda os estudos de Michael Porter, recomendando expressamente aos países que identificassem suas vantagens competitivas. Para esses gênios da modernização, toda a complexidade da economia era reduzida a uma mera fórmula de inflação inercial, seguido de doses cavalares de antibióticos de câmbio e juros.

Vamos a um exemplo simples do que foi a tal modernização supostamente iniciada pelo Real e interrompida por Lula.

Decidiu-se privatizar o setor elétrico. Aberta a temporada de caça, vários grupos americanos se candidataram, mas da seguinte maneiras:

  1. Montavam uma subsidiária independente em um paraíso fiscal.
  2. Candidatavam-se à privatização, com financiamento integral do BNDES.
  3. Davam como garantia as próprias ações das empresas adquiridas.

Quando explodiu a crise de energia, a bomba estourou nas mãos do governo Lula e, no BNDES, nas de Carlos Lessa. As garantias eram as próprias empresas privatizadas. 

Mais que isso. As grandes hidrelétricas, quase completamente amortizadas, forneciam o grande diferencial competitivo ao Brasil: energia barata. Jogaram fora, acabaram com a competitividade das indústrias de alumínio, siderúrgica, química e da rede de fabricação de automóveis.

Não apenas isso. Liquidaram com o sistema Telebras e todas as pesquisas desenvolvidas no CPqD, o centro de pesquisas da Telebras. Sem contar as maracutaias em torno da Telemar e da Brasil Telecom.

Até hoje, os economistas do Real – com a notável exceção de André Lara Rezende – repisam bordões primários para sustentar sua luta ideológica. Como a história de que, sem privatização, não haveria telefonia celular. Ou que a culpa de tudo foi de Lula, que não completou o processo de destruiçãso de Fernando Henrique Cardoso.

Lembro-me até hoje de Pedro Malan, o mais inexpressivo dos economistas do Real, ao lado de Edmar Bacha, mostrando seu conhecimento sobre políticas de inovação: para que investir em inovação, se uma máquina importada já carrega os últimos avanços da tecnologia mundial.

O Brasil perdeu o bonde no Plano Real. E quando o governo Lula pretendeu seguir o tal “tripé virtuoso” – juros altos, tributação elevada e câmbio baixo.

A única comemoração possível é o réquiem pelo futuro desperdiçado.

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11 Comentários

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  1. Lembro do plano real como se fosse ontem
    Formado, não conseguia emprego e vivia de bicos como milhares de brasileiros
    Andava pelas ruas e via paisde família em plena duas horas da tarde brincando com seus filhos, não havia emprego
    Uma cerveja custava menos de cinquenta centavos, mas o diabo era conseguir a porcaria dos cinquenta centavos
    Crianças andavam em bandos nas ruas a qualquer hora do dia, como pedintes ou pequenos meliantes
    No supermercado se comprava o básico do básico, não havia fartura e controle até sobre data de vencimento e o número de pessoas de ruas era incalculável
    Lembro-me do desespero tomando conta das pessoas e ainda assim elas votavam no psdb, nas prefeituras e estados, e assim privatizavam tudo, gerando ainda mais desemprego e aumento de energia elétrica e de telefone
    Nas periferias a violência explodia, não se podia andar com um brinco de bijuteria que já lhe roubavam, além do tráfico e do contrabando
    Não havia concurso público, pra entrar tinha que conhecer alguém de dentro e ser indicado
    Foi um inferno na terra

    1. Eu fazia faculdade nessa época, o cada dia era uma mp regulando as mensalidades, então um funcionário da faculdade vinha com uma caixa e distribuía um boleto extra para cada um na sala como complemento da mensalidade, isso aconteceu várias vezes, tive que abandonar por que meu salário não alcançava o valor da mensalidade, fui me inscrever no tal crédito educativo do fhc, quando fui retirar o formulario informaram que tinha cinco vagas para toda a universidade, ou seja, cinco vagas para serem disputadas por alunos de todos os cursos de todas as turmas…. desisti…. lembro que o “aclamado” sociólogo deu dez reais de aumento salarial, no maior arrocho salarial da história desse país, enquanto acontecia a farra das privatizações, uma das estórias enterradas que li foi a preocupação dos japoneses com a privatização da vale, sumiram com esse episódio, apagão, o verdadeiro com o gênio anunciando um plano de segurança em que a maior medida era iluminar melhoras ruas, dois meses depois, aconteceu o contrário, um a cada poste de luz teve que ser desligado para economizar, até anos mais tarde, a empresa de energia ainda estava desligando a luz dos que passaram da média, fizeram isso numa das fabricas que fazia bico…. chegavam e desligavam mesmo anos depois…a mídia fazia o trabalho sujo de sempre, enquanto o povo passava fome por falta de emprego ou salários arrochados, anunciava o frango a um real, que os pobres estavam comendo iogurte, que as filas dos restaurantes estavam cheias…nada do desalento das filas enormes das poucas vagas de emprego, da juventude que não podia estudar pelo impedimento das mensalidades caríssimas, das pessoas que iam e voltavam a pé, como eu para economizar o dinheiro do ônibus, ou até mesmo aqueles que dormiam nas ruas e do iam pra casa no final de semana…acham que estou exagerando? Procurem as poucas reportagem de alguns jornalistas que ainda tinham um mínimo de vergonha na cara….odeia esse tal de plano real, essa turma engravatada tucana, desgraçou a vida de muita gente…

  2. Nassif eu q criei o Plano real e só foi sucesso por causa de mim,cada um escreve e fala o q quer no Brasil(mentira minha, Nassif e suas multas q condenações q o digam)querem até controlar a boca do presidente e engraçado,sao2 os mesmo q à época da prisão injusta de Lula pela Lava Jato diziam”É a justissa Lula aceite!”,só q agora duzem “É o mercado Lula aceite”(q mercado é esse?Assaí?Extra?Pão de Açúcar?)ou será um hipermercado???

    1. CONSEGUIRAM CALAR A BOCA DO EXCELENTÍSSIMO 78,AFF !!! DESISTO !!! OBS.:GLOBO JÁ COMEMORA A “MUDANÇA DO TOM”,NÃO PERDE TEMPO QUASE AO MESMO TEMPO DA FINALIZAÇÃO DO DISCURSO DP PRESIDENTE E JÁ AVISA(AMEAÇA)”ISSO NÃO BASTA PRECISA MAIS”VIDE JORNAL HOJE!!!
      Obs2.:Quem sabe se ceder mais uns dedos ao mercado e quando acabar,ceder as mãos,pés,braços e pernas aí o País avança,lógico q milagres existem !!!

  3. Além de não envolver nenhum projeto consistente de desenvolvimento econômico, o Plano Real falhou vergonhosamente na implementação. A lógica do plano exigia um período de transição da moeda antiga para a URV longo o suficiente para quebrar a memória inflacionária. Em lugar disso e para atender o calendário eleitoral, os salários foram imediatamente convertidos em URV com base na média passada, já muito corroída pela inflação crescente. O holerite de todo mês era expresso em URV e o valor era creditado em moeda corrente pela cotação do dia. Porém os preços no comércio nunca foram expressos em URV e puderam oscilar livremente acima da moeda paralela. O processo que deveria durar ao menos um ano, foi acelerado de forma destrambelhada para 3 meses, seguido de dolarização do Real ao custo de Selic cavalar. O mesmo desvario da mídia empresarial que vemos hoje, atuou então para promover a eleição de FHC. Em resumo, o Plano Real nunca foi implementado. Fez o mesmo tipo de choque dos planos anteriores, com congelamento de preços no pico e salários na média passada, só tendo a novidade da âncora cambial mantida por 4 anos para garantir a reeleição da FHC, para logo em seguida se admitir o estelionato eleitoral, com a máxi desvalorização tão negada na campanha eleitoral, mas que explodiu em 15 dias de novo mandato.

  4. Economia é, antes de tudo psicologia de massas. Porém, essa massa, nalgum momento vai necessitar da prova do noves fora. E essa, sempre mostra a realidade em caso de crise geral – dentro e fora – especialmente quando de fora pra dentro, como foi a detonada por Armínio Fraga, nas suas inconfidendêcias, traindo a boa-fé do ministro indonésio, em 1997.

  5. Meu primeiro emprego formal foi em 1998 e a hora de trabalho custava 0,87 centavos de Real(idade). fch deveria ser preso junto com essa imprensa fajuta que, no Brasil, advoga que capitalismo é sinônimo de concentração de renda e não circulação de renda, portanto, na concentração temos um feudalismo disfarçado.

  6. Desculpe, mas isso é passar o pano ao PT e Lula. Vão-se 15 anos de comando sem mexer em uma pedra do sistema econômico predador brasileiro. O tripé macroeconômico está intacto, contas de capitais a hora que bem entender e por aí vai. O que o Nassif julga como “ignorância ” dos economistas, eu julgo de inteligência, pois o modelo já está aí há 30 anos irrigando o bolso de 1% da sociedade. É importante sempre salientar: o real foi e é um fracasso para 90% da população, mas na outra ponta, há muito o que se comemorar ainda Nassif.

  7. fhc não investiu na educação como Lula e Dilma, o que nos legou um golpe de estado a partir do psdb, que suprimiu a previsão de dividir com saúde e educação a produção do pré-sal. estamos sob um regime económico feudal ainda mais agudizado com a reforma de supressão dos direitos trabalhistas.

    https://economia.uol.com.br/noticias/agencia-brasil/2024/01/17/concentracao-de-renda-bate-recorde-historico-no-brasil-diz-pesquisa.amp.htm

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